As incertezas geradas pela dura política migratória do presidente americano, Donald Trump, têm sustentado o envio de remessas pessoais dos Estados Unidos para o Brasil no ano, na contramão do observado de outros países.
Em 2025 até setembro, as transferências pessoais totais do exterior para o Brasil somaram quase US$ 3,1 bilhões, recuo de 2,7% ante igual período de 2024 e em linha com o esperado em um cenário de real mais valorizado. Com o câmbio mais apreciado no Brasil, torna-se mais vantajoso mandar recursos para o exterior, enquanto o contrário compensa menos.
As remessas dos EUA para o Brasil, no entanto, estão subindo 2,8% de janeiro a setembro de 2025, na comparação com momento equivalente do ano passado, chegando perto de US$ 1,7 bilhão. Os dados são do Banco Central. A série com informações americanas começa em 2010. Desde 2011, apenas em 2013 e agora a variação das remessas do exterior para o Brasil e especificamente dos EUA para o país caminharam em sentidos opostos.
“As operações com os EUA realmente aumentaram”, diz Eduardo Campos, diretor de câmbio do Daycoval. “Conversando com parceiros lá fora, seja em meios digitais, seja no varejo físico, ambos percebem mudanças no comportamento dos clientes”, afirma.
Muita gente achou formas de enviar dinheiro para o Brasil”
No varejo físico, Campos diz que o número de transações diminuiu, mas o valor médio de cada transferência aumentou. “O tema da imigração fez com que diminuísse a frequência com que as pessoas visitam lojas de remessas, entendendo que o ponto físico pode ser um local de risco [de detenção]. Então, quando eles vão até lá, acabam fazendo operações maiores de uma vez.”
Já no meio digital, em função da volatilidade do câmbio, os clientes têm diminuído o valor médio e aumentado o número de transações, diz Campos. “Eles fazem três, quatro operações no mesmo dia, porque vão procurando a melhor taxa de momento e fazendo uma cotação média dentro do mesmo dia.”
Rodrigo de Godoi, presidente da Mantena Global Care, organização sem fins lucrativos que oferece apoio a imigrantes latino-americanos nos Estados Unidos, diz também ter percebido, desde o início do ano, a necessidade entre os brasileiros de buscarem formas de enviar mais recursos para fora.
“Quando anunciaram que poderiam cobrar tarifas [o governo dos imigrantes], multa por dia, muita gente que estava em situação de indocumentado achou formas de enviar esse dinheiro para o Brasil. Algumas pessoas até venderam bens que já possuíam no país”, conta Godoi. “Empresas brasileiras, inclusive, viram oportunidade e estão trabalhando para fazer esse envio de forma legal”, acrescenta.
Em Newark, cidade no Estado de Nova Jersey onde a comunidade brasileira é numerosa, ainda se utiliza bastante o envio de recursos via casas de remessas, segundo Godoi. “Mas também existem vários aplicativos que as pessoas acabam usando para transferir”, afirma.
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Alguns economistas ponderam que a oscilação nas remessas dos EUA para o Brasil este ano está dentro de um desvio-padrão esperado. “Houve uma evolução forte depois da pandemia e está bem acomodado nos primeiros trimestres de 2025”, diz André Galhardo, economista-chefe na Análise Econômica e consultor econômico da Remessa Online. “Faz sentido a evolução dessas remessas [dos EUA para o Brasil] a partir da questão migratória, do medo de ser repatriado, de sofrer penalização, mas não acho que já apareça forte nos dados. Pode ser que venha a acontecer”, afirma.
No Daycoval, a avaliação é que oscilações nas remessas são naturais. “A nossa operação lá fora é bastante estabelecida. A pessoa tende a enviar mais dinheiro para o Brasil em momento de alta [do dólar ante o real], mas ela também não pode deixar de enviar, porque a maior parte sustenta família aqui, muitos ainda querem adquirir bens no Brasil, não cortaram esse laço definitivamente”, diz Campos.
Ele nota também que os dados do BC captam apenas uma parte das operações entre não residentes e residentes no Brasil, aquelas que envolvem câmbio, mas muitas pessoas morando no exterior têm recorrido a “remessas” menos regulamentadas.
“Pelos dados, não conseguimos enxergar ainda operações que realmente vêm aumentando por questão de precificação e de tributação, como o pagamento via criptomoedas”, diz. “O governo já sinalizou que quer regular isso, mas ainda não fez. Por enquanto, existe essa brecha.”
Entre as criptos, os especialistas chamam a atenção para as “stablecoins”, que têm o valor pareado com divisas tradicionais como o dólar. “Eventualmente, ela pode ser até mais eficiente do que o sistema tradicional, o Swift bancário, que envolve intermediários, demora mais e ‘come’ um pouco dos recursos no processo”, diz Jacques Zylbergeld, superintendente de câmbio do banco Rendimento. “Existe também, atualmente, uma assimetria do IOF [entre remessas tradicionais e criptomoedas]. Com stablecoins, o custo é menor.”
Zylbergeld pondera, no entanto, que esse ainda é um mercado que traz dúvidas. “Não tem a tranquilidade de deixar os recursos em um banco trandicional. Hoje, se uma remessa do Swift é enviada errado, tem como pedir o retorno. Com stablecoins, não é assim. E não é um mercado ainda regulado no Brasil”, afirma.
Bancos como o Daycoval e o Rendimento estão de olho na regulamentação desse segmento para, eventualmente, começar a operar nele. O BC fez uma consulta pública sobre a contabilização de ativos virtuais, que se encerrou em agosto deste ano, e prepara uma regulamentação, considerando questões como a visibilidade dos valores enviados e a incidência de impostos.
Fonte: Valor Econômico

