Por Anaïs Fernandes — De São Paulo
31/10/2022 05h01 · Atualizado há 6 horas
A piora nos termos de troca (relação entre preços de exportação e de importação) e o arrefecimento da demanda nos principais mercados globais impactam negativamente a balança comercial do país e sua conta corrente, que mostra as transações de bens, serviços e rendas do Brasil com o exterior. A situação das contas externas brasileiras deve continuar benigna, mas em um quadro de menos folga que o estimado anteriormente.
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A partir de dados do Banco Central, o Bank of America (BofA) mostra que a corrente de comércio do Brasil, medida pelo seu peso sobre o PIB do país, renovou recorde em setembro deste ano, chegando a 37,41%, ante 31,84% em igual período de 2021 e 22,92% em setembro de 2019, antes da pandemia.
O Brasil tem sido historicamente um exportador de commodities, com crescente abertura comercial desde sua redemocratização, no fim dos anos 1980, nota o BofA. Ao mesmo tempo, com o crescimento do país, as importações também passaram a ter maior participação.
“O escopo de abertura da economia brasileira, no entanto, parece ter acelerado consideravelmente nos últimos quatro a cinco anos, pois o comércio internacional do país, em termos de PIB, passou de menos de 20% para quase 35% do PIB nesse período”, dizem os profissionais do banco David Beker, David Hauner e Claudio Irigoyen. “Tal desenvolvimento, apesar de geralmente positivo, resulta em uma maior exposição da economia brasileira às flutuações globais”, observam.
Dados mensais mostram que o ganho mais recente de representatividade dos fluxos comerciais sobre a atividade é explicado tanto pelo aumento dos níveis de importação quanto de exportação. Do lado das exportações, porém, a maior parte do crescimento vem dos preços mais elevados, enquanto as importações são impulsionadas tanto por quantidades quanto por valores maiores.
Os preços das commodities dispararam no início do ano – com desaceleração nos últimos meses, pondera o BofA – influenciados pelo conflito entre Rússia e Ucrânia, beneficiando as exportações.
Já os itens manufaturados, que são a maior parte das importações do Brasil, também tiveram grandes aumentos de preços, devido à persistência dos problemas gerados pela covid-19 nas cadeias globais de suprimentos.
As variações de preços, no entanto, foram assimétricas, aponta o BofA, com os valores de importação crescendo significativamente mais (30,1%) do que os de exportação (16,3%), na comparação do período de janeiro a agosto de 2022 com o mesmo período de 2021. “Como resultado, os termos de troca caíram 10,5% nesse período, prejudicando os resultados da balança comercial”, afirma a equipe do banco.
Além disso, o desempenho econômico relativo do Brasil também tem sido mais forte, dizem. O aumento do consumo doméstico eleva as importações, exacerbando o já adverso movimento de preços. “No terceiro trimestre, a quantidade importada foi o principal destaque e apresentou um crescimento importante, mesmo quando levamos em conta as surpresas positivas com o PIB”, dizem Rafael Murrer e Myriã Bast, economistas do Bradesco, em relatório.
Soma-se a isso, segundo o BofA, a deterioração do cenário global, conforme as principais economias continuam mostrando sinais de desaceleração e bancos centrais pelo mundo adotam uma postura mais agressiva em seus ciclos de elevação de juros, respondendo à inflação persistente. “Isso reduziu a demanda por exportações do Brasil de mercados-chave como a China”, afirmam os profissionais.
Todos esses efeitos combinados impulsionam mais importações do que exportações e têm levado a números da balança comercial abaixo do esperado, acarretando revisões nas projeções para a conta corrente do balanço de pagamentos. O BofA elevou sua previsão de déficit nas transações correntes deste ano de US$ 10 bilhões (0,5% do PIB) para US$ 32,5 bilhões (1,7% do PIB). O novo número reflete um saldo menor para a balança comercial, que passou de US$ 65 bilhões para US$ 55 bilhões. O Bradesco, que espera um déficit de US$ 40 bilhões (2,1% do PIB) na conta corrente de 2022, projeta saldo comercial de US$ 58 bilhões neste ano, o que seria equivalente a US$ 47 bilhões na contabilização do balanço de pagamentos.
