O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) surpreendeu parte relevante do mercado com a decisão de mudar sua prescrição futura de política monetária, até mesmo profissionais que viam a alteração como a medida certa no atual momento.
Fernando Rocha, economista-chefe da JGP, esperava uma mudança por conta da maior nebulosidade do cenário, mas entendia que o BC não iria contrariar o consenso do mercado, que chegou a ser de manutenção, e também pesaria questões políticas. “O comunicado pode provocar protestos, mas deixa claro que o Copom optou pelo caminho mais técnico.”
Valor: Como avaliou a mudança de ‘guidance’ do Copom?
Fernando Rocha: Eu acreditava que a decisão correta seria mudar o ‘guidance’, porque o cenário ficou mais nebuloso. O Fed ia iniciar seus cortes em março, agora o consenso é junho; o dólar ia recuar ante o real e isso não ocorreu; inflação de serviços e atividade surpreenderam para cima. Além disso, boa parte do ciclo de flexibilização já está feito, então fazia sentido se desprender da comunicação válida por duas reuniões. Ajuda até a ancorar expectativas de inflação. Mas acreditava que o BC não iria modificar a comunicação, para não ir contra o consenso do mercado e também por questões políticas. O colegiado tem trabalho sob o escrutínio de agentes políticos, ainda que estejam tentando tomar decisões técnicas. O comunicado pode provocar protestos, mas deixa claro que o Copom optou pelo caminho mais técnico.
Valor: Acredita que o colegiado trouxe um tom mais duro em relação ao último comunicado?
Rocha: Não enxerguei dureza no comunicado, a linguagem expressa foi bem comedida. Citou uma piora leve na dinâmica de inflação externa, assim como dos preços subjacentes locais, e foi pontual na comunicação de mudança de guidance, o que me faz crer que não há mudança no cenário. Em uma analogia, o Copom viu uma reta no início do ciclo, o que permitiu indicar mais cortes, e agora pode estar se aproximando de uma curva, o que exige cuidados maiores. Continuo com uma Selic terminal de 9,5%, com cortes de 0,5 ponto percentual até junho e depois desacelera e faz mais um de 0,25. Mas entendo que as casas que têm taxa de 9% ao fim do ciclo deveriam manter suas projeções por ora, porque o BC parece apenas ter se soltado do guidance anterior. Tanto é verdade que não houve alteração das projeções de inflação, dando a entender que notou mudanças na dinâmica inflacionária, mas ainda sem força para provocar revisões de cenário. Está se preparando para um ambiente de mais risco, mais incerteza.
Valor: Como avalia a leitura do BC sobre a atividade local?
Rocha: As surpresas altistas nos dados de atividade podem ainda não ter provocado uma alteração de cenário, mas com certeza se tornaram um ponto de atenção para a autarquia, ainda que possa haver alguma volatilidade em números mensais. Um mês não é suficiente para alterar a conjuntura, mas com certeza acendeu um alerta.
Acreditava que o BC não iria modificar a comunicação, para não ir contra o consenso do mercado”
— Fernando Rocha
Valor: Que peso o Copom deu à decisão do Fed em sua visão?
Rocha: A decisão do Fed não deve ter tido peso relevante porque o ‘big picture’ não mudou em relação à última. Os ativos reagiram positivamente porque se temia uma comunicação mais dura, mas o BC americano escolheu ponderar os dados mais recentes e tranquilizar os agentes. O que importa para o Copom é que continua provável que o Fed comece a cortar juros em junho. Caso isso mude, o peso da decisão também muda. Se os ciclos de afrouxamento estivessem sincronizados aqui e nos EUA, provavelmente teríamos um vento de cauda, porque, quando o Fed corta juros, favorece a tomada de risco nos mercados. Mas como o BC local já fez boa parte do seu trabalho antes do Fed iniciar, não ajuda muito o ciclo doméstico, ainda que não tenha provocado interrupções nos cortes até o momento.
Valor: Os temores em relação à diminuição do diferencial de juros devem aumentar à frente?
Rocha: O Copom tinha uma gordura boa de juros, o que permitiu inclusive a utilização do guidance de duas reuniões. Agora, estamos no fim dessa parte do processo de flexibilização. O caminho à frente é mais complicado e as conversas do Fed ficarão mais importantes também para as decisões domésticas. Se o BC americano começar a cortar juros em junho, minha previsão de Selic terminal em 9,5% tem viés de baixa. Se, pensando em um cenário negativo mais extremo, o ciclo não começar em 2024 lá fora, o Copom pode ter que pausar antes mesmo de o Fed começar.
Valor: Como imagina os cenários de inflação e política monetária para 2025?
Rocha:Todos os ciclos de inflação no mundo tiveram a pandemia como causa, já que estimulou-se demanda em um momento de restrição de oferta. O que estamos vendo agora é a normalização da oferta e, depois disso, será necessário frear a demanda, e, talvez, o Brasil não esteja fazendo isso. Então, o cenário de inflação pode ficar pior em 2025 e impedir mais quedas da Selic, ou até provocar um novo movimento de altas. Mas muita coisa pode mudar até lá.
Fonte: Valor Econômico

