Os depósitos escrow são um importante instrumento de garantia do cumprimento integral das obrigações pactuadas em contratos empresariais. No seu âmbito, as partes contratantes delegam a um terceiro (denominado “escrow holder” ou “depositário escrow”) a guarda de bens móveis (usualmente, ativos financeiros), até que todas as condições suspensivas impostas no contrato principal sejam atendidas.
A crescente utilização de contas escrow nos mercados de capitais, fusões e aquisições e imobiliário, tem gerado debates nos tribunais sobre a penhorabilidade dos valores nelas depositados, por conta de processos de execução movidos por terceiros em face de uma das partes que integram o contrato principal, ao qual a conta é vinculada.
Como a conta escrow possui destinação e finalidade específicas, movimentação restrita e natureza fiduciária, a penhora irrestrita dos recursos financeiros nela depositados pode vir a atingir direitos de terceiros, que não têm qualquer relação com o crédito executado.
Apesar desse risco, segundo precedentes recentes do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a conta escrow pode ser alvo de penhora pelos credores da parte que figurar como titular, sob a premissa de que todo o patrimônio do devedor deve responder pelas obrigações contraídas, salvo em situações de impenhorabilidade expressamente previstas pela lei.
Como não há previsão legal de impenhorabilidade da conta escrow, ainda que referida conta tenha destino e finalidade específicos, os valores ali depositados poderiam, segundo tais precedentes, serem utilizados para saldar dívidas do devedor, titular da conta, originadas de obrigações alheias ao contrato vinculado à conta escrow.
Esse foi o entendimento manifestado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo nos julgados nº 1000652-27.2020.8.26.0219 e 1004036-85.2019.8.26.0363.
A titularidade da conta escrow, que é atribuída a uma ou a ambas as partes celebrantes do contrato principal, também influencia no entendimento sobre a possibilidade de penhorar os valores depositados. Para os Tribunais, quando o devedor da execução é o titular da conta escrow, entende-se que os valores ali depositados também lhe pertencem, até que seja concretizada a transferência para o beneficiário designado.
Isto é, a princípio, a destinação e a forma de gerenciamento dos valores após o depósito na conta escrow não desnaturaria a titularidade da conta bancária, o que permitiria o bloqueio em execuções judiciais nas quais o titular seja o devedor. Esse foi o entendimento exarado nos julgados nº 5005610-39.2020.8.13.0707 e 2268565-32.2022.8.26.0000.
As decisões judiciais também apontam que, para que o contrato principal (ao qual o contrato de depósito escrow é vinculado), seja oponível contra terceiros, é necessário que as partes promovam o registro no cartório de títulos e documentos competente.
Isto é, no geral, a jurisprudência mantém a ordem de bloqueio dos valores depositados em conta escrow com fundamento na ausência de restrição legal à penhorabilidade, bem como na ausência de alteração da titularidade até que seja efetivada a transferência, independentemente da destinação, finalidade e gerenciamento específicos da conta.
Apesar da tendência em se permitir a penhora dos valores depositados em contas escrow, com base nos fundamentos acima, existem julgados favoráveis ao afastamento da penhora.
As decisões contrárias ao bloqueio dos valores depositados em conta escrow, consideraram os seguintes aspectos: a natureza fiduciária da conta escrow; a destinação e a finalidade específicas; a equiparação dos valores depositados ao patrimônio de afetação; o registro do contrato principal nos cartórios de títulos e documentos, e a oponibilidade a terceiros; e a ausência de indícios de fraude à execução.
Em julgado recente do TJSP (nº 22984141.02.2024.8.26.0000), para afastar a determinação de penhora dos valores depositados em conta escrow, considerou-se que tais valores possuem “destinação específica e exclusiva e, por consequência, não estão na esfera de disponibilidade da executada ora agravante, o que inviabiliza a manutenção das penhoras que recaíram sobre as contas vinculadas”.
No julgado, a análise do Tribunal superou a barreira legal quanto à ausência de restrição à penhorabilidade da conta escrow, atentando-se principalmente às características e peculiaridades dessa conta. Esse enfoque, ao nosso ver correto, proporciona maior segurança jurídica ao instrumento, ao considerar a sua natureza fiduciária, bem como a finalidade e a destinação específicas dos valores depositados.
A penhora dos valores também restou afastada nos julgados nº 1072335-88.2023.8.26.0100 e 2182280-02.2023.8.26.0000.
Nota-se, portanto, que a penhorabilidade de contas escrow é um tema controverso na jurisprudência, em especial, por conta de suas características e peculiaridades. Embora a maioria dos julgados se incline para a possibilidade de penhora dos valores depositados nessas contas, com base na ausência de restrição legal à sua penhorabilidade, decisões que reconhecem a natureza fiduciária, a destinação e a finalidade específicas de tais contas e afastam a determinação de penhora têm ganhado destaque.
Considerando a posição dividida da jurisprudência, em termos práticos, a defesa pela manutenção ou desbloqueio dos valores depositados em conta escrow depende da análise detalhada dos elementos de cada caso concreto.
Carlos Alberto de Mello Iglesias, Giovanna Santana Lopes e Rafael Bortoletto Sette são advogados no Cepeda Advogados.
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Fonte: Valor Econômico
