2 Aug 2022 ADRIANA FERNANDES
O governo tenta fechar a proposta de Orçamento de 2023 com aumento geral de salários para os servidores, mas há dificuldade até para garantir uma correção linear de 5%. Uma das saídas seria focar o reajuste nas carreiras de Estado. Para manter o Auxílio Brasil em R$ 600, seriam necessários R$ 150 bilhões.
O Ministério da Economia quebra a cabeça para fechar a proposta de Orçamento de 2023 com a previsão de um reajuste dos salários de todo o funcionalismo público federal. Há pouco espaço até mesmo para garantir a correção linear de 5% para os servidores civis e militares que chegou a ser acenada, em meados do ano, pelo governo. Uma das saídas em análise pelos técnicos é priorizar a reserva de recursos para o reajuste de carreiras de Estado com salários mais defasados em relação aos da iniciativa privada em vez de um aumento geral para todas as categorias, segundo apurou o Estadão com fontes credenciadas que participam da elaboração do projeto de Orçamento.
Mesmo com a perspectiva de as contas do governo fecharem este ano no azul, o governo vai enviar o projeto de lei orçamentária de 2023 formulado com a previsão de mais um déficit. O último ano em que as contas do governo fecharam com saldo no azul foi em 2013.
Os técnicos acreditam que seria um erro conceder um reajuste para todos os servidores, embora algumas carreiras, entre elas as administrativas, estejam há quase cinco anos sem reajuste. Um ponto em discussão é que há servidores que ganham muito acima dos salários da iniciativa privada.
Há avaliação interna no ministério de que se esgotou o espaço para uma “reforma administrativa” via contenção de salários, e que seria preciso melhorar o plano de carreiras e viabilizar mudanças por meio de projeto de lei para diminuir o salário de entrada dos servidores nas carreiras típicas de Estado. Na pandemia da covid-19, uma lei congelou os salários em 2020 e 2021, mas havia categorias sem reajustes desde 2017.
O tema voltou ao radar da equipe econômica porque o governo tem até o dia 31 deste mês para enviar o projeto orçamentário ao Congresso – que valerá para o próximo governo.
NOVELA SALARIAL. Ao longo do primeiro semestre deste ano, uma novela se instalou em torno do reajuste e da promessa inicial do presidente Jair Bolsonaro de garantir recursos apenas para a reestruturação salarial das carreiras policiais do Executivo federal (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e agentes penitenciários). Depois de idas e vindas, nenhuma carreira recebeu o reajuste.
Aos policiais, Bolsonaro já chegou a prometer que aprovará as mudanças depois das eleições, para vigorar em 2023. Já na campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), discute-se a possibilidade de uma fórmula que divida em parcelas a correção da defasagem dos salários nos próximos anos. Essa é uma estratégia já adotada no passado pelos governos petistas.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 contém uma reserva de R$ 11,7 bilhões para o reajuste dos servidores.
Os sindicatos dos servidores pedem uma reposição de no mínimo 24%. Como mostrou o Estadão, cálculos do economista Bráulio Borges, da LCA consultoria, estimam que a defasagem de 2020 a 2022 é de 25%. Um reajuste de 10% custaria R$ 25 bilhões a partir de março do ano que vem.
AUXÍLIO BRASIL. O governo vai incluir no próximo dia 9, quando começa a valer o valor de R$ 600 para o piso do Auxílio Brasil, mais 2,2 milhões de famílias no programa. Em julho, o benefício foi pago a 18,13 milhões de famílias. O aumento de R$ 400 para R$ 600 vale até 31 de dezembro, mas tanto Bolsonaro quanto Lula já anteciparam que, se eleitos, vão manter o adicional de R$ 200 como permanente a partir de 2023.
O projeto de lei do Orçamento será enviado, no entanto, levando em conta o valor de R$ 400. O valor de R$ 600 cabe no teto de gasto (regra que limita o crescimento das despesas à variação da inflação), segundo técnicos, se as despesas discricionárias (não obrigatórias) caírem para um patamar entre R$ 80 bilhões e R$ 85 bilhões – hoje, elas somam R$ 154 bilhões. Um quadro de forte aperto e baixo investimento.
Esse valor está próximo da chamada “regra de bolso” do governo que mostra que, com a fatia de despesas não obrigatórias abaixo de R$ 70 bilhões, a máquina administrativa entra em paralisação, o chamado “shutdown”.
