Por Adriana Cotias — De São Paulo
11/03/2024 05h02 Atualizado há uma hora
Em pouco mais de seis meses, Iqbal Khan, o chefe global de gestão de patrimônio do UBS, fez duas visitas ao Brasil, além de enviar diversas lideranças ao país desde que as autoridades reguladoras aprovaram a aquisição do Credit Suisse (CS), em junho de 2023. Na América Latina, o grupo reúne o equivalente a US$ 255 bilhões em recursos de clientes de alto patrimônio, sendo o Brasil o mercado estratégico mais relevante do bloco, afirma o executivo, em conversa com o Valor – o bolo total beira os US$ 4 trilhões.
A preocupação é combinar os negócios preservando a fortaleza de cada uma das estruturas. Para o melhor resultado possível, a administração estabeleceu que 30% dos cargos de liderança do UBS Global Wealth Management combinado fossem de profissionais vindos do CS. A nomeação de Marcello Chilov, que era o principal executivo (CEO) do banco no Brasil, para comandar a divisão de gestão de riqueza na região derivou disso.
No país, o CS era maior do que o UBS, fruto das aquisições do Banco Garantia, da corretora Hedging-Griffo e de uma construção que no tempo o colocou entre os maiores serviços de private banking do mercado local, sendo o estrangeiro mais bem-sucedido. Já o UBS saiu do Brasil ao revender o Pactual aos fundadores, em 2009, para retornar um ano depois com a compra da Link. Em 2017, selaria a aquisição da gestora de patrimônio Consenso.
Um dos objetivos agora é aprofundar a interação de brasileiros com investimentos globais, valendo-se da capilaridade geográfica que possui na Europa, Ásia, Oriente Médio ou Estados Unidos. “Os bancos no Brasil não podem fazer isso e os estrangeiros abandonaram o seu negócio de gestão de fortunas. Temos as tropas aqui, é um diferencial gigante”, afirma Khan.
O executivo diz haver forte conexão com a atividade de banco de investimento, por meio da “joint venture” do UBS com o Banco do Brasil, sob a liderança de Daniel Bassan. E vê oportunidades únicas no país. Segurança alimentar, energia renovável e inteligência artificial são setores de potencial atração de capital. “Isso não significa que o investimento estrangeiro direto virá hoje ou amanhã, mas virá com o tempo.”
Khan, antiga estrela da unidade de gestão de fortunas do CS, conhece bem os dois lados. Ele deixou o banco em 2019 cortejado pelo rival UBS e, ironia do destino, agora é o responsável pela união de titãs numa atividade que é central para o grupo suíço.
Bancos no Brasil não fazem [oferta global ampla] e estrangeiros abandonaram gestão de fortunas”
O casamento UBS e CS foi arranjado pelas autoridades suíças num fim de semana em março de 2023, para barrar uma crise de confiança que abateu o CS às voltas com provisões bilionárias após negócios que trouxeram prejuízos a investidores.
A seguir trechos da conversa de Khan com a reportagem na sede do UBS, em São Paulo.
Valor: O que o senhor espera desta equipe após a aquisição do Credit Suisse?
Iqbal Khan: A combinação do Credit Suisse e do UBS é provavelmente a mais significativa, ainda maior do que qualquer outra ocorrida na crise financeira [de 2008]. São os dois maiores bancos suíços realmente se unindo de uma forma que nunca se viu antes e em uma velocidade muito rápida, o que é importante, aumenta as chances de sucesso porque se demorasse muito, sempre é o maior risco. É uma combinação de duas marcas icônicas na gestão de patrimônio e, para tornar isso um sucesso, mais de 30% dos cargos de liderança no UBS Global Wealth Management combinado são antigos funcionários do Credit Suisse. Um exemplo disso é [Marcello] Chilov, que não é apenas o CEO do Brasil, ele também é igualmente o chefe da WM Latam. A América Latina para nós representa cerca de [US$] 255 bilhões em ativos investidos, o que nos torna o maior gestor de riqueza globalmente internacional na América Latina. O Brasil é o mercado estratégico mais importante da região. Se eu pensar na extensão ou expansão regional que a combinação traz, são três regiões especificamente: Sudeste Asiático, Oriente Médio e América Latina, o Brasil o mais importante. O UBS tem a joint venture com o Banco do Brasil e temos um ‘multifamily office’, mas não tínhamos um negócio de gestão de riqueza com a escala que o Credit Suisse tem. Anteriormente, trabalhei no Credit Suisse, conheço esse negócio e é realmente fantástico. Estamos muito entusiasmados com o Brasil.
Valor: Por quê?
