Após mais de um ano de negociações secretas, os Estados Unidos fizeram uma aposta arriscada na Venezuela.
Este mês, eles aliviaram sanções que impediam as exportações de ouro e petróleo, esperando que, em troca, o presidente socialista venezuelano, Nicolás Maduro, realize eleições competitivas e limpas no ano que vem e liberte presos políticos.
Washington também é atraído pela possibilidade do aumento do fornecimento de petróleo de um país que tem as maiores reservas do mundo, e de uma revitalização da economia venezuelana que possa conter o fluxo de refugiados para os EUA, segundo informações de atuais e ex-autoridades.
No entanto, um grande problema surgiu e poderá matar o pacto entre os EUA e a Venezuela ainda no berço. O nome desse problema é María Corina Machado.
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A candidata presidencial da oposição Maria Corina Machado, ao centro, comemora com apoiadores depois de ouvir os resultados — Foto: AP Photo/Ariana Cubillos
Ao contrário de outras figuras da oposição, essa política incendiária se recusa a negociar com o governo, quer ver Maduro julgado por crimes contra a humanidade e no passado defendeu a intervenção militar estrangeira na Venezuela. O governo Maduro a proibiu de concorrer a cargos públicos por 15 anos.
Mesmo assim, no domingo ela obteve uma vitória esmagadora nas primárias da oposição para escolher um candidato para as eleições presidenciais do ano que vem. “Recebi um mandato… para conseguir a derrota de Nicolás Maduro”, disse ela. “Já começamos essa campanha.”
O aumento da popularidade de Machado representa um obstáculo para o entendimento entre os EUA e a Venezuela, alcançado depois de 18 meses de uma diplomacia secreta intensiva que incluiu encontros no Catar e na Itália.
Maduro rapidamente classificou de fraude as primárias, nas quais a oposição disse que 2,3 milhões de pessoas votaram. “Chega de Machado… basta de manifestantes, fraudadores, mentirosos e extremistas”, declarou ele. Na quarta-feira, seu promotor-chefe abriu uma investigação criminal sobre as primárias.
Essas ações prejudicam bastante a aposta dos EUA em uma abertura política na Venezuela. Se a proibição da participação de Machado não for derrubada, o governo Biden enfrentará uma pressão pesada no Congresso para restabelecer as sanções.
“A questão agora é se o governo Maduro vai respeitar o espírito de seus compromissos vagos em resposta às concessões unilaterais dos EUA às sanções”, diz Christopher Sabatini, do centro de estudos Chatham House. “Certamente a reação do governo às primárias não é encorajadora.”
A discussão sobre Machado é um dos muitos riscos associados à derrubada das sanções de “pressão máxima” impostas durante a era de Donald Trump, que não conseguiram tirar Maduro do poder e agravaram o colapso da economia e a crise humanitária na Venezuela, que já eram terríveis. As sanções foram impostas em resposta à reeleição de Maduro em 2018, que os EUA e a União Europeia (UE) classificaram como fraudulentas.
Em anúncios cuidadosamente coreografados na semana passada, o governo venezuelano anunciou a retomada das negociações formais com um grupo de representantes da oposição, sem incluir a inelegível Machado, e um acordo para realizar as eleições presidenciais do ano que vem com a participação de observadores internacionais.
No dia seguinte, Washington derrubou as sanções contra as exportações de ouro e petróleo da Venezuela por seis meses e permitiu a negociação de bônus do governo no mercado secundário. Vários prisioneiros políticos foram soltos pelo governo de Maduro.
As concessões dos EUA à Venezuela autoritária foram descritas como “quase impressionantes em sua generosidade” por uma ex-autoridade de alto escalão dos EUA. “Isso é uma aposta muito grande para a Casa Branca, mesmo com a Ucrânia e Israel dominando as manchetes”, disse essa autoridade.
