Por Victor Rezende e Gabriel Roca — De São Paulo
18/08/2022 05h03 Atualizado há 2 horas
O alívio significativo nos preços das commodities no mercado internacional aliado à valorização do câmbio, que se afastou dos R$ 5,50 por dólar vistos em julho, levou o mercado a alterar suas apostas em uma inflação mais alta à frente. Nas últimas semanas, a inflação embutida nos preços de ativos financeiros tem sofrido queda relevante, mesmo em prazos mais longos. Os níveis, porém, continuam elevados, na medida em que as incertezas locais e globais ainda demandam um prêmio de risco alto e impedem a precificação de uma inflação em níveis mais compatíveis com as metas no longo prazo.
A oscilação das NTN-Bs, títulos públicos atrelados à inflação, no mercado secundário ilustra esse alívio. A inflação embutida na NTN-B com vencimento em maio de 2025 caiu de 6,28% no começo de julho para 5,33% na terça-feira. Movimento semelhante foi observado também em papéis de prazo ainda mais longo, com a inflação precificada pela NTN-B para maio de 2055 recuando de 6,42% no começo de julho para 5,57%.
“Os níveis estavam muito altos. Um juro de quase 14% com uma inflação implícita próxima a 7% indica que alguma coisa estava muito errada”, avalia Eduardo Magozo, gestor de renda fixa da Garde Asset. Ao observar o movimento relevante de queda da inflação de mercado, ele cita como principais vetores o recuo nos preços das commodities; os cortes nos impostos; e a deflação no mês de julho, que gerou um desmonte de posições no mercado de NTN-B devido ao carrego negativo.
O movimento das “implícitas”, assim, coincide com a revisão baixista nas projeções dos economistas para o IPCA de 2022. Na esteira dos cortes de impostos e das reduções nos preços dos combustíveis anunciadas pela Petrobras, a expectativa mediana dos agentes do mercado para a inflação deste ano caiu de 8,93% em 6 de junho para 7,02% em 12 de agosto, de acordo com dados do Boletim Focus.
Por outro lado, as expectativas inflacionárias de médio prazo continuam inclinadas para cima – o ponto-médio das estimativas para o IPCA de 2023 está em 5,38%, enquanto a mediana das projeções para o IPCA de 2024 subiu para 3,41%. Vale apontar, no entanto, que, embora as expectativas de médio prazo estejam em alta e a inflação “implícita” de médio e de longo prazo tenha caído, os níveis das “implícitas” permanecem bem acima da meta de inflação de longo prazo, de 3%.
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“Mesmo com as revisões altistas que vimos nas estimativas para o IPCA de 2023 e de 2024, havia muito espaço para as implícitas cederem, já que o prêmio exigido estava muito alto”, afirma Luiz Alberto Basqueira, sócio e cogestor de renda fixa da Genoa Capital. “Nós víamos como excessiva a diferença anterior entre o nível das implícitas e as projeções do mercado. O prêmio de risco estava muito alto e se manteve assim por muito tempo. O gatilho para essa correção foi a melhora externa.”
Além dos preços das commodities em queda, Basqueira observa que as revisões baixistas nas projeções para o crescimento global ajudam a melhorar as perspectivas para os preços de bens industriais, que são ajudados, ainda, pelo reequilíbrio das cadeias produtivas.
Para o gestor, as “implícitas” nos níveis atuais, em torno de 5,5%, estão com um preço mais justo. Até por isso, a Genoa reduziu posições vendidas em inflação, ou seja, que ganhavam com a queda das “implícitas”. Ele vê chance para uma queda ainda maior da inflação precificada nas NTN-Bs, embora ressalte que o posicionamento técnico já não é tão favorável quanto antes.
“O mercado ainda pode revisar para baixo essa inflação de curto prazo. Tem espaço para queda adicional nos preços de combustíveis e em alimentação, refletindo a melhora das commodities, e os sinais que já temos visto na inflação no atacado”, diz. A Genoa, inclusive, sustenta uma projeção abaixo do consenso do mercado para este ano, ao estimar o IPCA em 6,2%.
A Kinea Investimentos, que tem posições vendidas em inflação em sua carteira há algum tempo, acredita que há espaço para um recuo adicional das “implícitas” à frente. Sócio e gestor da casa, Marco Freire nota que o mercado precifica a inflação no médio prazo em torno de 5,5%, ou seja, cerca de 1 ponto percentual acima do teto da meta de inflação (4,5%). Ao mesmo tempo, o mercado também precifica cerca de 3,5 pontos de corte na Selic ao longo de 2023 – a curva de juros indica uma taxa básica entre 10% e 10,5% no fim do próximo ano.
“Após dois anos estourando o teto da meta, acredito que o Banco Central tem um nome a zelar e vai buscar a desinflação da economia. Ele vai continuar independente no próximo governo e não acho que vai cortar juros até ter a convicção de que a economia está desinflacionada. Vai ser uma maratona, e não uma corrida de 100 metros”, diz Freire.
O gestor compara o cenário atual ao que ocorreu na gestão do ex-presidente do BC Ilan Goldfajn, que levou mais tempo que o esperado para começar a reduzir os juros, com a finalidade de assegurar a trajetória de convergência da inflação para as metas. “No pós-eleição, o fiscal deve estar mais pacificado, com commodities e câmbio apontando para um cenário melhor. Depois que ele cortar, pode ser até que reduza a Selic mais rápido, mas acho que tem que desinflacionar a economia antes. Prefiro ficar otimista em renda fixa vendendo inflação do que aplicando em prefixados”, aponta Freire.
A Garde, por sua vez, aproveitou o vencimento de NTN-Bs na última segunda-feira e o rebalanceamento dos IMAs para zerar as posições em inflação. Agora, a gestora tem em sua carteira somente uma posição residual aplicada na NTN-B com vencimento em maio de 2027. “O mercado andou bastante nos últimos tempos e nós diminuímos as nossas posições aproveitando esse fluxo do rebalanceamento”, afirma Magozo.
Embora o movimento no Brasil tenha sido bastante expressivo, é preciso apontar, ainda, que também em outros mercados de inflação houve uma acomodação em níveis mais baixos. Nos EUA, a inflação “implícita” de dez anos estava em 2,46% ontem, após ter ido acima de 3% em abril, em um movimento que deriva da queda relevante nos preços das commodities.
De acordo com Vitor Kayo, economista da MCM Consultores, os efeitos da queda dos materiais básicos tardam mais a aparecer no IPCA em comparação com os índices de atacado, como o IPA e o IGP-M. Nesse sentido, ainda é cedo para afirmar se a deflação recente observada no índice oficial de inflação do país já reflete a queda dos preços das commodities nos mercados internacionais ou se é apenas fruto das medidas do governo para conter a alta de preços administrados.
“Estamos observando apenas o início do movimento de queda nas commodities e vamos verificar o repasse mais claramente nos próximos meses. Se o movimento continuar, devemos ver sinais mais claros de que o repasse está se materializando”, diz o economista.
De acordo com a MCM, depois de doze meses, um choque negativo de dez pontos percentuais na variação do IC-Br poderia produzir um efeito negativo de 2,8 pontos no IPA; de 2 pontos no IGP e de 0,6 ponto no IPCA. O IC-Br registrou queda de 2,43% em julho, após anotar baixa de 0,95% em junho, mas, no ano, anota alta de 5,2%.
Fonte: Valor Econômico