Os Estados Unidos se movem para inaugurar uma nova era monetária. Depois de quase cinco décadas ancorado no “petrodólar”, o país aposta agora nas chamadas “criptos de dólar” — stablecoins lastreadas e pareadas ao dólar — como eixo de seu poder financeiro no século XXI. A análise, com as perspectivas para o mercado de criptoativos para o próximo ano, foi apresentada nesta segunda-feira, pela gestora Hashdex, em evento para assessores de investimentos.
A regulamentação aprovada em 2025, por meio do Genius Act, abre caminho para que o dólar se torne um ativo totalmente digital, operando 24 horas por dia, sem fronteiras e com liquidação instantânea – o que se poderia chamar de “pix americano”.
A Hashdex batizou esse novo regime de “criptodólar” que, se bem-sucedido, substituirá o papel que o petróleo teve para sustentar a hegemonia da moeda dos EUA desde os anos 1970.
Samir Kerbage, diretor de investimentos da Hashdex, vê o movimento como uma virada de página. “O governo Trump quer reindustrializar os Estados Unidos, mas gera um conflito: o dólar funciona como reserva de valor global, o que exige que países acumulem dólares e comprem títulos do Tesouro; ao mesmo tempo, a reindustrialização dos EUA requer a desvalorização da moeda”, explica.
O novo arcabouço regulatório exige que emissores de stablecoins mantenham seus tokens como garantia por títulos do Tesouro dos EUA de curto prazo. Isso cria dois efeitos, segundo Kerbage: primeiro, dá respaldo institucional a um setor que antes operava à margem; segundo, gera uma nova demanda pelos títulos de curto prazo — justamente no momento em que bancos centrais globais reduzem sua exposição a títulos com vencimentos mais longos.
Para ele, esse arranjo inaugura uma rota alternativa para financiar o déficit americano e reposicionar o dólar no mundo.
Criptos de dólar podem ultrapassar US$ 500 bilhões em 2026
O relatório da Hashdex projeta que as criptos de dólar devem dobrar de tamanho em 2026, saltando dos atuais US$ 300 bilhões, em capitalização, para mais de US$ 500 bilhões. Em cenários mais ousados, esse mercado pode romper US$ 2 trilhões em 2028 e alcançar até US$ 4 trilhões na próxima década.
Kerbage reforça essa leitura. “A gente acredita que estará mais próximo do cenário otimista. Este é o momento pix do mercado americano”, diz, em associação ao sistema brasileiro de pagamento instantâneo que teve adoção em massa.
Ele projeta que, em cerca de um ano, usuários poderão enviar e receber pagamentos por QR Code, por meio de carteiras digitais já em uso, como da Apple e do Google, sem necessidade de compreender tecnologia blockchain ou configurar carteiras digitais próprias.
Segundo ele, “todos os grandes bancos do mundo estão preparando suas próprias stablecoins ou integrando as já existentes”, e gigantes como Google, Meta, Apple e Amazon já testam sistemas de pagamento nativos em dólar digital.
O efeito prático é a criação de um sistema de pagamentos operando 24 por 7, com liquidação imediata e sem fronteiras. Trata-se de uma ruptura direta com o Swift, cujas transações internacionais podem levar dias para serem concluídas.
Uso cresce em países emergentes e pressiona Europa e China
O avanço das criptos de dólar não se limita aos EUA. O uso cresce de forma acelerada em países que enfrentam inflação alta ou deterioração cambial, como Brasil, Venezuela, Argentina e nações africanas.
Essa expansão preocupa bancos centrais, principalmente o europeu. O BCE revisou o desenho de sua própria moeda digital e passou a incentivar bancos comerciais a emitirem stablecoins de euro, numa tentativa de conter a adoção dos tokens americanos no bloco. A maior cripto de dólar em volume emitido, a Tether (USDT) não pode ser transacionada na União Europeia.
Já o Brasil, após abandonar o Drex como projeto de real digital, pode ver o fortalecimento de stablecoins privadas lastreadas em real, enquanto tramita no Congresso uma proposta para regulamentar o setor.
“Quando os Estados Unidos se movem, todo mundo reage”, resume Kerbage.
A Hashdex vê esse movimento como um divisor de águas. A tokenização do dinheiro — via stablecoins — é o primeiro passo para a migração de outros ativos financeiros para a tecnologia blockchain: ações, dívidas, commodities, fundos e instrumentos do mercado monetário.
A avaliação da gestora é de que o “criptodólar” não é apenas um novo formato para a moeda americana, mas um novo sistema operacional para a economia global.
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Fonte: Valor Invest