A crise no setor imobiliário comercial dos Estados Unidos (CRE, na sigla em inglês), deflagrada pelo esvaziamento de escritórios com a pandemia de covid-19, representa mais um risco à saúde dos bancos regionais americanos um ano após a turbulência que provocou o fechamento do Silicon Valley Bank (SVB) e do Signature Bank. Instituições financeiras de médio e pequeno portes são as mais afetadas, e os bancos com maior exposição ao CRE poder rumar à falência à medida que vencer o prazo para o pagamento de empréstimos das incorporadoras imobiliárias endividadas.
Na avaliação de analistas ouvidos pelo Valor, a ampla liquidez do sistema financeiro casada com a baixa exposição ao CRE entre os grandes bancos e a atual solidez da economia americana deve mitigar as repercussões macroeconômicas. Assim, a resposta dos mercados ainda é incerta, já que os investidores podem fazer vista grossa ao tema ou especular acerca de um eventual risco sistêmico com as prováveis falências de bancos menores.
“Sim, há uma chance [de uma nova minicrise bancária]. O estresse no sistema bancário não acabou, mas é improvável que se transforme em algo que represente um risco sistêmico para o sistema financeiro como um todo”, avalia Ryan Sweet, economista-chefe para EUA da Oxford Economics.
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Segundo Sweet, os bancos regionais americanos – aqueles com ativos entre US$ 10 bilhões a US$ 100 bilhões – devem seguir pressionados nos próximos anos, o que levará a novas quebras e aquisições neste segmento do setor financeiro. “A boa notícia é que não há muitas evidências de que os problemas entre os bancos regionais estejam afetando negativamente os bancos de médio e grande porte”, diz Sweet.
A opinião do economista é similar à visão do presidente do Federal Reserve (Fed, banco central americano), Jerome Powell. “Esse é um problema no qual estaremos trabalhando por mais anos, tenho certeza. Haverá falências de bancos, mas não dos grandes bancos”, afirmou Powell em sua última sabatina com membros do Congresso americano.
O estopim para as preocupações renovadas do mercado com o setor de CRE veio com a apresentação do balanço do New York Community Bancorp (NYCB) em fevereiro. O banco, que em 2022 havia comprado o Flagstar Bank, adquiriu parte dos ativos do falido Signature Bank. Com um balanço de ativos maior, o NYCB teve de se adequar a regras mais rígidas dos bancos de grande porte dos Estados Unidos e, assim, ter uma reserva maior para provisões. Com isso, a alta exposição do banco ao CRE o obrigou a cortar dividendos a investidores e buscar uma injeção de capital, que veio no começo de março, com um resgate de cerca de US$ 1 bilhão de outras entidades do setor privado.
“A falência do SVB foi uma grande surpresa negativa. O mercado não estava preparado e foram feitas muitas comparações com a crise financeira de 2007 e 2008. O evento do NYCB, por outro lado, foi um choque que durou dois ou três dias. Os investidores perceberam que não havia um novo problema”, diz Markus Allenspach, chefe de pesquisa em renda fixa do banco suíço Julius Baer.
O profissional destaca que a exposição dos chamados bancos comunitários dos Estados Unidos (com menos de US$ 10 bilhões em ativos) ao CRE é, em média, de cerca de 35% do balanço de ativos, enquanto a dos bancos regionais é de menos de 20%.
Estresse no sistema bancário não acabou, mas é improvável risco sistêmico” Ryan Sweet
Para o executivo, a crise do CRE é um problema exclusivo dos pequenos bancos americanos, e por isso os investidores podem e devem ignorar o evento. “O mercado entende que este não é um grande problema agora. Eu diria que o mercado vai se livrar disso com relativa facilidade”, avalia Allenspach.
Sweet, da Oxford, tem opinião menos otimista. Embora concorde que a crise do CRE ainda não dá sinais de que vai afetar a atividade e o sistema financeiro como um todo, ele pondera que os investidores podem acabar se assustando com seguidas falências de bancos de menor porte e o estresse entre os bancos regionais, levando a um período de oscilações nos mercados.
“Os bancos falham o tempo todo. Ainda assim, as falências de bancos podem abalar o sentimento dos investidores, pois podem fazer com que eles comecem a apostar na próxima instituição que sofrerá pressão ou falirá.”
A correção brusca de preços no setor de CRE ainda não terminou, de acordo com Abigail Rosenbaum, diretora associada e especialista em setor imobiliário da Oxford Economics. Segundo ela, os preços dos escritórios terão caído quase 30% até o fim do ano em relação ao pico de 2019.
Ao mesmo tempo, a perspectiva de que os juros nos Estados Unidos não vão cair tanto diante de uma economia forte e uma inflação ainda resiliente é mais um risco de baixa ao setor. “Há um pouco de dificuldade para os investidores se sentirem confortáveis com os preços, devido ao ambiente de altas taxas de juros e à incerteza”, comenta.
Ela, porém, ressalta que é importante não abordar o setor de CRE como uma coisa só. Se a correção dos preços de escritórios é “similar ao da crise financeira de 2007 e 2008”, empreendimentos imobiliários multifamiliares e imóveis do setor varejista passam por momentos distintos. Rosenbaum destaca o consumo americano forte que não dá sinais de desaquecimento, o que tende a aumentar a demanda por empreendimentos no varejo. Já Allenspach pontua que a demanda no CRE como um todo pode melhorar caso os escritórios desocupados sejam convertidos em apartamentos residenciais.
O economista do Julius avalia ainda que é improvável que a exposição dos pequenos bancos americanos às imobiliárias endividadas leve a um esgotamento do crédito para pequenos empreendedores. “Poderia haver uma pequena crise se os bancos apertarem as condições de crédito, mas eu não vejo um problema material para a economia dos Estados Unidos. Mesmo o Fed está bastante tranquilo quanto a isso.”
Fonte: Valor Econômico