Khan: Os mercados emergentes normalmente tendem a não ter um bom desempenho num ambiente de taxas de juro elevadas, mas têm estado relativamente estáveis. Mas se damos um passo atrás, olhando para o Brasil no contexto global e geopolítico, por que estamos tão entusiasmados com isso? Na verdade, são três, senão quatro coisas. Qual é a mais importante depois da pandemia? É tudo relacionado à segurança. Um país como o Brasil desempenha um papel significativo na segurança alimentar do mundo. A segunda é a energia, o fato de o Brasil ter agora um excedente energético, do lado renovável, da energia verde – metanol, biocombustíveis, biomassa. A terceira área é se você acredita no boom da inteligência artificial (IA), a IA precisará de data centers. Eles estarão localizados em regiões, em países que possuem energia disponível e pagável. Essa é uma terceira peça que, do ponto de vista da infraestrutura, acho que torna o Brasil muito interessante. Como podemos trabalhar juntos e como o UBS pode ser útil na conexão entre geografias, empreendedores e investidores? Os temas segurança alimentar, energias renováveis e infraestrutura são apenas exemplos que mostram a oportunidade que o Brasil tem. E se puder monetizar essa oportunidade a partir de uma perspectiva de gestão de patrimônio, não apenas localmente, mas globalmente, este será um grande diferencial. O UBS pode ir para o Oriente Médio, para o Sudeste Asiático, para a Índia. Temos uma franquia completa, vamos para a China, para os EUA e conectamos todos esses empreendedores, investidores, indivíduos ricos a um mercado como o Brasil. Os bancos no Brasil não podem fazer isso. Os grupos estrangeiros abandonaram o seu negócio de gestão de fortunas. Temos as tropas aqui, um grande diferencial. Acho que há interesse no Brasil por parte de muitos desses mercados porque há uma mudança geopolítica material em curso. Ninguém sabe onde isso nos levará. Mas o que sabemos é que a alimentação será importante, a energia será importante e a infraestrutura para os data centers também. E todos esses três elementos podem ser encontrados, entregues ou executados aqui no Brasil.
“O UBS tem a JV com o BB e tem um ‘multifamily office’, mas não tínhamos um negócio de gestão de riqueza com a escala do CS”
Valor: E como tem sido a integração do UBS com o CS?
Khan: Estive aqui duas vezes nos últimos seis meses e enviei vários de nossos líderes para dedicar tempo garantindo que combinemos da maneira mais sensata e para que realmente um mais um mais seja mais do que dois. E o Brasil, claramente, torna a combinação com o Credit Suisse muito interessante. Em nossos últimos resultados, nosso CFO do grupo, Todd Tuckner, mencionou especificamente como um dos mercados em que estamos realmente focando. O Brasil, assim como o Oriente Médio ou o Sudeste Asiático, são mercados emergentes que nesta nova configuração geopolítica, convertida nas mudanças nas cadeias de abastecimento, ‘nearshoring’ [próximas aos países que demandam os produtos], farão diferença.
Valor: No Brasil, o Credit Suisse é maior que o UBS. Como conciliar essas duas operações sem atritos e sem perder pessoas e clientes?
Khan: Na verdade, não temos perdido clientes. Acho que se eu olhar para a captação líquida que a América Latina e o Brasil tiveram desde o fechamento da transação no ano passado – só fechamos o negócio em junho -, eles apresentaram o segundo melhor ingresso de recursos de clientes depois da Ásia em termos de percentagem de crescimento. Portanto, não acho que haja um problema em sermos uma plataforma atraente. O Credit Suisse já era uma plataforma atrativa, tem uma marca ótima. O UBS é uma marca muito forte em nível mundial e a incerteza que existia para os clientes do Credit Suisse durante os dois anos de turbulência desapareceu. Portanto, cabe a nós, como líderes e parceiros responsáveis pelo negócio, combinar essas operações da forma mais racional e sensata e com um denominador comum, o cliente. Ambas as organizações têm seus pontos fortes. Há, basicamente, dois negócios importantes aqui no Brasil que são todos combinados com o UBS, um é a joint venture com o Banco do Brasil no lado de banco de investimento, comandado por Daniel Bassan. E tem o negócio tradicional de gestão de riqueza que Chilov dirige junto com o da América Latina, que faz parte da GWM (gestão de patrimônio global). Essas empresas trabalham juntas, há colaboração completa. Há claramente conectividade como em todas as outras regiões. Ter um parceiro como o Banco do Brasil é certamente útil para nós.
Valor: E há uma chance de se ampliar de alguma forma essa parceria com o Banco do Brasil?
Khan: Acho que tudo se resumirá ao sucesso que tivermos em combinar as duas organizações, não apenas aqui no Brasil, mas em uma base global e este é um processo plurianual. Acho que 2024 é o ano crucial para nós. Em 23, fizemos progressos rapidamente e isso se materializou no preço das ações do UBS, que foi um dos ativos com melhor desempenho no setor financeiro no ano passado. E 24 é realmente crucial para garantir a execução de todos os marcos que estabelecemos para unir as organizações. Não se trata apenas de uni-las numa base jurídica, estrutural, técnica ou de TI, mas também de unir as pessoas. O nosso negócio é muito centrado nas pessoas. Nossos clientes são pessoas. As pessoas que os atendem precisam se sentir acolhidas. Elas precisam ver que todo esse trabalho duro que têm que fazer, a flexibilidade que precisam ter, a abertura para pensar sobre como podemos [evoluir]…, precisamos ter certeza de que estamos conquistando os corações e mentes das pessoas no Brasil, mas também globalmente, para garantir que unimos as pessoas. É por isso que era importante ter na gestão de patrimônio ter 30% de todos os líderes seniores provenientes do Credit Suisse, porque não há outra forma de combinar com sucesso. Se houver um desequilíbrio, você não une as culturas, as pessoas, não terá uma combinação bem-sucedida.