O custo adicional do Auxílio Brasil com R$ 600 está hoje entre R$ 60 bilhões e R$ 70 bilhões. O custo anual com o benefício em R$ 400 é de R$ 89 bilhões. Para manter o Auxílio Brasil em R$ 600 em 2023, o governo precisaria de uma receita de no mínimo R$ 150 bilhões. O custo final dependerá de quantas novas famílias serão incorporadas ao programa até o fim do ano. Há demanda para subir o alcance do Auxílio Brasil para 21,6 milhões de famílias, quantidade acima do que o governo pretende incluir este mês.
No envio do projeto de Orçamento, o Ministério da Economia fará uma apresentação das implicações no Orçamento para manter o Auxílio Brasil com piso de R$ 600 no ano que vem. •
Medida impedirá que parlamentares usem cerca de R$ 4 bilhões em emendas que seriam pagas mesmo em período eleitoral
A dois meses das eleições, o bloqueio de quase metade do orçamento secreto e de emendas de comissão pode azedar a relação entre o governo federal e o Congresso e respingar no apoio de parlamentares, principalmente do Centrão, à campanha pela reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
Segundo o Estadão/broadcast apurou, na prática o bloqueio impedirá os parlamentares de movimentar cerca de R$ 4 bilhões em emendas que poderiam ser empenhadas ou pagas mesmo em período eleitoral.
Na sexta-feira passada, o Ministério da Economia publicou decreto orçamentário com um novo contingenciamento de despesas no terceiro bimestre, mas, diferentemente do habitual, não detalhou o corte por ministério nem quanto foi congelado das emendas.
Técnicos disseram à reportagem que a pasta decidiu não divulgar os números justamente para não “comprar briga” com o Congresso, já que o detalhamento deixaria claro o inevitável: a tesourada do terceiro bimestre deve atingir em cheio as emendas, principalmente as de relator.
Nos bastidores, representantes da Economia dizem que o congelamento foi feito porque essas emendas não poderiam ser gastas no período eleitoral e que, após a eleição, os valores serão desbloqueados e o governo poderá honrar os “compromissos políticos” assumidos com os parlamentares.
Técnicos ligados ao Orçamento ouvidos pelo Estadão/broadcast, porém, contestam essa versão. Eles explicam que deputados e senadores já contavam com a possibilidade de empenhar novos recursos – primeira etapa do processo orçamentário, quando a verba é “carimbada” para quitar uma obra ou contrato –, o que, agora, não poderá ser feito com o contingenciamento anunciado pelo governo. Além disso, obras e licitações já em andamento poderiam ser pagas, o que não ocorrerá com o grande volume contingenciado.
De acordo com dados do Siga Brasil, sistema de informações do Senado sobre o Orçamento, do total previsto para as emendas de relator R$ 12,3 bilhões já foram indicadas pelo relator para execução, que é a primeira etapa. Desse montante, ainda falta empenhar R$ 4,1 bilhões. E, do montante já empenhado (R$ 8,2 bilhões), falta pagar R$ 1,4 bilhão.
Segundo técnicos, após o contingenciamento há disponível para empenho no universo de emendas de relator e de comissão apenas R$ 850 milhões. Ou seja, em período eleitoral os parlamentares “perderam” mais de R$ 4 bilhões que poderiam estar movimentando, seja por empenho ou mesmo por pagamentos.
MANOBRA. O risco de ver as emendas de relator bloqueadas para o cumprimento do teto de gastos, regra que atrela o crescimento das despesas à inflação, já estava no radar dos parlamentares, que tentaram blindar esses recursos no Orçamento do próximo ano. O relatório da Proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2023 foi aprovado pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso com um artigo que transformava essas despesas em obrigatórias, ou seja, não contingenciáveis.
A manobra foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), após os senadores Randolfe Rodrigues (Redeap) e Alessandro Vieira (PSDB-SE) e os deputados Felipe Rigoni (União Brasiles) e Tabata Amaral (PSBSP) terem questionado a blindagem das chamadas emendas RP-9. O relator da proposta, senador Marcos do Val (Podemos-es), acabou retirando este trecho antes da votação em plenário.
A polêmica sobre outro artigo, que obriga o governo a prever no Orçamento os recursos para o pagamento dessas emendas, chegou a adiar por um dia a sessão do Congresso para votar a LDO 2023. O texto foi aprovado com essa reserva orçamentária, mas sem a obrigatoriedade do pagamento. •
Fonte: O Estado de S. Paulo

