Donald Trump voltará à Presidência em uma economia mundial bastante alterada em relação a oito anos atrás – e muito mais dependente dos Estados Unidos.
Isso significa que os planos do presidente eleito, entre eles a adoção generalizada de tarifas para importações, podem ter um impacto ainda maior sobre outros países do que tiveram na primeira rodada da política econômica “EUA em 1º”. Também dão a Trump muito mais poder nas negociações comerciais.
O forte crescimento desde a pandemia de covid-19 ampliou o peso dos EUA na economia mundial. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que a parte da produção que cabe aos EUA entre os países ricos do G7 é maior do que em qualquer outro momento desde pelo menos os anos 1980.
O crescimento na China, segunda maior economia do mundo, desacelerou. A Alemanha, maior economia europeia, está em contração. Muitas economias mais pobres estão em colapso sob o peso de excesso de dívida.
Os ganhos dos EUA na produção mundial são, em parte, um reflexo do dólar forte, que eleva o valor da produção americana em relação ao da produção das economias estrangeiras. Mas também de aumentos substanciais na produtividade dos EUA em comparação com o resto do mundo.
As mudanças na economia mundial tornaram os EUA, e não a China, o principal destino para o investimento estrangeiro direto, o que aumentou a exposição que as empresas estrangeiras têm à economia americana e às mudanças na sua política governamental. Um mercado de ações em expansão atraiu para os EUA fluxos enormes de dólares de investimento.
“O fato de que grande parte do resto do mundo hoje enfrenta dificuldades para gerar demanda por conta própria é mais uma razão para que os países tentem chegar a algum tipo de acomodação com Trump”, disse Brad Setser, do Council on Foreign Relations.
Trump começou a impor tarifas sobre produtos importados em 2018, principalmente da China, mas também da Europa e outros aliados. Essas tarifas provocaram rupturas no comércio mundial e sobrecarregaram as grandes economias exportadoras da Ásia e da Europa sem prejudicar de maneira óbvia os EUA, menos dependentes da demanda estrangeira do que seus parceiros comerciais. Na campanha, Trump prometeu impor uma tarifa de pelo menos 60% sobre as importações da China e uma tarifa geral de 10% a 20% sobre produtos de todos os outros países.
O desempenho econômico superior dos EUA tem sido impulsionado em parte pela independência energética e por gastos governamentais massivos, segundo Neil Shearing, economista-chefe da consultoria Capital Economics em Londres. Como os EUA exportam mais energia do que importam – incluindo milhões de barris/mês de petróleo para a China -, o país se beneficia quando os preços da energia sobem, ao contrário do que acontece com importadores líquidos, como China e Europa.
A consequência é que o papel tradicional dos EUA como o centro da economia mundial se tornou ainda mais pronunciado nos anos que se passaram o primeiro mandato de Trump, a pandemia e a invasão da Ucrânia pela Rússia.
Sua influência sobre a economia da Europa é um exemplo. Os EUA são hoje o maior mercado de exportação da Europa, já que o comércio transatlântico disparou nos últimos anos e as importações europeias da China estagnaram. Os EUA também substituíram a Rússia como principal fornecedor de energia da Europa. A Europa tem grandes superávits comerciais com os EUA, mas grandes déficits comerciais com a China.
Tarifas dos EUA para todos os países abriria uma nova era no comércio mundial”
O resultado é que o acesso ao mercado dos EUA é muito mais importante para a Europa do que o acesso aos mercados europeus é para os EUA. Essa assimetria dará a Trump uma vantagem nas negociações comerciais com a Europa, de acordo com economistas.
A Alemanha exporta cerca de 7% de todo o seu valor agregado de manufatura para os EUA, mas importa apenas cerca de 0,8% do valor agregado da manufatura dos EUA, de acordo com um estudo publicado em setembro por pesquisadores do Instituto Ifo de Pesquisa Econômica, da Alemanha.
“As empresas alemãs são vulneráveis a Trump”, afirmou Marcel Fratzscher, presidente do instituto de pesquisa econômica DIW Berlin, que tem sede em Berlim.
Algumas partes da Ásia se beneficiaram com as mudanças nas cadeias de fornecimento provocadas pela guerra comercial de Trump contra a China. Muitos fabricantes, até mesmo chineses, transferiram suas fábricas para países como Vietnã e Camboja. Nos últimos seis meses, as exportações do Sudeste Asiático para os EUA ultrapassaram as da China. Mas isso também os deixa mais expostos a tarifas generalizadas, uma política que os assessores de Trump dizem que será necessária para obrigar a manufatura a voltar para os EUA.
É claro que as políticas de Trump podem criar forças contrárias. As tarifas reduziriam as importações e poderiam afetar a produtividade, mas os cortes de impostos elevariam os gastos das famílias e das empresas, incluindo, inevitavelmente, os feitos com importações. Outros países poderiam retaliar taxando produtos dos EUA.
Ao mesmo tempo, um mercado de trabalho aquecido nos EUA elevou os salários, o que é bom para esses trabalhadores. Mas isso poderia pressionar os empregadores a aumentar preços, o que os tornaria mais vulneráveis à concorrência estrangeira.
Muitos economistas estão se preparando para um tipo de guerra comercial diferente da de Trump 1.0, quando o comércio caiu entre os EUA e a China, mas foi redirecionado para outros países. “Enquanto o protecionismo se referir a apenas um país, a China, o mundo pode viver com isso”, disse Joerg Kraemer, do Commerzbank. “A coisa se torna difícil ou perigosa se você implementar tarifas para todos os países. Esta seria uma nova era no comércio mundial.”
Fonte: Valor Econômico

