Após a crise em torno dos dividendos extraordinários da Petrobras, o projeto que estimula a produção de combustíveis mais ecológicos é o novo foco de desavença entre o Palácio do Planalto e o comando da estatal. Aprovado por ampla maioria na Câmara após um acordo com o governo, na semana passada, o PL do “Combustível do Futuro” chega ao Senado sob pressão da Petrobras por alterações no texto, especialmente no capítulo que trata do biodiesel.
Defendida pela bancada do agronegócio, a definição de metas para o percentual de biodiesel misturado ao óleo diesel não estava no projeto original do governo, mas foi incluída pelos deputados em um acordo que incluiu a Casa Civil e o Ministério de Minas e Energia. Pelo que ficou definido, o percentual mínimo passaria dos atuais 6% para 15% já em 2025, com alta gradativa de 1 ponto percentual por ano até 2030, quando atingiria 20%.
De acordo com o texto, a viabilidade das metas será avaliada pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). O colegiado vai fixar o percentual obrigatório de adição de biodiesel, que pode variar entre 13% e 25%, a depender das condições de mercado. Apesar de o programa ser visto pelo governo como o movimento mais concreto feito até agora em direção à transição energética, o chamado “mandato do biodiesel” encontra forte resistência da Petrobras.
Durante a tramitação na Câmara, a estatal chamou a atenção para o aumento de custos – e de preços – que virá junto com o aumento da mistura. Também argumentou que perderá mercado no diesel logo após ter anunciado investimentos importantes em refino. Um dos principais projetos é o segundo trem da refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, que promete processar até 130 mil barris de petróleo por dia e custar até R$ 8 bilhões.
A Petrobras também tentou, sem sucesso, incluir o diesel coprocessado no projeto de lei. Essa categoria do combustível, menos poluente, é processada na refinaria juntamente com óleos vegetais e diesel de origem fóssil. O comando da estatal queria que o percentual “verde” do coprocessado, em torno de 5%, fosse considerado para o cumprimento das metas do biodiesel, mas os deputados não aceitaram.
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Petrobras
Também foram rechaçados na Câmara os apelos da companhia contra as metas para incorporação do biometano na venda de gás natural e pela aceitação de um modelo alternativo de querosene de aviação sustentável. Essas pautas terão uma segunda chance durante a tramitação no Senado.
Até o fim da semana passada, havia uma expectativa de que o senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), presidente da Comissão de Assuntos Econômicos, seria o relator do Combustível do Futuro na Casa. Segundo o Valor apurou, ele já havia concordado em preservar os principais pontos do texto que veio da Câmara, em especial a questão do biodiesel e do biometano.
No entanto, uma articulação liderada pelo presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, com apoio do Ministério da Fazenda, teria convencido o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) a indicar outro relator para o projeto. O escolhido, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), herdou a presidência da Frente Parlamentar da Energia Renovável, que era comandada por Prates enquanto senador.
A avaliação de executivos da Petrobras é de que Veneziano, que também é vice-presidente do Senado, terá mais disposição para ouvir os argumentos de todas as partes e “esticar o diálogo”. A companhia entende que o governo teve que ceder aos interesses dos deputados para ganhar fôlego político para projetos mais prioritários na Câmara.
Nesta terça-feira, em evento do setor de petróleo nos Estados Unidos, Prates confirmou que a Petrobras vai defender um mandato para o diesel coprocessado no Senado e elogiou Veneziano. “Por isso é bom ter o bicameralismo, você tem que ter aquela calibragem”, disse o presidente da estatal em entrevista ao portal “EPBR”. Procurada, a Petrobras não havia se manifestado até o momento da publicação.
Na semana passada, a empresa teve uma desvalorização de mais de R$ 50 bilhões na B3 após o anúncio de que os dividendos extraordinários referentes ao quarto trimestre de 2023 não seriam distribuídos. A decisão, tomada pela maioria do conselho de administração, foi respaldada por um parecer técnico e, principalmente, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
(Colaborou Caetano Tonet)
Fonte: Valor Econômico