Por Álvaro Campos e Victor Rezende — De São Paulo
02/05/2023 05h03 Atualizado há 5 horas
Além da questão fiscal, que é claramente uma das principais fragilidades do Brasil atualmente, outro fator essencial para o rating soberano no curto e médio prazo será o crescimento econômico, de acordo com a S&P Global Ratings. A agência de classificação tem uma projeção de expansão de 0,8% do PIB brasileiro neste ano e de 1,7% em 2024, níveis considerados baixos para países emergentes e que, ao mesmo tempo, dificultam a recuperação das contas públicas.
Em entrevista ao Valor, o diretor sênior e gerente analítico de ratings soberanos para América Latina da S&P, Sebastian Briozzo, comenta, por exemplo, a situação da Índia, em cenário fiscal bem mais frágil que o do Brasil. O país tem dívida líquida de 75% do PIB, enquanto a brasileira é de 60%, mas a economia indiana cresce a 7%. “A expansão desse denominador ajuda muito.”
Precisamos ver comprometimento com estabilização da dívida” — Sebastian Briozzo
A S&P reafirmou a nota do Brasil em junho de 2022, em “BB-”, com perspectiva estável. “Não precisamos ver uma mudança fiscal enorme. Precisamos ver comprometimento com uma política fiscal que permita a estabilização da dívida”, enfatiza Briozzo quando questionado sobre o que seria necessário para uma melhora na avaliação soberana do Brasil. “E mais crescimento”, complementa o diretor e analista líder da S&P para Brasil, Manuel Orozco.
Briozzo acredita que as metas incluídas no projeto do governo de novo arcabouço fiscal, de superávit primário de 0,5% do PIB em 2025 e de 1% em 2026, são factíveis. E, nesse ambiente, se o crescimento surpreender favoravelmente, o governo pode ganhar mais espaço para manejar a política fiscal. Por outro lado, se a atividade perder ainda mais força, o governo pode se ver tentado a utilizar a política fiscal para estimular a economia.
Nesse sentido, Briozzo avalia que a reforma tributária pode ajudar a melhorar o cenário. “É difícil pensar que, com uma carga tributária tão alta, que afeta a produtividade e a microeconomia, vai haver um crescimento muito maior que o atual. Pensar em uma expansão de 3%, que não é nenhuma maravilha para os emergentes, fica difícil sem mudanças micro, sem uma carga tributária mais baixa ou sem maior investimento do setor público, maior eficiência nos gastos.”
A S&P acredita que a reforma tributária será aprovada e trará ganhos marginais no médio prazo, mas Orozco aponta que sempre é preciso esperar a execução dos projetos, até porque o tempo político pode atrapalhar. Ele, inclusive, não descarta a possibilidade de a CPMI dos atos golpistas de 8 de janeiro afetar o andamento de projetos como a reforma e até mesmo o arcabouço fiscal. Ainda assim, para o analista, as autoridades têm senso de urgência sobre a questão fiscal. “A parte política tem seu tempo. É um fator que pode atrapalhar que algumas pautas avancem, mas isso já está capturado quando avaliamos o rating do Brasil.”
Em relação ao novo arcabouço fiscal, Briozzo ressalta que é preciso acompanhar de perto como será a tramitação da proposta no Congresso e sua implementação, mas diz que, de forma geral, não espera uma mudança drástica nas contas públicas brasileiras no médio prazo. “Calculamos a dívida pública em 60%, e não a vemos subindo para 80%, mas também não acreditamos que vá cair para 40%. A âncora fiscal está aí e é parte importante da nossa análise, mas não avaliamos a regra em si. Em nenhum país do mundo elas são 100% cumpridas. É importante o suporte político por trás da regra. Prestamos muito mais atenção nos detalhes, na execução das medidas, do que nas manchetes.”
O diretor diz que, em casos como o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já governou anteriormente, a S&P costuma analisar os governos anteriores para saber o que esperar da nova administração, mas também aponta que o contexto atual é muito diferente. “No governo Lula 1, com o ‘boom’ de commodities, o contexto era mais favorável para o Brasil e a América Latina em geral. Cada governo é novo, com um contexto internacional, político, local diferente”, aponta Briozzo.
Mesmo com eventuais medidas para estimular a economia, incluindo o uso de bancos públicos, o executivo afirma que a priori elas não são negativas nem positivas, mas que é preciso analisar o impacto e a eficácia. “Se fosse um governo com dívida de 30% do PIB, e essas políticas de estímulo fossem bem feitas, elas poderiam ter um resultado positivo. Mas se há dúvidas sobre como elas podem ser feitas, em relação ao que a gente viu no passado, e o espaço fiscal é muito pouco, então potencialmente o país pode ter mais a perder do que a ganhar com essas medidas.”
Em relação à política monetária, a S&P aponta que a inflação corrente tem dado sinais de desaceleração e que, dadas as expectativas, deve haver espaço para reduzir os juros ainda este ano. Ainda assim, Briozzo diz que é difícil falar em taxas muito mais baixas se, do outro lado, o governo estiver estimulando a economia via política fiscal. “O Brasil tem um setor público muito grande, de quase 40% do PIB, então tudo que ele faz tem um impacto enorme na atividade”, enfatiza.
O analista aponta, ainda, que as recentes pressões do governo sobre o Banco Central, para que haja uma redução na taxa de juros, não são o cenário ideal, mas por enquanto são consideradas ruídos normais nesse tipo de relação, ao se considerar, ainda, que a independência formal da autoridade monetária é bastante recente.
Por outro lado, o BC autônomo é considerado uma força da nota de crédito brasileira e, se essa situação mudar de alguma forma, tende a ter um impacto negativo marginal sobre o rating soberano. “Briga nos jornais faz parte, é um ruído normal”, diz. Ele não prevê grandes dificuldades para o Tesouro Nacional rolar a dívida pública e ressalta que o panorama atual de juros elevados é apenas temporário.
No cenário externo, Briozzo comenta que a situação ainda é nebulosa, com a guerra na Ucrânia e chance de recessão em alguns mercados, mas, por outro lado, há sinais positivos, com a reabertura da China após a pandemia. “Os preços das commodities poderiam estar melhores, mas não estão tão ruins”, afirma. Briozzo, inclusive, comenta que a política externa é um fator positivo do governo Lula, mas que a economia brasileira é muito fechada e, dessa forma, o contexto internacional deve ter um efeito apenas secundário no desempenho da atividade econômica.
O diretor da S&P avalia, ainda, que a pandemia foi a primeira vez em que ocorreu uma crise internacional e a América Latina conseguiu reduzir os juros. Geralmente, em contextos de turbulências globais, a região se via obrigada a elevar as taxas, para conter o efeito de desvalorização do câmbio. “Isso pode ser reflexo de uma macroeconomia mais sólida, com metas de inflação, câmbio flutuante, maior responsabilidade fiscal. Mas, ao mesmo tempo, o baixo crescimento é um problema comum à região como um todo.”
Fonte: Valor Econômico