As estatísticas de comércio exterior do Ministério da Economia usam uma metodologia diferente do Banco Central, já que o ministério só contabiliza a movimentação física de bens, enquanto o BC considera qualquer transação cuja propriedade é transferida entre residentes e não residentes.
No último Relatório de Inflação, de setembro, o Banco Central cortou pela metade sua projeção de balança comercial em 2022, de US$ 86 bilhões para US$ 42 bilhões, após elevar a previsão para importações e reduzir a de exportações. Com isso, sua estimativa para a conta corrente passou de ligeiro superávit, de US$ 4 bilhões (0,2% do PIB), para um déficit de US$ 47 bilhões (2,5% do PIB). Na pesquisa Focus, do BC com o mercado, a mediana indica um déficit menor, de US$ 32,3 bilhões.
Têm pesado também para as mudanças recentes nas projeções de conta corrente novas estimativas para a balança de serviços e para as rendas primárias. A balança de serviços brasileira – que contabiliza gastos com viagens internacionais e aluguel de equipamentos, por exemplo – é, tradicionalmente, deficitária. Na pandemia, com a interdição da mobilidade a nível global, ela atingiu os menores valores negativos desde a crise de 2008, chegando a US$ 17,1 bilhões em 2021. Agora, deve retornar a algo mais próximo do pré-pandemia – em 2019, o déficit foi de US$ 35,5 bilhões. O Bradesco projeta rombo de US$ 32,1 bilhões. O BofA ampliou sua previsão de déficit de US$ 25 bilhões para US$ 30 bilhões.
“Para a renda primária, o principal destaque é a elevada remessa de lucros e dividendos, que tem sido superior à esperada anteriormente”, dizem Murrer e Bast, prevendo déficit de US$ 58,4 bilhões. O BofA ajustou sua projeção de saldo negativo de US$ 50 bilhões para US$ 57,5 bilhões. O crescimento das remessas pode refletir, segundo economistas, a atividade mais forte no Brasil e incertezas a respeito do futuro do país.
Mesmo com as revisões baixistas para a conta corrente, as contas externas brasileiras se mantêm em patamar confortável, porque o déficit é amplamente financiado pelo investimento direito no país (IDP), cujas projeções, inclusive, têm sido revistas para cima. Os fortes fluxos levaram a estimativa de IDP do Bradesco para US$ 75,1 bilhões neste ano (4% do PIB), influenciada, principalmente, pela melhora da atividade doméstica e pelo elevado patamar dos juros. O BofA subiu sua projeção de US$ 60 bilhões para US$ 70 bilhões.
“O Brasil mantém condição confortável em relação às contas externas, ainda que o quadro seja menos folgado que o originalmente estimado. Pelas nossas projeções, seguiremos mais bem posicionados do que alguns pares emergentes”, diz o relatório do Bradesco.
Livio Ribeiro, sócio da consultoria BRCG e pesquisador associado do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre), pondera que o nível de financiamento agregado, no entanto, é baixo. “As fontes de recursos vão muito além do investimento direto. Tem fluxo de renda fixa, de portfólio, rolagem de empréstimos. O que temos visto é saída de renda fixa, diminuição grande do fluxo de portfólio e taxas de rolagem inferiores a 100% – ou seja o ritmo de contratação de novos empréstimos é inferior à amortização dos antigos”, explica Ribeiro.
Essa estrutura geral de financiamento menos abundante, segundo ele, reflete um mundo mais desafiador e ocorre simultaneamente ao processo de mais aceleração do déficit em conta corrente do que se supunha. “De maneira nenhuma temos problema de restrição externa, mas a folga que se pensava existir na conta corrente é menor, e a folga do financiamento agregado é menor ainda”, diz. Ele espera déficit de 2,5% do PIB para as transações correntes em 2022.
Fonte: Valor Econômico

