Por Financial Times
22/08/2022 05h02 Atualizado há 4 horas
Desde o colapso soviético a Rússia não enfrenta um transtorno econômico da escala provocada pelas sanções ocidentais após a invasão da Ucrânia. Metade de suas reservas cambiais de US$ 640 bilhões estão congeladas, vários de seus maiores bancos foram cortados do sistema internacional de pagamentos e o petróleo dos Urais, graças ao risco de sanções, é vendido com um desconto de cerca de US$ 20 o barril em relação aos preços internacionais. Cerca de 1.000 companhias ocidentais, que segundo uma estimativa respondiam por 40% do PIB russo, reduziram suas operações no país.
Mesmo assim, seis meses depois da guerra de Vladimir Putin ter desencadeado as mais duras sanções ocidentais contra Moscou, a economia da Rússia está se saindo melhor do que muitos esperavam. Embora a guerra pareça, pelo menos por enquanto, estar em um impasse, e o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, afirme que Putin está pronto para uma solução negociada, as sanções ainda não corroeram a capacidade de Moscou continuar lutando.
A agilidade do banco central russo em impor controles de capital e aumentar drasticamente as taxas de juros estabilizaram o rublo. Os preços globais maiores do petróleo compensaram o “desconto Rússia” e o aumento das vendas para a China, Índia e Turquia ajudaram a neutralizar a queda das exportações para a União Europeia (UE). A Agência Internacional de Energia (AIE) estima que em julho a produção russa de petróleo ficou menos de 3% abaixo dos níveis anteriores à guerra.
Além disso, muitas das empresas ocidentais de saída, ainda não saíram completamente ou venderam negócios para compradores locais, de modo que a operação desses ativos continua. A intensificação do comércio com grandes países emergentes, especialmente a Turquia, proporcionou outro colchão. O banco central da Rússia agora prevê uma significativa, mas não catastrófica, contração do PIB de 4% a 6% neste ano; o Fundo Monetário Internacional (FMI) vê uma queda de 6%, após uma previsão de 8,5% feita em abril.
Com as populações europeias enfrentando aumentos sem precedentes nas contas de aquecimento, e menos acostumadas às dificuldades do que os russos, além de mais propensas a sair às ruas, Putin pode estar calculando que a Rússia está melhor posicionada para suportar a dificuldade econômica do que muitos dos países ocidentais.
Se estiver, está errado. As sanções provavelmente não levarão a um colapso imediato da economia russa. Mas com o tempo, as medidas ocidentais são um laço cada vez mais apertado e os custos para a Rússia se acumularão.
As democracias ocidentais terão que perseverar. Elas ainda precisam fazer mais para reduzir a receita da Rússia com energia, enquanto ajustam o plano de um novo embargo da UE ao petróleo russo, para garantir que a medida não prejudique mais o mundo democrático do que Moscou. Elas precisam preparar melhor suas populações, por meio de mensagens e apoio direto, para aumentos nos preços da energia, e intensificar os esforços para dissuadir Pequim, Nova Déli e Ancara de ajudar Moscou a suportar as sanções.
Os danos da dissociação energética deverão ser menor para o Ocidente do que para a Rússia. A UE pode, por exemplo, já ver um caminho realista para a vida sem o gás russo, enquanto a falta de infraestrutura significa que levará anos para Moscou redirecionar as exportações de gás para a China.
O maior dos impactos para a Rússia poderá não ser a perda dos mercados de energia ocidentais, e sim de tecnologia e componentes ocidentais – que Pequim ou outros não podem substituir totalmente – dificultando a manufatura e a vida para seu setor de recursos naturais, além de seu complexo militar-industrial.
Existem paralelos com as restrições às exportações de alta tecnologia para a União Soviética após a invasão do Afeganistão em 1979. Elas frearam o crescimento soviético e aprofundaram seu atraso tecnológico, que, combinado com a queda dos preços da energia, provocou uma profunda crise no fim dos anos 80.
As sanções podem ainda não ter degradado a capacidade de Putin de levar adiante sua guerra na Ucrânia. Mas ao provocá-las, o líder russo pode ter degradado sua capacidade de conduzir uma campanha prolongada – ou de lançar uma guerra convencional parecida em grande escala no futuro.
Fonte: FT / Valor Econômico

