Após alguns anos em que o crédito privado exibiu uma relação praticamente imbatível entre retornos e volatilidade, outras classes de ativos, como a bolsa, já exibem retornos superiores em 2025 e podem contribuir para um rebalanceamento ordenado das carteiras no futuro próximo.
Assim, na visão do diretor de trading da tesouraria do Bradesco, Philipe Biolchini, uma recomposição nos prêmios de risco (spreads) de crédito deve ganhar corpo e, juntamente com a queda da taxa Selic, abrir espaço para a valorização de outros ativos que acabaram ficando para trás recentemente, como as NTN-Bs, títulos indexados ao IPCA.
Valor: Esperam a continuidade na queda das taxas de mercado?
Philipe Biolchini: Chegamos até aqui através de um processo de combate inflacionário feito de forma muito intensa. As taxas estão muito elevadas. A política monetária é bastante apertada e nós reconhecemos de forma clara o efeito dela se manifestando. O que vemos hoje, com os dados de inflação, ou até a própria ata do Banco Central, são essas percepções de que, de fato, a política monetária está fazendo o seu efeito.
Valor: Levou algum tempo, não?
Biolchini: É possível dizer que com esse nível de juros, se fôssemos comentar de forma teórica no passado, seria esperado um efeito maior, com uma situação de atividade econômica muito mais enfraquecida. A economia está muito resiliente ainda. Os setores ligados à renda, seguem bastante dinâmicos, bem como a taxa de desemprego. É interessante ver que o efeito da política monetária se faz presente na direção de reduzir a inflação, que é a grande preocupação do BC.
Valor: O mercado já embute cortes nos preços…
Biolchini: O mercado já projeta um ciclo de queda, dado que, olhando no passado, depois desses ciclos de altas fortes, com a atividade caindo, tivemos quedas importantes. O mercado já antecipa uma queda significativa de mais de 2,5 pontos percentuais, caminhando para perto de 3 pontos. Concordamos que esse é um caminho bastante viável. Existem ainda algumas variáveis que precisam se manifestar, como os dados de inflação e de atividade econômica. Tudo indica que é viável, até porque, a cada dia que passa, o remédio da política monetária faz mais efeito. A nossa projeção é de início do ciclo em janeiro, um corte de 0,25 ponto. Mas os dados daqui até lá vão ajudar a fazer esse ajuste.
Valor: Isso está se refletindo em alguma posição?
Biolchini: Projetamos juros mais baixos, e nosso departamento econômico também projeta atividade e inflação em linha com um cenário que permita cortes significativos na taxa de juros. Operamos de acordo com isso.
Valor: O juro alto está afetando a qualidade de crédito das empresas? Há sinais de alerta?
Biolchini: Nos últimos anos, houve um desenvolvimento muito expressivo do mercado de crédito e de capitais. A indústria de asset management cresceu fortemente nessa área, e não apenas no crédito tradicional ‘AAA’, mas também em operações estruturadas e de prazos mais longos. Essa expansão aumentou bastante a oferta de crédito. Evidentemente, a conta de juros é muito elevada, mas, de uma maneira geral, não percebemos nenhum grande estresse vindo das empresas. Elas conseguiram se financiar bem, aproveitando o fluxo que veio para o mercado e travando taxas e prazos mais favoráveis do que no passado. Claro que sempre há setores mais ou menos afetados, mas, de uma maneira geral, as empresas mantêm boa saúde financeira e prazos alongados, resultado desse ciclo recente.
Valor: Os spreads exibiram um recuo importante neste ano…
Biolchini: A forte demanda por ativos de crédito fez os spreads caírem muito. O que estamos vendo na margem é uma recomposição desses spreads para níveis mais saudáveis. Não é um sinal de preocupação com a qualidade do crédito, mas sim uma normalização da precificação, que havia ficado excessivamente baixa e agora se ajusta mais ao risco real. Nas últimas semanas, essa recomposição ficou mais evidente, mas sem nenhum indício de problema maior. A economia segue resiliente, e o que estamos vendo no crédito é mais uma recomposição.
Valor: O nível dos spreads vai parar em um patamar menor do que o anterior às discussões das medidas tributárias?
Biolchini: Entendemos que a recomposição dos spreads é algo racional, uma reação natural de oferta e demanda. Já começamos a perceber sinais de equilíbrio entre as duas pontas. Os investidores percebem que nenhum mercado é só de ganhos. Vale lembrar que, enquanto houve esse grande movimento para crédito, a bolsa subiu 30%, e outras classes de ativos também tiveram desempenhos superiores ao crédito, o que não acontecia há algum tempo. O crédito vinha sendo um investimento quase imbatível, com boa rentabilidade e baixo risco. Mas agora há alternativas com uma relação risco-retorno atraente, mesmo com volatilidade. Essa recomposição de carteiras – saindo de crédito e migrando para outros tipos de ativos – é natural. Isso tende a levar os spreads a um patamar mais próximo das médias históricas, e não às mínimas recentes.
