Por Thomas Hale, Gloria Li e Chan Ho-him — Financial Times, de Xangai e Hong Kong
05/12/2023 05h02 Atualizado há 11 horas
Uma série de blocos de apartamentos inacabados espalhados pela China, compradores endividados que não sabem se um dia mudarão para suas novas casas e revolta pela perda de seus depósitos: o impacto da crise imobiliária na China tem sido imenso.
A inadimplência da incorporadora imobiliária Evergrande em 2021 (a mais endividada do mundo) e de dezenas de outras inaugurou uma nova era para o setor imobiliário do país.
A Evergrande, que enfrenta a ameaça de liquidação, personifica as turbulências de um setor que responde por cerca de um quarto da atividade econômica da China e é o componente mais importante da riqueza das famílias.
Embora os preços dos imóveis residenciais tenham subido quase um terço na China no primeiro trimestre do ano, em comparação a uma década atrás, segundo dados compilados pelo Banco de Compensações Internacionais (BIS), eles caíram 5% entre o terceiro trimestre de 2021 e o primeiro trimestre deste ano.
As incorporadoras, cujos destinos estão interligados aos governos locais, que lhes vendem terrenos, e os investidores que as apoiam vêm tendo problemas para se recuperar em meio a uma grande falta de confiança. As histórias de quatro indivíduos que investiram no mercado imobiliário chinês ilustram o grande impacto da crise.
Anhui. Zhang, uma maquiadora de 42 anos da cidade de Hefei, na Província de Anhui, esperava mudar para o seu novo flat com os pais idosos em agosto. Mas dois anos depois de ela ter pago um depósito por um apartamento de 61 m2 que custou 580 mil yuans (US$ 80 mil), o projeto ainda não foi concluído e ela não conseguiu recuperar seu depósito da Evergrande.
“Acabei com as minhas economias para cobrir o depósito e o pagamento inicial, num total de 350 mil yuans”, pelo apartamento inacabado, diz ela. “Não tenho coragem de contar o que está acontecendo aos meus pais. Temo que eles fiquem doentes se ficarem sabendo.”
Zhang, que não quis que seu nome inteiro fosse publicado, trabalha em três empregos – design de unhas, maquiagem para casamentos e teatros – para pagar o financiamento de seu atual apartamento. Ela agora se arrepende de não ter levado a sério os rumores de que a Evergrande estava com problemas. “Como o governo pode permitir o seu colapso? Como isso pode acontecer?”, lamenta ela.
“Cumpri com a minha parte, mas a Evergrande não está cumprindo com a dela. Como não ficar perturbada? Não consigo mais dormir à noite. Meus cabelos estão caindo. Não consigo nem mesmo fazer uma pausa adequada do trabalho.”
Ela não é a única afetada. Cerca de um quarto dos cerca de 200 apartamentos do projeto habitacional foram vendidos. As autoridades locais disseram que os compradores pagaram cerca de 27 milhões de yuans para a Evergrande apenas para aquele local. A Evergrande não respondeu a pedidos para comentários.
Nas últimas semanas, Zhang e outros compradores realizaram protestos em escritórios do governo local e nos pontos de vendas da Evergrande, que incluíram uma manifestação do lado de fora da sede do governo do distrito. A polícia armada apareceu e acabou com o protesto, diz ela.
Mais tarde, ela recebeu telefonemas de autoridades dizendo que ela não deveria mais organizar manifestações. “Não recebi pelo que paguei. E eles [as autoridades] me disseram para conter minhas emoções. Não posso nem chorar um pouco pela dor que sinto?”, diz ela.
Xangai. Assim como muitas jovens chinesas, Summer Wang aspirava a ter sua casa própria e se casar. Em 2008, logo depois de formar-se na universidade, em Xangai, ela conseguiu as duas coisas. Seus sogros ajudaram com o adiantamento de 30% necessário para comprar um apartamento de 600 mil yuans para ela e o marido. Em 2013, ela comprou outro imóvel, maior, para os pais. Em 2021, ela vendeu o primeiro apartamento por 3,5 milhões de yuans e o segundo por uma quantia não revelada.
