A inteligência artificial (IA) já virou parte do cotidiano de grandes gestoras do Brasil, que recorrem à tecnologia para ganhar velocidade em suas análises. Ainda assim, o recado é unânime: a supervisão de profissionais especializados segue como peça-chave, e o gestor continua no centro das decisões.
Se investidores pessoa física têm recorrido à IA para tirar dúvidas sobre investimentos, nas assets, a ferramenta ajuda na análise de diferentes dados, desde relatórios sobre ações até menções de ativos em redes sociais. As casas adotam políticas próprias de uso da tecnologia e oferecem treinamentos aos seus funcionários.
Arlindo Penteado, diretor do Multimesas da Itaú Asset, avalia que a IA funciona como um copiloto para os profissionais da área. “Com a ferramenta, buscamos automatizar processos para efetuar análises em tempo real, de modo a nos ajudar na detecção de padrões e tendências”, afirma.
Ao unir indicadores atuais e registros históricos, a gestora usa a tecnologia para estabelecer correlações que indiquem caminhos para decisões estratégicas e revisões de teses de investimento.
Na BB Asset, a IA atua na coleta e seleção de dados tanto estruturados, como séries históricas de preços, demonstrativos financeiros e indicadores macroeconômicos, quanto não estruturados, a exemplo de atas de bancos centrais e citações de uma determinada ação no X (antigo Twitter).
A gestora utiliza ferramentas para capturar padrões de volatilidade, agrupar ativos com comportamento similar e identificar os fatores mais relevantes em diferentes regimes econômicos.
Juliano Santos, head de Fundos Quantitativos da BB Asset, destaca que, ao acessar um relatório corporativo, a IA consegue destacar teses centrais e eventuais divergências em relação ao consenso de mercado. A tecnologia também ajuda o time da gestora a captar “sentimentos” sobre como eventos econômicos impactam as companhias.
“O profissional do futuro, além de entender de economia e finanças, precisa ter fluência em econometria, linguagens de programação e métodos quantitativos”, destaca Santos.
Quando fala em econometria, o especialista se refere a uma disciplina que combina economia, estatística e matemática para mapear dados econômicos e testar teorias. Já os métodos quantitativos são técnicas de pesquisa que focam na coleta e análise de dados brutos.
IA ganha espaço até na escrita das cartas de gestão
Na Santander Asset, a IA auxilia na análise de ativos de diferentes partes do globo — uma tarefa que, sem tecnologia, exigiria muito mais tempo dos profissionais. Primeiro, a ferramenta avalia o cenário macroeconômico de cada país; em seguida, identifica os setores com melhor desempenho e, dentro deles, aponta as empresas com os indicadores mais favoráveis. Após esse filtro, o gestor entra para fazer a curadoria final.
Guido Chagas, head de Estratégias Quantitativas da Santander Asset, afirma que a IA também tem sido útil na produção de materiais, como a carta de gestão. Segundo ele, o processo começa com a inserção das principais movimentações do mercado financeiro e de documentos já produzidos pela equipe. A partir disso, a ferramenta gera uma primeira versão do texto, que passa por uma revisão do gestor antes de ser compartilhada com os clientes.
Chagas avalia que a Santander Asset vive um momento de transição entre as fases de experimentação e implementação das atividades realizadas com IA. “Já fizemos muitos testes. O que funcionou está sendo pensado agora sob a ótica da implementação, em como podemos escalar as ações”, afirma.
Um laboratório de inteligência artificial
Na Bradesco Asset, existe um laboratório de inteligência artificial, que atende demandas de diferentes departamentos na criação de projetos com IA. Na área, o processo de desenvolvimento, validação e produção das ferramentas pode levar de seis meses até um ano.
Um dos primeiros passos foi a criação de um robô capaz de ler atas e comunicados do Banco Central e do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), indicando se o tom dos textos era hawkish (menos propenso à redução de juros) ou dovish (mais favorável a cortes). A ferramenta evoluiu e deu origem ao índice Bradesco Hawk-Dove, hoje disponível na Bloomberg.
