Jean Marcel Arakawa: “Hoje as empresas estão valendo menos, uma depreciação do preço público de várias delas que fizeram IPOs em 2020 e 2021” — Foto: Divulgação
Desde o ano passado, com o mercado acionário em tendência de baixa, o número de operações envolvendo ofertas públicas de aquisição (OPAs) está crescendo. Neste ano, apenas contabilizando as ofertas já registradas junto ao regulador do mercado de capitais, foram nove operações, volume com viés de alta. Segundo especialistas, a tendência é de que as OPAs ganhem ainda mais tração com a mudança das regras, que deixaram mais simples a execução dessas ofertas.
O pano de fundo é que muitas companhias estão sendo negociadas em bolsa com suas ações desvalorizadas, consequência direta do cenário de juros altos no país e grande volatilidade global. Com isso, é comum que empresas e investidores financeiros voltem os olhos para as companhias listadas – já que a leitura é a de que há companhias saudáveis listadas e subavaliadas.
Com as deslistagens fruto das OPAs, o efeito colateral também tem sido a redução de empresas listadas, visto que, na outra ponta, as estreias de novas companhias na bolsa brasileira não ocorre há mais de três anos. Hoje são 434 as empresas listadas na B3Cotação de B3 – eram 456 há um ano.
Dentre as OPAs que ocorreram neste ano estão a da Cielo, após a decisão de seus controladores, o Banco do Brasil e o Bradesco, de deslistarem a adquirente, encerrando sua história de 15 anos como companhia aberta. Outro exemplo foi a seguradora Alper, após a compra do controle pelo fundo de private equity (que compra participação de empresas) Walburg Pincus, que também decidiu em fechar o capital da empresa após a aquisição. O Safra, que comprou o controle do Alfa, também colocou uma OPA na rua. Procuradas, as empresas preferiram não comentar.
No rol das que podem se tornar alvo de possíveis aquisições por meio de OPAs, dizem fontes, estão o grupo de companhias que se listaram na B3Cotação de B3 no último “boom” do mercado, no biênio 2020 e 2021, que desde então registram quedas expressivas, refletindo a volatilidade e a maior aversão ao risco.
“Hoje as empresas estão valendo menos na bolsa, um movimento de depreciação do preço público de várias empresas listadas que fizeram seus IPOs em 2020 e 2021. Com isso, existe a possibilidade de alguém interessado em comprar o controle”, diz o sócio da área de mercado de capitais do escritório Mattos Filho, Jean Marcel Arakawa.
A diretora do Itaú BBA, responsável pela área de renda variável, Renata Dominguez, afirma que o tema OPA tende a ganhar mais relevância em momentos desfavoráveis para o mercado de ações e diante do aumento das operações de fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês). “Isso começou em 2023 e se acentuou em 2024”, comenta. Segundo ela, as consultas ao banco sobre o tema têm crescido.
A executiva afirma que, dentre os principais interessados em OPAs, estão os próprios controladores, diante da visão de que suas empresas estão subavaliadas na bolsa e querem, portanto, fechar o capital. Outro caso envolve terceiros interessados, sejam fundos ou investidores estratégicos. Agora, com as novas regras das OPAs, segundo a executiva, o interesse deve crescer. “As novas regras facilitam a execução e se diminuiu a burocracia do processo”, diz.
A mudança de regras das OPAs foi anunciada recentemente pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que tornou o processo mais simples e menos arriscado ao comprador. A principal mudança apontada foi a possibilidade de se fazer uma OPA combinada, ou seja, o comprador pode, em uma única oferta, unir a compra do controle e o cancelamento do registro – processo necessário para o fechamento de capital da empresa alvo. Outra mudança aprovada é que, em alguns casos – cumpridos alguns requisitos estabelecidos como liquidez mínima de negociação diária -, o laudo de avaliação poderá ser dispensado, algo que facilitará ainda mais o processo. As novas regras valerão a partir de junho do ano que vem, mas o regulador já as têm flexibilizado em alguns casos.
Assim, a leitura é a de que o caminho está mais claro para operações que envolvem fechamento de capital. Dada a incerteza anterior, os fundos, por exemplo, ficavam distantes de operações do tipo, mantendo o olhar para compras minoritárias, o chamado pipe (“private investment in public equity”). Existia no mercado casos que ajudavam a aumentar a aversão a esse tipo e operação. No passado, por exemplo, a família Bueno tentou fechar o capital da Dasa, mas, ao buscar o quórum para a OPA de deslistagem, não conseguiu adesão de dois terços dos acionistas remanescentes – e teve que ficar naquele momento com a empresa listada e sem liquidez no mercado. Com a nova regra, a OPA se torna única e o risco é mitigado.
André Moor, responsável pelo banco de investimento do Bradesco BBI, destaca que muitas empresas estão negociando abaixo do valor considerado justo e que, por isso, transações que buscam arbitragem de preços ganham ritmo. “Essa arbitragem de preço abre muito espaço para se discutir transações”, explica. O executivo diz que essa operações nem sempre dão o gatilho de uma OPA, já que muitas vezes são compras de fatias minoritárias. O momento de desvalorização, comenta, também tem impulsionado operações envolvendo companhias listadas, como fusões de empresas concorrentes.
Já Diogo Aragão, chefe da área de M&A do Bank of America no Brasil, lembra que, com essas mudanças, é de se esperar que fundos de private equity passem a olhar mais aquisições de empresas listadas, especialmente se seu objetivo é comprar o seu controle e tirar a empresa alvo da bolsa. “Houve avanços significativos [na regra], principalmente para quem não é acionista da companhia”, comenta. Na regra antiga, apenas o controlador da empresa podia fazer a OPA de deslistagem, por isso eram necessárias duas OPAs separadas.
O executivo do BofA diz, no entanto, que no Brasil há poucas operações de OPAs voluntárias, que são aquelas em que investidores chamam uma OPA para montar posição em uma determinada empresa, algo que é comum nos Estados Unidos, por exemplo. Uma das razões é que por aqui não há muitos fundos ativistas, sendo que outro entrave são os prazos de resgates desses veículos, dado que esse tipo de estratégia precisa dar ao gestor tranquilidade em relação ao investimento. Por outro lado, frisa, esse tipo de estratégia pode ser feita por compra de ações na bolsa e não via OPA. Foi assim, por exemplo, que a Cosan fez posição na Vale.
Fonte: Valor Econômico

