Por Adriana Mattos e Ana Beatriz Bartolo — De São Paulo
20/12/2023 05h01 Atualizado há 6 horas
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Nove meses após apresentar o seu plano de recuperação judicial, e depois de intensas negociações com bancos com votos decisivos no caso, a Americanas teve o seu plano aprovado ontem por um número expressivo de credores sem garantia. Houve apoio de 97,19% em termos de valor da dívida e de 91,14% dos presentes na assembleia geral de credores da rede.
Foram 103 votos pela abstenção, incluindo credores que teriam votado nulo e outros que não enviaram o seu voto digital, de um total de 5,4 mil credores sem garantia da empresa. O quórum inicial atingiu 97,36% entre bancos e fornecedores.
O mercado já projetava que o plano teria apoio majoritário, após a rede divulgar, nos últimos dias, comunicados que relatavam aumento no percentual de apoiadores entre bancos credores, donos da maior parte dos créditos sem garantia (quirografários).
Não participaram da votação os credores de débitos trabalhistas e as pequenas e micro empresas porque esses valores não se sujeitam às condições do plano. No total, a dívida envolvida no plano alcança R$ 42,5 bilhões (sem incluir débitos entre empresas do grupo).
O complexo plano aprovado determina condições de pagamento aos credores quirografários e uma série de ações após a homologação, e, com isso avançando nos próximos meses, o foco do mercado passará a ser a capacidade de recuperação do negócio, e de execução da diretoria. Isso, num ambiente de competição muito mais complexo do que aquele que a Americanas enfrentava antes.
O percentual de apoio dos bancos estava em 35% no fim de novembro, e foi a 57% nesta semana, informou a rede em fato relevante. “A Americanas foi reforçando a percepção no mercado de um ambiente de apoio crescente ao plano, e mesmo o credor contrário acaba entrando, para não ficar isolado numa condição muito ruim”, disse uma advogada especialista em recuperação judicial.
Foi um caso raro de votação favorável a um plano já em primeira convocação pela complexidade do caso, e também porque, historicamente, processos de recuperação de peso, como esse, exigem ajustes e dezenas de reuniões com credores, segundo fontes ouvidas. Há casos, inclusive, em que a questão chega a ser votada só numa prorrogação da segunda convocação.
“O fato de ter créditos muito concentrados em poucos bancos acelerou o acordo”, afirma um procurador de uma empresa credora.
Pelo plano aprovado, haverá um aumento de capital de R$ 12 bilhões pelo trio de acionistas de referência, formado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Dentro desses recursos, os sócios vão adiantar R$ 3,5 bilhões à rede até 15 dias após a homologação do plano, por meio de linhas de financiamento (modalidade debtor-in-possession, ou “DIP”).
Bancos credores apoiadores se comprometeram com R$ 12 bilhões por meio da conversão de suas dívidas em novas ações da empresa, também após a homologação.
Os papéis serão emitidos pelo valor de 1,33 vezes o preço médio, ponderado pelo volume de negociação, nos últimos 60 dias – pelas condições atuais, o valor de conversão é de R$ 1,30. A ação fechou ontem a R$ 0,90. Ainda serão oferecidos bônus de subscrição a cada três ações emitidas.
A diretoria fez projeções ontem da posição dos acionistas da empresa após a capitalização. O trio de referência passaria de uma participação atual de 30,1% para 49,3%, caso outros sócios não exerçam direito de preferência no aumento de capital. Já os credores terão 48,2%. Para um exercício de 10% do direito de preferência, o trio teria 46%, e os credores, 45%.
Em termos de pagamentos dos débitos, credores quirografários com dívidas até R$ 12 mil recebem integralmente, em parcela única, em até 30 dias da homologação. E há a reserva de R$ 8,7 bilhões da capitalização para pagamento de credores. Deste total, R$ 2 bilhões serão por meio de leilão reverso (sai vitorioso quem efetuar o lance com o menor preço), com desconto mínimo de 70%, e R$ 6,7 bilhões para pagamento antecipado, também com desconto de 70%.
Aqueles que não aceitarem nenhuma das condições do plano, sofrem desconto de 80%, para pagamento em 20 anos.
Cerca de duas horas após o início da assembleia, a reunião correu o risco de ser suspensa, após a pressão de grupo de credores fornecedores incomodados com o fato de a rede ter efeito mudanças no teor dias antes da assembleia e apresentar uma nova versão ontem.
Advogados de credores ouvidos ontem afirmaram que receberam, à 1h47 da terça-feira, uma versão atualizada do plano com anexos que faltavam serem incluídos.
Na visão da empresa, esses pontos alterados eram “imateriais”, disse a diretora financeira Camille Faria, e alguns eram benéficos aos próprios fornecedores, principais críticos às mudanças ontem.
Após a executiva ter feito a apresentação do plano com destaque às alterações, Bruno Rezende, sócio da Preserva-Ação, afirmou que existiam pedidos no chat virtual de suspensão para uma segunda convocação em 21 de janeiro. Essa data já estava determinada, caso a convocação fosse suspensa.
Abriu-se então para votação sobre a suspensão, e apenas 10,85% foram favoráveis a essa medida.
Também houve críticas ao administrador judicial, e a postura de acelerar o debate porque parte das perguntas colocadas pelos credores já teriam sido respondidas. Rezende chegou a pedir que os credores focassem em “perguntas inéditas” e que a reunião não deveria ser voltada para “consultas singulares”. Ainda afirmou que a repetição era “casuística”.
“Se não há a leitura pelo menos dos tópicos levantados, como saber se a questão foi realmente abordada? Por que acelerar tanto?”, disse ao Valor um procurador de uma fornecedora da empresa. Por volta das 18h, eram mais de 250 perguntas na fila, a maioria de fornecedores. Procurada, a administradora não se manifestou até o fechamento desta edição.
Fonte: Valor Econômico