Por Jéssica Sant’Ana — De Brasília
28/03/2024 05h01 Atualizado há 5 horas
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A reforma tributária já sinaliza ganhos de produtividade para o Brasil, que ainda teve sua nota de crédito elevada recentemente pelas agências de classificação de risco – que citaram, em sua decisão, a aprovação da mudança no sistema tributário brasileiro. Agora, as empresas aguardam o andamento da regulamentação da reforma para tomar decisões sobre investimentos. O movimento acontece em meio às preocupações sobre as novas regras para regimes específicos e sobre qual será a carga tributária que incidirá sobre cada um dos setores da economia.
A conclusão é de Ana Paula Vescovi, diretora de macroeconomia do banco Santander, e de Heleno Torres, advogado e professor titular de Direito Financeiro da Faculdade de Direito da USP, durante o evento “Caminhos do Brasil”, uma realização dos jornais “O Globo” e Valor e da rádio CBN, com patrocínio do Sistema Comércio por meio da CNC, do Sesc, do Senac e de suas federações.
Participaram ainda o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da reforma tributária na Câmara dos Deputados, e Bernard Appy, secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda. O evento teve mediação dos jornalistas Thiago Bronzatto, diretor da sucursal do Globo em Brasília, e Fernando Exmann, chefe da redação do Valor em Brasília.
“O processo de decisão de investimento ainda está muito heterogêneo, mas há um ponto comum entre os setores, que é: se eu puder esperar para ter um pouco mais de clareza sobre como vamos terminar esse processo de regulamentação, eu vou esperar”, disse Vescovi, que já foi secretária do Tesouro Nacional. “Então, tem algum processo de adiamento, na medida em que isso seja possível dentro das empresas e da sua estratégia de investimentos”, acrescentou a diretora do Santander.
Vescovi explicou que a indústria, por exemplo, tem uma expectativa de redução da carga tributária com a implementação da reforma, enquanto o setor de serviços espera uma majoração. Há, ainda, os setores que serão abarcados pelas regras de regulamentação de regimes específicos, que também aguardam os próximos passos.
“Reforma precisa ser colocada em prática observando a justiça tributária” — Leandro Domingos
Torres citou o exemplo do agronegócio, cujos produtos vão para a cesta básica, que terá alíquota zero. “Quando isso aparece na Constituição, isso é também equivalente a uma imunidade tributária. E há uma regra expressa que diz que, nos casos de imunidade ou de isenção, não se toma crédito, e isso não gera crédito para a operação seguinte. Você imagina o produtor rural ser surpreendido em não tomar crédito das operações passadas e não gerar crédito se aquele produto for para uma indústria como insumo”, afirmou o advogado.
O especialista ressaltou que ainda não se pode dizer que esses casos não darão direito a ressarcimento, mas será preciso aguardar o texto da lei complementar “para sabermos o que vai ser considerado como de uso e consumo.” A expectativa de Appy, por sua vez, é enviar a regulamentação ao Congresso Nacional até meados de abril.
Sobre a questão dos créditos, Appy disse que a regra geral será a da não cumulatividade plena, ou seja, os tributos pagos ao longo da cadeia vão gerar créditos, de forma que, na prática, a tributação recai apenas sobre o consumo final da mercadoria ou serviço. Mas o secretário do Ministério da Fazenda admitiu que haverá exceções.
“A regra geral é dar crédito. Comprou, veio tributado, dá crédito, no montante que vai estar discriminado na nota fiscal. Mas, como eu falei, tem os regimes específicos que a gente tenta viabilizar o crédito, mas em alguns casos não é viável, mas serão exceções”, observou Appy.
Leandro Domingos, vice-presidente financeiro da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e líder do grupo de trabalho sobre a reforma tributária da entidade, destacou alguns pontos que estão sendo acompanhados de perto pelo setor. “Setores e produtos com alíquotas reduzidas precisam ter uma garantia efetiva dessa redução e a possibilidade da tomada integral dos créditos. Setores com regimes diferenciados precisam da garantia de um novo cenário de tributação adequado às suas realidades. A reforma precisa ser colocada em prática observando a justiça tributária”, argumentou Domingos.
“Segurança jurídica é um dos elementos mais caros que precisamos construir no Brasil” — Ana Paula Vescovi
Relator da reforma tributária na Câmara dos Deputados, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) afirmou que a regulamentação será fundamental para reafirmar conceitos aprovados na emenda constitucional, que são os da não cumulatividade e do sistema transparente, que traga segurança jurídica:
“A legislação complementar tem que ir nessa direção para que não paire nenhum tipo de dúvida sobre esses princípios que são o fundamento da reforma”, defendeu Ribeiro.
Outra preocupação levantada pelos debatedores durante o evento foi em relação à possibilidade de litígio. “A expectativa é que façamos os melhores textos, mas há potencial de choques de interpretação”, explicou Torres, lembrando que Estados e municípios terão de aprovar, depois da lei complementar federal, uma série de regulamentações internas. “A chance de haver descasamento desses processos é enorme, consequentemente, há possibilidade de surgir um contencioso judicial”, ressaltou o advogado.
Vescovi salientou que o período de transição entre o regime tributário antigo e o novo será o mais sensível e passível de questionamentos jurídicos. “Estamos rearrumando placas tectônicas, setorial e regionalmente, então, há um caráter de insegurança jurídica”, disse a economista. “Mas estou confiante de que vamos colher frutos dessa reforma. Segurança jurídica é um dos elementos mais caros que precisamos construir no Brasil. Temos que construir um ambiente de negócios cada vez mais saudável”, afirmou.
O deputado Aguinaldo Ribeiro também reforçou a necessidade de a regulamentação observar a segurança jurídica para não haver pontos obscuros. “O ideal é que pudéssemos construir uma legislação até autoaplicável, para que nós tenhamos bastante efetividade”, argumentou o parlamentar.
Fonte: Valor Econômico