Valor: Esse gatilho para a rotação de carteiras poderia ocorrer com a queda dos juros e um movimento de ‘risk on’?
Biolchini: Exatamente. É uma transição organizada, não motivada por preocupação com a qualidade do crédito. As empresas estão bem, se financiando a boas taxas e prazos. Do ponto de vista de risco de crédito, os negócios estão indo bem, estamos vendo resultados e a atividade econômica segue pujante. De forma pragmática, vivemos os últimos quatro anos num ambiente em que, na relação retorno-risco, nada batia o crédito. Era o ativo preferencial: estável, previsível e rentável. Agora, há opções com maior volatilidade, mas também com retorno superior.
Valor: Isso pode mudar?
Biolchini: Os investidores começam a comparar números e percebem que o cenário mudou. Um exemplo está nas NTN-Bs, que eram um ativo preferencial e de alta qualidade, que tiveram um período muito, muito negativo e agora começaram um movimento, mas continuam com taxas elevadas. Num ambiente de queda consistente de juros, esses papéis devem render muito bem – provavelmente mais que o crédito. Por isso, a alocação daqui para frente tende a ser mais diversificada.
Valor: Há mais espaço para ganhos nos juros reais ou nominais?
Biolchini: A percepção é de que os juros nominais são preferenciais neste momento de início de corte de juros. O mercado vai ganhando confiança de que, de fato, a inflação será menor, de que o BC e a política monetária estão funcionando. Assim, há um ganho maior nos juros nominais, enquanto, na parte de inflação, o movimento é secundário. No entanto, quando analisamos períodos históricos de queda de taxa de juros, a performance das NTN-Bs no médio prazo – 12 ou 24 meses – costuma ser muito boa. Isso ocorre porque esses papéis têm um componente mais amortecido, menor volatilidade e um “seguro implícito” contra algum risco. Portanto, essa proteção inflacionária é sempre interessante no portfólio.
Valor: Há risco de uma saída de dólares do Brasil como a que ocorreu no fim de 2024?
Biolchini: Parece que o cenário está mais bem mapeado. Hoje temos um ambiente macroeconômico de maior segurança, com incertezas mais controladas. E, obviamente, a fase do ciclo em que estamos é uma fase mais apertada – não estamos mais naquele processo de aperto em que era difícil vislumbrar o fim. Agora o mercado estima que o cenário mais negativo seria o Banco Central adiar o corte de juros; não se fala mais em alta. Esse é um ponto bastante diferente do ano passado. Também acho que se consolidou a percepção de que o dólar, globalmente, segue num processo de devolver parte da força exuberante que teve.
Valor: Mas o carrego segue como um fator importante para o real
Biolchini: Não dá para negar que a taxa de juros no Brasil é um grande atrativo. Eu estava observando recentemente a variação do dólar neste ano: o real se valorizou em torno de 30% em relação ao dólar. A variação nominal foi de 17%, mas há quase 12% de juros. Faz muita diferença: de 17% para 30%. Quando esses 12% começarem a diminuir, com quedas de juros mais significativas, isso deixará de ser um fator positivo para o real. Hoje já temos cerca de 3 pontos de queda implícita na curva, o que já está precificado. Se o mercado começar a trabalhar com juros muito mais baixos, o real tende a perder parte dessa atratividade.
Valor: O fiscal ficou em segundo plano neste momento?
Biolchini: Embora o mercado esteja animado – com a bolsa subindo e o dólar caindo -, ninguém acredita que a situação fiscal esteja resolvida. Parece que o próximo presidente terá de lidar com isso para que as expectativas fiquem mais ancoradas. Isso gera essa percepção de prêmio maior. O Brasil hoje é um destaque em termos de juros. Não parece que o nível atual de juros seja necessário para manter o real nesse patamar. Há espaço para queda, o que poderia deixar a economia mais equilibrada.
Valor: A eleição já está nos preços dos ativos?
Biolchini: É um assunto de mercado já. Qualquer pesquisa que sai é um assunto de mercado. O que acontece é que ainda existem muitas indefinições, muitas especulações em relação a quem serão os candidatos, em que condições os candidatos vão chegar lá e tudo mais. É um assunto de mercado, faz preço na margem. Existe, na distribuição de probabilidades, a percepção de que pode haver um candidato que vá lidar com os assuntos fiscais de uma forma talvez mais direta – e isso mantém um certo equilíbrio. Essa percepção de um candidato mais fiscalista: se ela aumenta, acho que o mercado vai reagir, mas não se sabe quem é, se a política vai permitir a ele ser fiscalista, se a pauta será essa.
Fonte: Valor Econômico

