A turbulência que vem atingindo o mercado financeiro brasileiro, aliada ao aperto monetário que já levou a Selic a níveis próximos de 15%, puxou a demanda por papéis de alta qualidade de crédito e causou uma nova redução dos prêmios de risco das debêntures incentivadas, aquelas que são restritas ao setor de infraestrutura e dão isenção de Imposto de Renda (IR) ao emissor. Levantamento da gestora Legacy para o Valor mostra que, em dezembro de 2024, 36 emissões tinham taxa igual ou abaixo da NTN-B, título de referência do segmento, o que correspondia a 7,3% do total de papéis com preço formado pela Anbima (cálculo que considera ofertas de compra e venda e exclui eventuais distorções). Em 10 de abril, esse número estava em 115, o que corresponde a uma fatia de 22%.
Também ajudou na recuperação das incentivadas a confirmação, em março, na apresentação do projeto de reforma do IR que isenta trabalhadores que ganham até R$ 5 mil por mês, de que esses títulos continuarão com o incentivo fiscal. De acordo com relatório da área de pesquisa do banco ABC BrasilCotação de ABC Brasil, a captação dos fundos da categoria pegou tração em março, com saldo positivo de R$ 4,5 bilhões, depois de abrir o ano praticamente no zero a zero e, em fevereiro, receber aportes R$ 2,4 bilhões acima dos resgates. Além disso, os fundos de infraestrutura listados na B3Cotação de B3, que haviam chegado em dezembro a um deságio médio de 14% frente ao valor patrimonial, se recuperaram e agora marcam desconto bem menor, de 6,5%.
“Foi como se tivessem tirado uma nuvem da frente”, diz Leonardo Ono, gestor de crédito privado local e offshore da Legacy, que acredita em crescimento ainda maior das emissões de incentivadas a partir deste mês. Com isso, caiu por terra a expectativa de que houvesse uma acomodação nas ofertas, diante do boom no ano passado, em que várias companhias anteciparam suas captações, e da alta do título de referência, a NTN-B, em torno de IPCA mais 7,9%. Entre janeiro e março, o segmento já soma R$ 46,4 bilhões em operações, o que corresponde a 45% do total captado por debêntures no país no período. Nos títulos ofertados ao varejo, as taxas chegam a estar 100 pontos-base (ou 1 ponto percentual) abaixo da NTN-B.
Março foi o mês que registrou maior distribuição a mercado, segundo levantamento feito pelo ABC Brasil para o Valor: 62%, maior patamar desde outubro de 2024. Em janeiro, essa fatia havia ficado em 22% e, em fevereiro, 29%. O pico havia sido em setembro de 2024, com 85%. Roberto Dumke, chefe da área de pesquisa do banco, explica que isso significa que a demanda no mês passado de fundos e varejo foi maior, o que levou os bancos a ficarem com menos papéis em carteira.
Mesmo com tantas emissões, a demanda ainda supera a oferta. Por isso, muitos fundos de infraestrutura fecharam para captação ainda no ano passado, o que vem segurando um desequilíbrio maior. Na SantanderCotação de Santander Asset, Michelle Lauande, gestora de fundos de infraestrutura, explica que a gestora mapeou os spreads negativos muito cedo e, por isso, começou o ano com todos os produtos fechados. Depois, abriu para aportes dois veículos que eram mais recentes e têm tempo maior de enquadramento, “para entender como o mercado caminha.”
A regra de enquadramento prevê que, em até dois anos após receberem investimentos, esses fundos concentrados precisam manter 67% do patrimônio líquido médio em debêntures incentivadas – o restante pode estar em títulos públicos, por exemplo, debêntures corporativas ou outro instrumento financeiro. Depois, o percentual passa a 85%. A ideia, comenta Lauande, é manter as aplicações fechadas ao menos por enquanto. A Santander Asset tem oito fundos de infraestrutura. Considerando os exclusivos, o total do banco chega a R$ 8 bilhões no segmento.
[Manter a isenção fiscal das incentivadas] Foi como se tivessem tirado uma nuvem da frente”
“O grande trabalho nesse ano é fazer reciclagem de ativos fora da zona de conforto. Tentar estratégias que se mantenham vivas e usar os papéis mais estáveis como âncora”, diz ela. Os fundos mais maduros são compostos por 135 ativos, com algo entre 10% e 15% com spread igual ou abaixo da NTN-B, e o resto, acima do título de referência. “Importante este ano será entregar resultado bom e estável. Estamos conseguindo nos manter perto do nosso objetivo. A tendência do ano é a adaptabilidade.”
Na Sparta, gestora independente com R$ 6,5 bilhões em debêntures incentivadas, o cenário é semelhante. A grande maioria dos fundos está fechada para captação. Neste mês, a asset reabriu o Sparta Debêntures Incentivadas Inflação, após cerca de um ano sem permitir novos aportes, e voltará a fechar quando a captação atingir R$ 500 milhões. Caio Palma, analista de infraestrutura, comenta que, caso haja chance de crescer no segmento neste ano, o radar da Sparta está apontando para os fundos listados em bolsa, que, por serem fechados (sem possibilidade de saque do valor, apenas a negociação da cota no pregão), dão mais tranquilidade e liberdade à gestão.
A Sparta tem hoje o CDI11 e o JURO11 na B3, que chegaram a estar com desvalorização de 5% quando ainda havia a ameaça da tributação, mas se recuperaram e reduziram o deságio em relação ao valor patrimonial (1,2% e 4,9%, respectivamente). Nos fundos abertos, ressalta ele, além do interesse de novos investidores, o setor vem sendo pressionado pela demanda obrigatória dos fundos que foram criados no boom do ano passado e ainda estão no período de enquadramento aos limites da legislação.
A gestora monitora os momentos mais agudos dessa demanda reprimida e a média estará entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões por mês até maio, último mês de pico. Depois, a tendência é o patrimônio de referência desses veículos se estabilizar. Os da Sparta, continua ele, já estão enquadrados. “Como não temos pressão, aproveitamos as oportunidades para troca e melhora de ativos da carteira.”
Diante dessa necessidade de aquisição de títulos, o mercado secundário, que até cinco anos atrás chegava a negociar apenas R$ 50 milhões por dia, vem ganhando relevância. Conforme o relatório do ABC Brasil, em março os papéis incentivados negociaram cerca de R$ 27 bilhões no secundário, enquanto no mesmo mês de 2024 o volume foi de R$ 12 bilhões. “O secundário ganhou importância na nossa operação, sem dúvida. Com a pouca oferta no mercado primário, podemos trazer de volta à carteira nomes não tão recorrentes na hora de reciclar ativos”, diz Lauande, da Santander Asset.
Fonte: Valor Econômico