Democratas importantes, a UE e muitas ONGs apoiaram a nova iniciativa, em parte devido à sensação de que há poucas alternativas. “Não podemos esperar que o chavismo se tornará mais democrático”, disse uma fonte do Congresso, referindo-se às políticas implementadas pelo falecido líder venezuelano Hugo Chávez. “Estamos realmente apenas tentando traçar uma linha na areia para não ver mais tendências autoritárias.”
Outra preocupação é a condução das eleições do ano que vem. Fontes familiarizadas com o pensamento do governo Maduro afirmam que embora ele queira melhorar a economia e normalizar o país após uma década de penúria, o movimento governista chavista pretende vencer as eleições do ano que vem e permanecer no poder.
Em resposta a críticas ao alívio das sanções, uma autoridade graduada do Departamento de Estado dos EUA, que pediu para ficar no anonimato, insistiu que Maduro “precisa estar disposto a permitir uma eleição competitiva” em troca do alívio das sanções, e que agora ele tem um forte motivo pra fazer isso.
“Todos os incentivos econômicos [da Venezuela] visavam lidar com o Irã, China e Rússia, aqueles países que violariam conscientemente e de bom grado as sanções contra eles. Agora, eles têm uma nova estrutura de incentivo, em que eles podem lidar com os países do Ocidente. Eles não precisam mais vender seus produtos de energia ilegalmente e com descontos no mercado negro. Portanto, isso será mais recompensador para o regime de Maduro.”
Algumas figuras da oposição venezuelana, embora tenham relutado em criticar a mudança de política dos EUA, a portas fechadas expressaram consternação. Há uma preocupação de que o alívio das sanções possa ter sido prematuro e que as autoridades americanas foram ingênuas em acreditar que Maduro tenha qualquer intenção de realizar eleições justas.
A SOS Orinoco, uma ONG que faz campanha contra a mineração ilegal de ouro, disse que o alívio das sanções para a mineradora estatal Minerven “estimulará uma bonança criminosa e permitirá ao regime de Nicolás Maduro acelerar a pilhagem da Amazônia venezuelana”.
O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, insistiu após o relaxamento das sanções que os EUA esperam “um cronograma e processo específicos para a reintegração rápida de todos os candidatos” nas eleições presidenciais até o fim de novembro. “O não cumprimento dos termos desse acordo levará os EUA a reverterem os passos que demos.”
Isso provocou uma resposta rápida do principal negociador de Maduro, Jorge Rodríguez, que rejeitou “categoricamente” as palavras de Blinken, classificando-as de “intromissão inaceitável”.
Embora as condições de Blinken pareçam firmes, observadores afirmam que Maduro poderá anunciar uma longa revisão da proibição de María Corina Machado de concorrer nas eleições, permitindo a continuidade da distensão com os EUA, aproveitando ao mesmo tempo as receitas adicionais com as vendas de ouro e petróleo.
Com as eleições presidenciais dos EUA se aproximando no ano que vem, poucos acreditam que o governo Biden vai querer reimpor sanções totais ao petróleo venezuelano, o que poderia provocar um salto nos preços dos combustíveis e atrair novas ondas de refugiados para a fronteira dos EUA.
Se o governo venezuelano agir habilmente, libertando prisioneiros e iniciando uma revisão dos candidatos proibidos, Washington poderá manter o alívio das sanções até o ano que vem, enquanto Maduro permanecerá firme na decisão de manter Machado fora das eleições. Mas se a Venezuela exagerar, o processo poderá ser facilmente desfeito.
“A realidade é que parece altamente improvável que o governo Maduro venha a concordar com a reintegração dos candidatos da oposição que ele fez todos os esforços para desqualificar… incluindo a vencedora das primárias María Corina Machado”, diz Michael McKinley, uma ex-autoridade de alto escalão do Departamento de Estado.
“Há uma probabilidade muito real de que haja uma forte pressão para reimpor as sanções num curto período de tempo, dadas as declarações feitas por Diosdado Cabello [vice-presidente do partido no poder] e outros, de que o governo não tem intenção de reconhecer o resultado das primárias da oposição.”
Fonte: Valor Econômico

