Alguns setores da economia têm esfriado, exatamente da maneira que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) gostaria para combater a inflação. O volume das entregas por transporte ferroviário de carga, por exemplo, diminuiu. As construtoras reduziram a compra de equipamentos. Clientes negociam para obter preços mais baixos.
Questão essencial está em saber se as empresas mantêm ou demitem seus funcionários
Contudo, a questão essencial para conseguir uma desaceleração moderada que baixe a inflação, mas não afunde a economia, está em saber se as empresas mantêm ou demitem seus funcionários. E elas têm dado prioridade a manter seus trabalhadores. A Apple, por exemplo, está evitando demissões apesar da incerteza econômica.
Os trabalhadores que mantêm seus empregos gastam os salários, ainda que de forma mais lenta. Portanto, a economia parece estar esfriando progressivamente ao mesmo tempo em que evita a recessão esperada já faz tempo.
Os novos dados econômicos reforçaram o otimismo com a possibilidade de que a inflação caia sem que os EUA sofram uma recessão. A produção econômica se acelerou nos últimos meses, como consequência dos sólidos gastos do consumidor. A inflação baixou para 3% em junho, de acordo com o indicador preferencial do Fed. E o Departamento do Trabalho informou que o crescimento dos salários, embora ainda elevado, teve uma desaceleração.
Os índices das ações dos EUA estavam em alta na sexta-feira. O Dow Jones Industrial Average e o S&P 500 subiram por três semanas consecutivas, e o índice mais amplo fechou em seu valor mais alto desde abril de 2022. “Temos visto os primeiros sinais de uma desinflação sem nenhum custo real para o mercado de trabalho. Isso é uma coisa muito boa”, disse o presidente do Fed, Jerome Powell, após o Fed elevar as taxas de juro para o maior nível em 22 anos.
Muitos economistas, financistas e empresários previam o contrário: que a inflação e as altas taxas de juro levariam as empresas a demitirem funcionários, que os recém-desempregados parariam de gastar e a economia entraria em uma espiral descendente.
A disposição de manter os funcionários, sempre que seja possível, é uma mudança em relação ao período de 2007-2009 e a 2020, quando demissões em massa eram mais corriqueiras e a economia dos EUA entrou em recessão.
Nos três anos a partir de 2020, a VendingONE de Los Angeles cortou sua força de trabalho de 37 pessoas em mais de 50%, como reação à pandemia. Conforme as vendas se recuperaram, a empresa aumentou os funcionários para 25.
Hoje, embora os negócios tenham enfraquecido e clientes mencionem o medo de uma recessão para renegociar contratos, a empresa tem mantido seus funcionários, ao treiná-los para atuar em diferentes áreas e ao usar a tecnologia para cortar custos.
Ela começou a usar um software para programar o itinerário de motoristas que fazem manutenção nas máquinas, o que permite que eles passem menos tempo em trânsito. A empresa também tem reestruturado contratos de compra e usado a tecnologia para ajustar os níveis de estoque, de forma a reduzir o desperdício.
A VendingONE não é uma exceção. Apenas 7% dos proprietários de pequenas empresas pretendem reduzir sua força de trabalho este ano, segundo pesquisa de opinião com cerca de 670 empresários realizada para o “The Wall Street Journal”. Donos de pequenas empresas relutam em demitir, em parte por causa de suas relações estreitas com os funcionários. Muitos dizem que ainda enfrentam problemas de contratação.
Empresas de todos os tamanhos têm contratado a um ritmo mais lento do que no ano passado, mas ainda assim criaram uma média de 278 mil empregos por mês até junho. As demissões continuam raras na maioria dos setores e a taxa de desemprego, próxima do seu nível mais baixo em meio século.
Erik Lundh, um dos principais economistas do think tank Conference Board, disse que é menos provável que os consumidores americanos façam grandes cortes de gastos se puderem manter seus empregos. E, como os gastos do consumidor respondem por dois terços da atividade econômica, isso poderia minimizar o golpe que as taxas de juro mais altas significam para a economia.
“Em parte, é esse aperto do mercado de trabalho que deve impedir que a economia caia em uma recessão mais aguda e duradoura”, afirmou Lundh.
De forma geral, o investimento das empresas teve um aumento forte nos últimos meses, estimulado por uma disparada nos gastos federais para fábricas de produção de chips e de veículos elétricos, assim como para compra de aeronaves caras. A expectativa de economistas é que isso seja temporário.
Mais de dois terços dos proprietários de pequenas empresas entrevistados em junho disseram ter tomado uma ou mais medidas para cortar custos nos seis meses anteriores, e quase a mesma quantidade afirmou que planeja cortes no futuro. Entre as táticas adotadas estão terceirizar novos fornecedores, segurar contratações, adiar ou reduzir despesas de capital e acabar com produtos e serviços que não dão lucro.
Essas estratégias permitem que as empresas estejam preparadas para uma desaceleração adicional sem cortar empregos e ao mesmo tempo se planejem para uma recuperação econômica.
“O raciocínio alguns anos atrás era de que demitir funcionários era doloroso e seria doloroso trazê-los de volta”, disse Ethan Karp, executivo-chefe da Magnet, organização sem fins lucrativos que presta assistência técnica a fabricantes no nordeste de Ohio. “Hoje, a sensação de muitas pessoas é de que é doloroso demiti-los e quase impossível substituí-los.”
Larry Anderson, executivo-chefe da Anderson Construction em Camarillo, Califórnia, reduziu as compras de equipamentos e suspendeu novas contratações, ao mesmo tempo em que faz investimentos para melhorar a eficiência, como a adoção de um sistema de rastreamento de ferramentas. Ele também procura maneiras de manter seus 30 funcionários mesmo que os negócios desacelerem.
A Apple tem evitado as demissões em massa que envolvem o setor de tecnologia. A fabricante do iPhone é rigorosa na gestão de custos e restringiu as contratações em certas áreas, enquanto as ampliou em outras, segundo seu executivo-chefe, Tim Cook. “Vejo as demissões como um tipo de último recurso”, disse Cook.
As ferrovias de transporte de carga mantiveram seus funcionários este ano, apesar da queda nos volumes de remessas, uma inversão das práticas antigas. Os operadores de ferrovias fizeram grandes cortes durante a pandemia e depois tiveram muitas dificuldades para contratar funcionários quando o tráfego se recuperou.
Um resultado disso, segundo executivos, foi um serviço errático; os operadores de ferrovias perderam receita adicional porque não tinham equipes de trens em número suficiente para atender à demanda.
Fonte: Valor Econômico

