Por Alex Ribeiro — De São Paulo
10/10/2023 05h01 Atualizado há 5 horas
Os ataques do Hamas a Israel devem inspirar mais cautela na política monetária, em meio ao ciclo de corte de juros e a desafios para o governo implementar os seus planos fiscais. Mas será preciso observar o desenrolar do conflito para mapear os possíveis impactos na economia.
“O ambiente não é favorável para cortar mais os juros, é para fazer menos”, afirma o ex-diretor do Banco Central e sócio da Panamby Capital Reinaldo Le Grazie. “Isso já valia para antes, com a alta dos juros das Treasuries [títulos do Tesouro americano], e os acontecimentos do fim de semana só reforçam essa leitura.”
Economistas ouvidos pelo Valor dizem que o conflito representa um típico choque de oferta, que pode nos afetar pela alta de preços do petróleo e pela aversão a risco, que pressiona a cotação do dólar. As consequências prováveis são aceleração da inflação e redução do crescimento. A extensão do choque, porém, depende dos desdobramentos no Oriente Médio e no resto do mundo.
“Se ficar circunscrito à Palestina e a Israel, tem um custo humanitário alto, mas os impactos na economia global tendem a ser menores”, diz o economista Livio Ribeiro, da consultoria BRCG e do Ibre/FGV. “Se o conflito incluir outros atores, como o Irã, as repercussões serão maiores.”
O receio é que o conflito afete a exportação de petróleo de países da região. Existem suspeitas de que o Irã tenha ligações com os ataques, o que, se confirmado, poderia levar a mais rigor no cumprimento das sanções aplicadas pelos Estados Unidos. O conflito é uma ameaça à aproximação entre a Arabia Saudita e Israel, que poderia levar a um relaxamento dos cortes de produção impostos pela Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep).
“Tenho dificuldades em ver esse conflito restrito a Israel e Palestina”, diz Le Grazie. “Temos uma situação geopolítica complexa, e o resultado disso para o mundo não é bom. Significa mais inflação e menos atividade econômica.”
O canal de transmissão desse choque ao Brasil é o preço dos ativos – e, de forma um pouco surpreendente, a reação ontem do mercado não foi tão negativa. A cotação do dólar iniciou o dia pressionada, mas depois houve algum alívio. Houve um certo recuo na curva de juros futuros.
Alguns operadores do mercado atribuíram a relativa calma ao fato de que o real está se tornando, de forma crescente, uma moeda atrelada ao petróleo – ou seja, quando preço sobe, o país ganha mais nas suas crescentes exportações do produto.
Ribeiro pondera, porém, que nem sempre a moeda brasileira responde com valorização a uma alta de preços de commodities. “Se o preço do petróleo sobe sem o aumento da aversão ao risco, por ajuste de oferta e de demanda, a moeda tende a se valorizar”, diz. “Mas, se acontece num cenário de aversão a risco, esse canal sobre a moeda tipicamente é mais intenso do que o canal das commodities.”
Um operador pondera que a aversão ao risco, num primeiro momento, pode ajudar mais do que atrapalhar. Nessas situações, investidores procuram aumentar a sua exposição em títulos americanos. Será preciso ver como vão se comportar os Treasuries de 10 anos – um dos principais focos de pressão no mercado desde o começo de agosto – na reabertura do mercado após o feriado de “Columbus Day” nos EUA.
Os juros futuros no Brasil caíram, e na teoria isso não deveria ter ocorrido. Em um ambiente de aversão a risco, o efeito negativo do aumento de prêmio para aplicar no Brasil deve prevalecer sobre um eventual efeito positivo da queda dos juros das Treasuries. Mas o Brasil, afirma um operador, pode estar mais protegido porque os seus juros estão muito altos, já que nas últimas semanas o mercado retirou da curva parte da precificação de baixas da Selic.
A postura mais austera do BC brasileiro, que tem alertado para o risco de o agravamento da situação internacional limitar as baixas da Selic, pode também ter ajudado a conter os impactos negativos. Enquanto isso, os mercados estão reduzindo as chances de uma alta de 0,25 ponto percentual nos juros americanos na reunião do Federal Reserve (Fed) de novembro. A leitura geral é que os Estados Unidos não iriam apertar ainda mais a política monetária em meio a uma nova guerra.
Essas são, porém, as primeiras reações do mercado. Em termos práticos, afirma um ex-diretor do Banco Central, será preciso acompanhar a evolução da cotação dos preços do petróleo e da taxa de câmbio, de um lado, e das bolsas, do outro, para entender melhor os impactos em termos de inflação e atividade.
Num mundo puramente ideal, os BCs – inclusive o do Brasil – deveriam acomodar esse choque. Ou seja, permitir que a inflação fique temporariamente mais alta, combatendo apenas os chamados efeitos secundários, ou a contaminação de outros preços.
Porém, para agir com toda essa flexibilidade, depende da credibilidade de cada BC. O espaço não é tão restrito quanto era quando estourou a guerra da Ucrânia, no ano passado. Naquele momento, a inflação caminhava na casa dos dois dígitos. Ajuda o fato de que os BCs já subiram bastante os juros. Mas a margem de manobra não é tão grande porque a luta contra a inflação muito alta não está completa e deverá levar alguns anos.
Fonte: Valor Econômico

