Por Larissa Garcia, Álvaro Campos e Alex Ribeiro — De Brasília e São Paulo
29/09/2022 05h03 Atualizado há 4 horas
Apesar da escalada da taxa básica de juros, que terminou o ciclo de alta a 13,75% ao ano, o mercado de crédito continua aquecido. A carteira total dos bancos cresceu 1,6% em agosto e superou R$ 5 trilhões, conforme divulgado pelo Banco Central ontem, e, em 12 meses, o estoque cresceu 16,8%. Embora a inadimplência média tenha ficado estável em 2,8% no mês, para pessoas físicas no crédito livre, aquele que não tem taxas subsidiadas pelo governo, manteve trajetória de crescimento e alcançou 5,60%, maior percentual desde maio de 2020, quando atingiu seu pico em meio à pandemia.
O endividamento das famílias, por sua vez, bateu novo recorde e alcançou 53,1% em julho, elevação de 0,3 ponto percentual no mês e de 5,1 pontos em 12 meses. O percentual é calculado pelo BC desde janeiro de 2005 e considera o estoque dos financiamentos das famílias com relação à renda em 12 meses. Já o comprometimento de renda, que mede quanto do ganho mensal é gasto com parcelas de empréstimos, alcançou 28,6%, com alta de 0,5% no mês e 3,8% em 12 meses. Como o número considera dados preliminares, há defasagem de um mês em sua divulgação, por isso, o último dado disponível é o de julho.
Para analistas, apesar de o crédito seguir forte mesmo com a elevação da Selic ao longo dos últimos meses, a qualidade dos ativos é o grande ponto de atenção. O Citi aponta que a inadimplência nos bancos privados subiu mais (0,2 ponto porcentual entre junho e agosto), “indicando que ainda não há um alívio” na qualidade dos ativos. “No geral, embora vejamos o aumento dos spreads potencialmente compensando a inadimplência mais alta, acreditamos que os investidores estão mais focados na inadimplência, e os dados de agosto não trazem alívio.”
O J.P. Morgan aponta que, como proporção do PIB, o crédito chegou ao nível recorde de 54,3%. “A parte mais preocupante dos dados de crédito continua sendo a inadimplência e o nível de endividamento. A inadimplência média permaneceu praticamente estável entre julho e agosto, mas vem crescendo no crédito livre. Em particular, a inadimplência para pessoa física continua aumentando, atingindo níveis vistos pela última vez no meio do choque da covid-19 e da recessão de 2015-16”. Agosto marcou a sétima alta mensal consecutiva da inadimplência em crédito livre para pessoa física.
“A inadimplência das famílias manteve sua tendência e atingiu 5,6%, quase 1,6 ponto de alta desde junho do ano passado, e assim igualou maio de 2020, pior índice registrado na pandemia – antes da qual rondava 5%. Em relação a junho, última informação disponível, o acréscimo foi de 0,38 ponto. Com este novo aumento, o indicador superou também sua média histórica, de 5,55%”, diz a consultoria MCM. Na avaliação dos economistas da Boa Vista, agora o ritmo de alta da inadimplência tende a ser mais tímido até o fim do ano. “De um lado, a melhora nos números do mercado de trabalho, com redução do desemprego e aumento recente da renda real, ameniza a situação, mas os juros estão maiores e vemos um crescimento forte em linhas de crédito muito mais caras.”
Para eles, isso pressiona o orçamento das famílias, adia uma melhora significativa no comprometimento da renda e, assim, a inadimplência não encontra espaço para recuar de forma consistente. “A taxa de inadimplência já superou o pico observado em maio de 2020, de 5,60%, mas ainda está abaixo daquilo que se previu na época, quando, sem considerar o efeito das postergações e dos auxílios do governo, se falava que a taxa poderia ficar próxima de 6,5%”, diz o economista da Boa Vista, Flávio Calife.
Nos balanços do segundo trimestres, os grandes bancos haviam dito que a expectativa era que a inadimplência ainda subisse levemente no terceiro trimestre, mas começasse a dar sinais de estabilização perto do fim do ano. Para Milton Maluhy, CEO do Itaú, os calotes das famílias devem se estabilizar no último trimestre deste ano ou no primeiro de 2023. O executivo ressaltou que a inadimplência caiu muito na pandemia e, por isso, o aumento que houve entre março e junho “não é relevante” diante da expansão da carteira e da margem financeira do banco. No Banco do Brasil, o vice-presidente financeiro, José Forni, disse na ocasião que a inadimplência ainda não deve alcançar neste ano índices anteriores à pandemia. Porém, reconheceu que a taxa de pessoas físicas cresceu em patamar importante. “Em linhas onde vimos a inadimplência aumentar acima do esperado, já temos muita ação no risco de crédito, visando controle da carteira.”
Sobre o desempenho do crédito, o chefe do departamento de estatísticas do BC, Fernando Rocha, afirmou que o crédito livre para pessoas físicas se manteve mais dinâmico que o direcionado em agosto. “Em 12 meses, a taxa de crescimento do saldo total ficou estável, com crédito às empresas estável e desacelerando para famílias. Ao longo do ano, os picos da taxa de crescimento já aconteceram”, ressaltou. “Não significa que o crédito está desacelerando, mas provavelmente está estável próximo dos picos. Vamos olhar as próximas divulgações para ver como se comporta essa evolução.”
Rocha destacou ainda que o crédito direcionado para as empresas cresceu mais que o livre em virtude do retorno do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). “Isso não é habitual, o normal é que o PJ [pessoa jurídica] livre seja mais dinâmico”, pontuou.
No mês, houve queda de 0,7 ponto percentual na média de juros cobrada pelos bancos, para 28,7%, puxada por linhas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Segundo o técnico do BC, houve impacto significativo da redução da Taxa de Longo Prazo (TLP) em agosto, que é atrelada à inflação. No período, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) apontou deflação de 0,36%. Dessa forma, a taxa média do BNDES caiu 6,3 pontos percentuais em agosto, para 9,1%.
Rocha explicou que dois fatores podem impactar os juros das operações: a redução de fato e o chamado “efeito composição”, que é quando o saldo de uma linha mais barata cresce, por exemplo, e reduz a média. “A gente pode dizer que nesse caso [BNDES] a redução da taxa prevaleceu, em outras modalidades tivemos parte de efeito composição, como com aumento do cartão de crédito à vista, que não tem juro, então contribui para baixo. Uma operação que tem juros mais baixos, como o caso do crédito rural para pessoa física, também cresceu bastante pelo efeito sazonal. Mas o crédito rotativo [linha mais cara] também cresceu e puxou para cima”, detalhou.
Fonte: Valor Econômico

