Por Gabriel T. Rubin — Dow Jones Newswires
22/03/2023 05h00 Atualizado há um dia
Os consumidores americanos estão diante de um novo desafio, as turbulências do setor bancário e o aperto das condições financeiras, que se somam aos problemas da inflação elevada e dos juros em alta e ameaçam conter o consumo, que vem sendo a marca da força da economia do EUA.
A turbulência do setor bancário pode tornar mais difícil para alguns consumidores obterem financiamento para comprar casas, carros e outros itens de alto preço. Economistas dizem que muito do impacto no curto prazo pode depender mais da psicologia dos americanos – se eles confiam que a economia vai superar a tempestade bancária que pode ou não ter impacto direto em seus bolsos.
“Em razão da incerteza, uma empresa pode optar por não fazer contratações ou investimentos, ou as famílias pode ficar mais econômicas – poupando, em vez de gastar”, disse Carl Tannenbaum, economista-chefe do Northern Trust. “O acúmulo dessas reações pode interromper uma expansão econômica”, afirmou.
Qualquer disseminação dos problemas do setor bancário pode ameaçar o consumo, motor de cerca de 70% da produção dos EUA. Os altos gastos dos consumidores ajudaram a tirar a economia da recessão da pandemia, embora tenham mostrado sinais de desaceleração no fim de 2022, diante do alto patamar histórico da inflação e dos juros em alta.
Em janeiro, a atividade dos consumidores teve uma retomada, mas depois já voltou a mostrar sinais de esfriamento.
Os gastos no varejo caíram em fevereiro, segundo dados do Departamento do Comércio, antes das recentes quebras de alguns nomes do setor bancário. No início de março, a confiança do consumidor havia recuado pela primeira vez em quatro meses, segundo pesquisa da Universidade de Michigan divulgada na quinta-feira.
Corretores de imóveis relatam maior nervosismo entre os compradores, mesmo com os últimos dados mostrando alguns sinais de recuperação. As vendas de residências usadas nos EUA subiram em fevereiro no ritmo mais rápido em seis meses, com os compradores aproveitando uma queda modesta nas taxas de hipoteca, informou ontem a Associação Nacional dos Corretores de Imóveis. O preço médio do país também caiu pela primeira vez desde 2012.
Ainda assim, as vendas de casa usadas caíram 22,6% em fevereiro na comparação anual, um sinal de que muitos possíveis compradores permanecem fora do mercado após anos de aumentos de preços e taxas de financiamento muito mais altas do que há um ano.
Segundo relatório da imobiliária on-line Redfin, divulgado na sexta-feira, interessados em casas na região da Bay Area, em São Francisco, estão mais relutantes em comprar em razão de rumores de demissões e de problemas no setor bancário, e também porque viram uma queda no valor de suas carteiras de investimento.
Mas os consumidores já estavam sob pressão antes dessa crise bancária. O custo do crédito disparou em 2022, com o Federal Reserve (Fed, banco central dos EUA) elevando os juros para o nível mais alto desde 2007 para esfriar a demanda e combater a inflação.
A taxa média anual de juros do cartão de crédito foi de 19,1% no quarto trimestre, acima dos 14,5% do mesmo período de 2021, e quase 3 pontos percentuais acima do pico anterior à pandemia, em 1995, segundo dados do Fed. Um novo financiamento de 60 meses para automóveis estava, na média, com juros de 6,6% no quarto trimestre, acima dos 4,7% de um ano antes, e o maior desde 2009.
Os juros altos levaram alguns consumidores a transferir depósitos em bancos regionais para outras opções que oferecem melhores retornos. Tal movimentação limita a capacidade desses bancos de conceder empréstimos. As quebras do Silicon Valley Bank e do Signature Bank neste mês jogaram mais holofotes sobre o nível dos depósitos dos bancos regionais.
Como os bancos estão “tendo dificuldade em obter depósitos, terão que reduzir a concessão de empréstimos, o que já começaram a fazer”, disse Jack Ablin, sócio-fundador da empresa de gestão de patrimônio Cresset Wealth Advisors. “Quem quiser refinanciar um crédito imobiliário, comprar um barco ou financiar a reforma da cozinha – terá mais dificuldade.”
Em 2022, cerca de 80% das compras de carros novos e cerca de 40% das de carros usados valeram-se de financiamento, segundo a firma de dados de crédito Experian.
A capacidade de resistência dos gastos pessoais nos EUA foi sustentada por três pilares nos últimos meses, segundo Tim Quinlan, economista do Wells Fargo. Os consumidores recorreram à poupança excedente, se beneficiaram de um crescimento na renda que foi superior à inflação no fim de 2022 e fizeram novas dívidas.
Com o crédito cada vez mais limitado, a economia pode ter de depender de dois desses três pilares. Quinlan disse que o crescimento pode permanecer relativamente estável se os consumidores continuarem recorrendo à poupança excedente – que ainda soma cerca de US$ 800 bilhões – e se o crescimento da renda continuar superando a inflação.
Mas não é só a escassez de crédito, contudo, que pode levar os consumidores a adiar grandes compras, diz Steven Blitz, economista-chefe da TS Lombard para os EUA. Também é a perda de confiança e a relutância em assumir um grande compromisso financeiro diante de um cenário futuro incerto.
Fonte: Valor Econômico


