Por Alex Ribeiro e Larissa Garcia, Valor — São Paulo e Brasília
27/02/2023 11h47 Atualizado há 13 horas
A crise da Americanas teve efeito incipiente no crédito em janeiro e será preciso esperar mais algum tempo para compreender todas as repercussões da recuperação judicial da empresa nos bancos e no mercado de capitais, mostram as estatísticas divulgadas nesta segunda-feira (27) pelo Banco Central (BC). Os dados, no entanto, deixam evidente uma desaceleração do crédito no país num cenário de juros altos.
O crescimento do estoque desacelerou, enquanto as taxas de juros subiram e a inadimplência de empresas e famílias está no maior patamar desde meados de 2020. O saldo total de crédito do sistema financeiro caiu 0,3% em janeiro, para R$ 5,317 trilhões. No mercado de capitais, houve recuo de 2,1% no total de títulos securitizados, para R$ 505 bilhões.
O estoque das linhas de desconto de duplicatas, que seriam mais influenciadas pelas operações risco do sacado — pivô das supostas fraudes na Americanas — teve forte queda em janeiro. O saldo da modalidade caiu 15,7% em relação a dezembro, para R$ 177,656 bilhões; a antecipação de faturas de cartão recuou 10,2%, fechando o mês em R$ 44,124 bilhões. Mas o diagnóstico do BC é que essa queda se deve a fatores sazonais — sempre há uma retração no primeiro mês de cada trimestre.
Os bancos se prepararam para uma piora do risco. Em parte antecipando as perdas com a Americanas, em parte porque a inadimplência está em alta, as instituições financeiras de capital privado aumentaram os níveis de provisão de suas carteiras de 6,8% para 7,2% do volume total, segundo dados do BC. Os bancos fizeram nos balanços do quarto trimestre boa parte das reservas necessárias a cobrir o impacto da crise da varejista.
Segundo o chefe do departamento de estatísticas da autoridade monetária, Fernando Rocha, o efeito da crise da Americanas nos números de janeiro é “incipiente”, já que veio à tona no dia 11 daquele mês. O técnico atribuiu a queda no saldo e nas concessões, de 2,4% e 27,1% respectivamente, para pessoas jurídicas a fatores sazonais. Na série dessazonalizada, o fluxo de contratações cresceu 5,5% no mês, com elevações de 1,2% para as companhias e de 7,3% para as famílias. Rocha observou, porém, que a queda no crédito a pessoa jurídica (PJ) foi “um pouco maior” que nos anos anteriores.
“É possível ter impacto do caso Americanas? Sim é possível, mas é muito recente. Para essas estatísticas [de janeiro] o resultado ainda é muito incipiente”, disse. “O que a gente viu nos dados de janeiro é que a redução PJ tem um forte caráter sazonal fundamentalmente. A redução foi ligeiramente maior [que nos outros períodos], não necessariamente significa que foi efeito Americanas.”
Para o professor de finanças da FGV, Rafael Schiozer, os efeitos da crise da varejista podem começar a ser mais evidente a partir de fevereiro. “Acho que se houver algum efeito, ainda foi pequeno em janeiro. Talvez em fevereiro a gente tenha um efeito um pouco maior. Mas não acho que o caso vá representar um problema para o crescimento do crédito no ano. Já tínhamos uma desaceleração no radar e acho que os fatores macro é que são os mais importantes, como andamento da reforma tributária e o novo arcabouço fiscal, que vão ser mais determinantes no apetite a risco dos bancos”, disse.
Nas últimas semanas, governo e bancos têm monitorado os riscos de uma possível crise de crédito a empresas — que não foi motivada pela Americanas, mas teria sido agravada pelo caso. Conforme o Valor já noticiou, há medidas em discussão para ser adotadas caso a situação piore, como a reabertura de uma linha de liquidez para os bancos.
Na avaliação de Rocha, as linhas com comportamento sazonal devem ter crescimento em fevereiro. Porém, ele reconheceu que há uma tendência de desaceleração no ritmo de crescimento dos empréstimos pela conjuntura econômica atual. Além dos descontos de duplicatas e antecipação de recebíveis de cartões, janeiro também teve uma retração, considerada “pontual” pelo BC, no crédito atrelado ao comércio exterior.
“Em todos esses casos, nossa análise não vê tendência de redução, mas uma queda pontual”, defendeu. O técnico do BC frisou que a tendência é que os fluxos de comércio exterior continuem crescendo, assim como suas modalidades de financiamento.
A inadimplência entre empresas aumentou de 1,7% para 1,9% no mês, em relação a dezembro, e chegou ao maior patamar desde julho de 2020. Entre pessoas físicas, passou de 3,9% para 4%, maior nível desde maio de 2020, início da pandemia de covid-19. A taxa média de juros cobrada nas operações subiu de 30,1% para 31,2% ao ano.
“Inadimplência em alta sempre liga uma luz amarela, mas não acho que isso traga nenhuma instabilidade ao sistema financeiro. Pode machucar um pouco a lucratividade dos bancos, mas acho que nada além disso”, destacou Schiozer. O pesquisador enfatizou, ainda, que os bancos já estão migrando para modalidades mais seguras para pessoas físicas. “Mais um motivo para achar que a inadimplência não vai disparar na pessoa física.”
Eduardo Velho, economista-chefe da JF Trust Investimentos, disse acreditar que a inadimplência ainda não chegou ao pico e deve manter trajetória de alta nos próximos meses. Para ele, os efeitos da desaceleração econômica e do aperto monetário vão ficar mais evidentes até o fim deste trimestre. “Nas instituições privadas isso certamente vai se traduzir em redução da oferta de crédito, mas ainda não está claro como os bancos públicos vão se comportar, se haverá alguma política do governo nesse sentido.”
Em relatório, o banco Goldman Sachs afirmou que as condições de crédito devem se tornar “mais exigentes” nos próximos meses, diante do alto nível de endividamento do consumidor, juros elevados, desaceleração da atividade e dos episódios recentes em grandes varejistas. Segundo a instituição, esses efeitos são “parcialmente mitigados” por um cenário de mercado de trabalho firme e o estímulos fiscais concedidos no segundo semestre do ano passado. Para o banco, porém, a qualidade do crédito “continua a se deteriorar”.
Fonte: Valor Econômico
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