Mais tarde, a casa também passou a usar IA generativa para analisar cartas de outras gestoras de investimentos situadas no Brasil e no exterior. A proposta é converter dados não estruturados em informações estruturadas, permitindo uma leitura consolidada de como os gestores têm enxergado o mercado.
Na área de crédito, outro projeto desenvolvido foi o uso da inteligência artificial para análise de documentos sobre emissão de debêntures – textos que Fernando Galdi, Head de Estratégia, Inovação e IA da Bradesco Asset, classifica como complexos, por envolverem termos do “economês” e “juridiquês”.
“Antes, esse processo demorava em torno de 30 a 40 minutos. Com o uso da IA, conseguimos acelerar a leitura para algo em torno de 5 a 10 minutos, sempre com a revisão de um analista”, destaca Galdi.
Outros usos da IA
Além da frente de análise, a Bradesco Asset utiliza modelos de machine learning (aprendizado de máquina) para auxiliar os gestores na escolha dos portfólios mais adequados. Esse tipo de modelo, um subconjunto da inteligência artificial, permite que o sistema aprenda e se aperfeiçoe de forma autônoma à medida que acessa novos dados.
Galdi observa que a IA aumenta o universo de atuação de um gestor. “A tecnologia consegue potencializar as atividades de gestão. Com a ferramenta, o profissional pode acompanhar muito mais empresas, mercados e papéis”, diz.
Na BB Asset, algoritmos de IA também contribuem para a negociação de ativos, auxiliando nas análises anteriores e posteriores à negociação, assim como na execução de ordens. A ferramenta ainda ajuda a reduzir custos de transação.
Já na parte de desenvolvimento de produtos, a inteligência artificial auxilia a identificar oportunidades de inovação e personalização, sempre com validação e refinamento pelos gestores da casa.
Os limites: onde a inteligência artificial ainda falha
Chagas, da Santander Asset, pontua que o uso da IA sem acompanhamento pode gerar erros. “Se você deixá-la tomar decisões sozinhas, em questão de tempo, a ferramenta vai cometer uma bobagem grande. Agora, quando um gestor monitora o processo, o profissional consegue filtrar falhas”, diz.
Segundo ele, em seus testes, a inteligência artificial ainda sofre para conseguir traduzir o impacto de eventos políticos ao mercado. Postagens pouco contextualizadas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, por exemplo, representam conteúdos de difícil interpretação para a tecnologia.
Santos, da BB Asset, estima que, entre tudo o que é criado, testado e implementado na área de gestão de ativos da casa, apenas de 10% a 20% dos modelos são efetivamente aprovados. “Ou seja, cerca de 90% a 80% do que é testado em IA não é viável para uso na gestão de portfólios ou precisa de aprimoramento”, afirma.
E o mercado de trabalho?
O ganho de produtividade proporcionado pela IA nas gestoras pode alterar o mercado de trabalho do setor e reduzir o tamanho das equipes. Esse cenário, porém, ainda não se concretizou, na avaliação de Chagas.
Segundo ele, num primeiro momento, o aumento de eficiência tende a elevar a rentabilidade das gestoras, reduzindo a pressão por cortes de custos. Ainda assim, o gestor acredita que esse cenário deve mudar nos próximos anos, à medida que o uso de IA se torne padrão no mercado.
“Quando isso deixar de ser uma vantagem competitiva, porque todos os concorrentes estarão analisando mais dados, abre-se espaço para ajustes de custo”, avalia Chagas, da Santander Asset.
Chagas também chama atenção para a necessidade de formar profissionais preparados para trabalhar com IA. “Quando os mais experientes se aposentarem, será essencial contar com novas gerações capazes de lidar com essas ferramentas no dia a dia das gestoras”, destaca.
Fonte: E-Investidor