“Monetizar oportunidades a partir de uma perspectiva de gestão de patrimônio local e global será um diferencial”
Valor: Após o Credit Suisse anunciar a venda da área de ativos imobiliários no Brasil, há outros ajustes a serem feitos na estrutura?
Khan: Eram três negócios no Brasil. O de gestão de patrimônio, que é predominante, a joint venture com o Banco do Brasil [UBS BB], e tinha um pequeno negócio de gestão de recursos que era principalmente esse imobiliário. Nossos negócios globalmente são muito impulsionados pelas divisões: gestão de patrimônio, banco de investimento, gestão de recursos. No esquema mais amplo, globalmente, ter uma gestora de recursos focada em um nicho aqui não era significativo o suficiente. Não planejamos alterações para tornar o negócio menor. Na verdade, queremos expandir a atividade de gestão de patrimônio aqui no Brasil, tanto nacional quanto internacionalmente. A gestão de patrimônio é a principal divisão de crescimento do UBS. Então, claramente, esperamos que o Brasil e a América Latina façam a sua parte. O ponto de inflexão vem de tudo o que está acontecendo na reconfiguração das cadeias de abastecimento, no comércio global, na reconfiguração geopolítica. Nos últimos anos, a América Latina perdeu relevância. Mas o Brasil, o México, outros mercados estão se tornando mais importantes e, globalmente, a América Latina fica mais importante e, nessa configuração, o Brasil é mais importante. Presumo, matematicamente, que [as economias] crescerão, haverá mais atividade empresarial, mais investimento, mais investimentos cruzados e penso que o UBS pode desempenhar um papel importante. Na verdade, estou muito feliz e me sinto privilegiado por termos a possibilidade de realmente expandir com a combinação com o Credit Suisse especificamente no maior mercado da América Latina, que é o Brasil.
Valor: Como o senhor avalia o cenário macro no Brasil e como isso afeta os negócios?
Khan: Os mercados acionários tiveram o pior desempenho se compararmos com alguns outros, com exceção, talvez, da Rússia. A moeda tem estado relativamente estável. O Brasil tem excedente de energia pela primeira vez. Há, materialmente, mais interesse no Brasil. Isso não significa que o investimento estrangeiro direto virá hoje ou amanhã, mas virá com o tempo. Para uma empresa de gestão de fortunas ou de gestão de dinheiro, a redução das taxas de juros é uma coisa boa. O cliente tem na mente a referência para a carteira que é o CDI. E com a queda do CDI, a possibilidade de vencer o CDI, não diria que será mais fácil, mas possível. Acredito também que há mais interesse em conectar clientes aqui no Brasil investindo no exterior. Há uma razão pela qual outros bancos desejam expandir-se internacionalmente. Não é porque acham que com suas marcas conseguirão clientes internacionais. Eles podem levar a diáspora brasileira para fora do Brasil. Talvez consigam obter sua diáspora latino-americana fora da América Latina, mas não conseguirão clientes internacionais por si só. Então, eles não podem realmente ajudar os clientes daqui a investir no exterior porque só estão construindo isso agora. Já temos isso. Somos o número um na Ásia. Somos três vezes maiores que o concorrente mais próximo. Somos o número um na Emea [Europa, Oriente Médio e África]. Somos o número um na Suíça. Somos o quarto nos EUA. Então quem vai ajudar os clientes brasileiros, os gestores de fundos brasileiros que querem ter exposição internacional para competir e vencer o CDI? Também somos a corretora institucional número um em ações aqui no Brasil. A partir dessa perspectiva, sinto que não é apenas uma questão de como o macro estará no Brasil para nós, é mais como o Brasil desempenha um papel no contexto global. O mais importante é o que podemos fazer pelos brasileiros que desejam ter exposição internacional ou mais diversificação global do que qualquer outra pessoa atendida fora do Brasil.
Valor: Qual o tamanho que o UBS pretende ter no Brasil, quer ser o número 1, o número 2?
Khan: [Queremos ser] Maiores, mais importantes, mais relevantes do que somos hoje. Na América Latina já somos o primeiro em gestão de patrimônio. Mas no final das contas, queremos seguir nossos clientes. Acho que toda essa obsessão por ser o número 1 ou 2 depende de como se conta. Alguns bancos contam o varejo. Temos uma maneira de definir clientes ricos que são de uma faixa patrimonial superior. Queremos ser o gestor de patrimônio de referência para pessoas ricas ou o banco número um, o banco para indivíduos ricos ao longo de gerações.
Fonte: Valor Econômico