Naquele mesmo ano, contudo, comprar novos apartamentos ficou mais difícil, depois de uma reforma das leis de compras de imóveis em Xangai, parte de uma iniciativa do governo federal para coibir o endividamento e a escalada dos preços na esteira do colapso da incorporadora imobiliária Evergrande.
Os interessados em comprar precisam entrar em uma espécie de sorteio para ganhar o direito de comprar uma propriedade nova. Quem ainda não possui nenhuma tem prioridade. Após sete tentativas, Wang ganhou uma vaga no sorteio no fim de 2022 e comprou uma propriedade nova no início de 2023.
Em novembro, ela concluiu a compra de um imóvel usado – que são menos cobiçados pelos compradores chineses, normalmente mais interessados em imóveis novos – por 2,9 milhões de yuans. Ela comprou essa propriedade para os pais.
Com a crise imobiliária nem todos conseguem comprar um imóvel antes de se casar. Muitos estão “esperando os preços residenciais caírem um pouco mais” antes de comprar, segundo Wang. “Alguns vendedores também acham que, se esperarem um pouco mais, o governo pode lançar mais medidas [de estímulo ao mercado] e eles poderiam vender a um preço mais alto. É isso o que vejo no mercado agora, tanto vendedores quanto compradores estão hesitantes.”
Cantão. Gary Lai, um chefe de cozinha que comanda um restaurante de sopa de macarrão em Hong Kong recomendado pelo guia Michelin, ainda aguarda a conclusão das obras do apartamento de cerca de 90 m2 que comprou em Zhaoqing há dois anos por 1,1 milhão de yuans.
Como é um projeto da estatal Overseas Chinese Town Enterprises, ele acredita que a obra será concluída em 2024 e continua mantendo o otimismo em relação ao mercado chinês. Lai, que está na faixa dos 50 anos, planeja se mudar para a cidade de Zhaoqing, na Província de Cantão, quando se aposentar. Ele até cogita a hipótese de comprar um segundo apartamento na cidade, na esperança de que isso lhe proporcione uma renda estável de aluguel na aposentadoria.
“O desenvolvimento da China é rápido e é pioneiro em muitos setores”, disse. “Eu imagino que viver na China continental seria satisfatório […] especialmente com o menor custo de vida lá.”
Tendo em vista que Lai não tem planos de vender a propriedade, a queda nos preços não o preocupa. A desvalorização do yuan e os cortes dos juros chineses tornam as propriedades no continente atraentes para os residentes de Hong Kong, acrescentou. “Este pode ser o melhor momento para comprar imóveis recém-construídos.”
Jiangxi. Emily, uma empresária na casa dos 30 anos que vive em Xangai, não tinha dinheiro para comprar um apartamento na cidade mais populosa da China. Em vez disso, como aconteceu com muitos outros, ela e seu marido britânico optaram por comprar em sua cidade natal, Shangrao, na Província de Jiangxi, no sul do país.
Em 2021, ela pagou 620 mil yuans por um apartamento da Evergrande. O preço foi menor porque ela pagou em dinheiro e porque o apartamento ficava no 14º andar, um número considerado de azar na China porque “quatro” e “morte” têm a mesma pronúncia em mandarim.
Quando os graves problemas de liquidez da companhia começaram a aumentar no fim daquele ano, ela disse que os compradores que participavam de um grupo do WeChat com 500 pessoas rapidamente fizeram uma petição ao governo local. Seu pai juntou-se a outros para apelar aos políticos locais sobre o empreendimento.
Desde então, diz ela, o projeto tem sido apoiado pelo governo local, segundo um representante da Evergrande no grupo do WeChat, e seu apartamento deverá ser concluído em um ano. “A maior parte das pessoas que compraram lá provavelmente tem apenas 1 milhão de yuans e gastou todo o seu dinheiro nisso”, diz Emily, que pediu para que seu nome inteiro não fosse publicado.
Ela está em processo de compra de um segundo imóvel na cidade, um apartamento já no mercado por 1,3 milhão de yuans, um desconto de 30% sobre o preço inicial. (Tradução de Mario Zamarian e Sabino Ahumada)
Fonte: Valor Econômico

