Na decisão da S&P, um fator determinante foi a reforma tributária. Mais do que seus efeitos concretos no curto prazo, a aprovação foi vista como uma continuidade da série de reformas aprovadas desde 2016.
A indicação de que um aumento do rating brasileiro estava a caminho foi dada pela própria S&P ainda em junho, quando a agência adotou perspectiva positiva para a nota brasileira e condicionou uma eventual elevação ao andamento da agenda de reformas, em especial a tributária. Agora, as três principais agências de crédito (a terceira é a Moody’s) veem o rating soberano dois degraus abaixo do nível de investimento.
No comunicado sobre a decisão, a S&P exaltou pontos positivos da reforma tributária, que foi aprovada na semana passada. Embora tenha uma implementação bastante gradual, a reforma, na visão da agência, deve se traduzir em ganhos de produtividade a longo prazo, além de ampliar um “histórico de pragmatismo político”. “O componente ausente tem sido a falta de progresso para lidar com os gastos grandes, rígidos e ineficientes do governo”, disse a S&P, ao lembrar de déficits fiscais consistentes nos últimos anos.
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A agência enfatizou que o governo tem “enviado sinais divergentes” em relação ao compromisso com o novo arcabouço fiscal. “O governo tem afirmado repetidamente que cortes nas despesas deveriam ser evitados tanto quanto possível. Como resultado, depende principalmente de medidas de elevação de receitas para cumprir as metas fiscais”, afirmou a agência. A S&P projeta que a dívida pública líquida brasileira suba de 52,3% do PIB em 2022 para perto de 67% até 2026.
O diretor sênior e gerente analítico de ratings soberanos para América Latina da S&P, Sebastian Briozzo, disse ao Valor que o cenário externo está se tornando mais favorável para o Brasil, não só econômica, mas também politicamente. Segundo ele, esse é um dos fatores que contribuíram para a elevação da nota. Ainda assim, o executivo lembrou que não é a primeira vez que isso acontece.
“A pergunta importante é: o cenário externo está ficando mais positivo para o Brasil, e como faz para melhorar mais rapidamente a parte social, a economia em geral? Estamos falando de uma surpresa positiva com o PIB, que cresceu 3% neste ano, mas isso não deveria ser algo fora do normal para um país com um PIB per capita de US$ 10 mil. Com a estrutura atual, fica difícil o Brasil crescer uns bons anos a 3%, e esse é o desafio”.
O diretor e analista líder da S&P para Brasil, Manuel Orozco, relatou que a elevação do rating é um passo certo na direção da retomada do grau de investimento, mas isso ainda deve levar alguns anos. “Dois fatores importantes que restringem o rating do Brasil são o baixo crescimento e a fragilidade fiscal. O PIB per capita, em termos reais, deve chegar em 2024 ao mesmo nível de 2010. Isso mostra a grande dificuldade do Brasil em crescer.”
Briozzo lembrou que em 2008, quando o Brasil conquistou o grau de investimento, a dívida líquida (calculada pela agência) era de 45% do PIB, e agora a S&P projeta que ela chegará a 67% em três anos. “Mesmo assumindo que a situação microeconômica seja melhor hoje que em 2008, em função das reformas feitas, o Brasil ainda assim precisaria de uma situação fiscal melhor do que o que tem.”
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que as agências de rating têm percebido “que o país tem um projeto” e uma harmonia entre o Executivo, Legislativo e Judiciário. Ele afirmou não “se conformar” com o fato de o Brasil estar sem grau de investimento. “Um país que não deve nada em moeda forte, que tem mais de US$ 300 bilhões em caixa não pode não ter grau de investimento, tem que ter. E precisa crescer acima da média mundial, no mínimo crescer na média. Mas se trabalharmos bem, não tem como não crescer acima da média”, afirmou.
Há coordenação em torno de um objetivo maior e a reforma tributária foi o ponto alto dessa trajetória”
— Fernando Haddad
“A elevação do rating pela S&P evidencia que estamos no caminho certo, com medidas corretas que estão colocando o país na rota do desenvolvimento econômico e social sustentável”, disse o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron.
Segundo Haddad, “há uma coordenação em torno de um objetivo maior, e a reforma tributária foi o ponto alto” dessa trajetória. “Era a última agência rever a nota do Brasil. Moodys e Fitch já tinham revisto”, disse. Ainda assim, ressaltou que a busca pelo equilíbrio fiscal depende também do Congresso. “Não é por decreto que vamos conseguir esse equilíbrio”, afirmou, às vésperas da votação da MP das subvenções, que tem potencial de gerar R$ 35 bilhões aos cofres da União em 2024, ano em que o governo se propôs a zerar o déficit. “É preciso negociar cada passo dele com o Congresso e Judiciário. Não é uma coisa que acontece do dia pra noite. São dez anos de déficit primário, com exceção do ano passado que foi ‘fake’, fruto de um calote”, afirmou ao ser questionado sobre as ponderações da S&P.
Para analistas, apesar dos desdobramentos positivos do rating neste ano, ainda não é garantido que o Brasil retomará o grau de investimento, e o prazo para isso também é bastante incerto.
“Subir na escala de classificação e eventualmente recuperar o status de grau de investimento requer reformas decisivas e políticas macro, micro e regulatórias que apoiem o investimento e a alocação eficiente de recursos. Na nossa avaliação, fora a política monetária, o atual contexto de políticas macro e micro e as perspectivas para reformas ainda estão aquém do padrão de grau de investimento”, disse o chefe de pesquisa para América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos.
Na avaliação de Gustavo Loyola, ex-presidente do BC e sócio da Tendências Consultoria, a notícia é positiva, mas o Brasil está longe do grau de investimento. “Foi uma pena termos perdido o grau de investimento. Foi uma batalha grande para chegar até lá. Acredito que só vamos conseguir retomar quando tivermos uma política fiscal consistente ao longo do tempo que aponte para uma estabilização e queda da relação dívida/PIB.”
Já Daniel Wainstein, sócio sênior da Seneca Evercore, disse que o Brasil está encerrando o ano com um cenário inesperadamente positivo. Ele apontou que o CDS – contrato de swap que mede o risco-país – de 5 anos caiu 45% em 12 meses e está no menor patamar desde 2020, reforçando que há entre os investidores “uma percepção de menor risco do Brasil, compromisso com política monetária adequada, reformas sendo aprovadas no Congresso, PIB crescendo mais que o esperado e, até certo ponto, compromisso do governo com fiscal”. (Colaborou Gabriel Roca)
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Fonte: Valor Econômico