Ainda que o ambiente inflacionário doméstico requeira cautela, as incertezas provocadas pela guerra comercial e seus possíveis efeitos negativos na atividade econômica global têm ganhado peso na avaliação dos participantes do mercado e aberto espaço para a hipótese de o ciclo de afrouxamento monetário no Brasil começar ainda em 2025. O cenário começou a se materializar na pesquisa realizada pelo Valor com mais de uma centena de instituições financeiras e também foi refletido no Relatório Focus divulgado ontem pelo Banco Central (BC).
A mediana da previsão dos economistas para a taxa Selic no fim de 2025 recuou de 15% para 14,75%, segundo o Focus apresentado ontem. A estimativa dos agentes para a Selic ao término do ano vinha se mantendo em 15% desde o dia 3 de janeiro. Com base no boletim, é possível inferir que os economistas esperam uma alta na Selic até os 15% e, na última reunião de 2025, um corte para os 14,75%.
O mesmo cenário foi capturado pela pesquisa feita pelo Valor na semana passada e publicada ontem. Aproximadamente um terço dos respondentes — 39 de 125 instituições — veem espaço para que o início do ciclo de afrouxamento monetário comece neste ano. Entre elas, algumas bastante relevantes, como os bancos Bradesco, J.P. Morgan, Bank of America e Safra.
O economista-chefe da Reag Investimentos, Marcelo Fonseca, defende que os vetores externos devem contribuir para uma distensão monetária já em 2025 e projeta um ciclo de flexibilização com início em novembro, que inclui duas reduções de 0,5 ponto na Selic. “O mundo e o Brasil vão enxergar uma desaceleração razoável da atividade. Até esperamos uma desescalada do ‘tarifaço’, porque é inviável que os EUA mantenham tarifas tão elevadas, mas as taxas finais ficarão mais altas do que antes e haverá um impacto significativo nas cadeias de suprimento.”
À medida que a desaceleração se materializar, o economista acha difícil que o Brasil não sofra os efeitos do processo de desaquecimento global. “Claro, existem fatores mitigantes no Brasil, que não são poucos. Há várias medidas fiscais e parafiscais que tendem a amortecer o impacto, mas a direção é no sentido de uma desaceleração. Além disso, o juro real está em quase dois dígitos. Já seria natural uma perda de fôlego. Estamos longe de um quadro de recessão, mas aquela sequência de surpresas positivas com a atividade ficou para trás”, afirma.
Ao contemplar um ambiente em que houve uma queda significativa dos preços do petróleo e uma apreciação forte do real, Fonseca vê espaço para que a autoridade monetária reduza o grau de restrição monetária. “É verdade que os núcleos de inflação continuam muito complicados, mas o BC mira a inflação cheia. E, mais importante, o modelo do próprio BC vai projetar uma inflação perto de 3,5% no horizonte relevante”, avalia.
O economista, assim, considera que a direção do Focus “está correta”. Em março, a Reag esperava que a Selic fosse ser mantida em 14,75% ao menos até o fim do ano. Agora, a gestora projeta uma elevação de 0,5 ponto nos juros nesta semana e o início dos cortes em novembro. “Mas não será um grande ciclo. A política fiscal é o grande tema que pode descarrilar os cortes de juros.”
Segundo o economista-chefe da Citrino Gestão de Recursos, Raí Chicoli, o início do processo dos cortes de juros no Brasil deve ocorrer mais perto do fim do ano e o vetor deve ser, primordialmente, externo. “A gente tem uma visão de atividade econômica menor nos EUA. Pelas tarifas e pela incerteza que a política tem produzido. Isso vai acabar ajudando esse vetor desinflacionário por aqui”, diz.
No entanto, as expectativas de inflação ainda estão desancoradas no Brasil e o país apresenta, atualmente, uma economia que vem trabalhando acima de seu potencial. Portanto o Comitê de Política Monetária (Copom), segundo Chicoli, não deve agir de modo antecipado à desaceleração da economia dos EUA. Para ele, seria necessário aguardar a materialização da perda de tração da atividade global e de seus possíveis efeitos no Brasil.
“É uma diretoria nova e não conhecemos, exatamente, qual é a função de reação dela durante os ciclos de cortes. Durante o aperto, foi bem ortodoxa. O ideal seria não repetir aquele erro de 2011 [durante a crise do euro, na gestão Tombini]. Não é porque acho que os EUA vão entrar em recessão que vou começar a cortar juros. É preciso ter cautela e ver a materialização dos eventos na economia. O Fed [Federal Reserve, banco central americano] deve ser cauteloso nesse processo e o BC deveria ser até mais, porque a nossa situação em termos de inflação é pior”, diz Chicoli.
Para a economista-chefe da Galapagos Capital, Tatiana Pinheiro, o Copom deve iniciar o ciclo de cortes na última reunião de 2025, com 0,5 ponto percentual. O cenário-base contempla mais duas elevações da Selic, para 15% em junho, antes do primeiro corte para 14,5% em dezembro.
Na visão da economista, três pilares fundamentam um início mais agressivo para os cortes do BC: o efeito contracionista do juro real (taxa Selic descontada da inflação), que está em torno de 9%; uma política fiscal comportada que impulsionará menos a economia; e um quadro externo desinflacionário para emergentes por conta da guerra tarifária provocada pelo presidente americano, Donald Trump.
“Se essas três premissas vigorarem no cenário, haverá um espaço maior para o começo dos cortes. Uma redução de 0,25 ponto percentual da Selic poderia representar, na margem, um aperto monetário”, defende Pinheiro, ao levar em conta o recuo potencial das expectativas de inflação no contexto mais benigno descrito por ela.
De acordo com a economista, o BC tem o nível de 15% para a Selic como teto do atual ciclo de aperto e chegará até ele de forma mais contida, a fim de acomodar as incertezas da conjuntura macroeconômica global. Depois disso, o efeito somado dos fatores domésticos e externos abrirá a oportunidade para uma flexibilização monetária mais intensa pelo BC até o fim de 2026, afirma. Para ela, a Pinheiro deve caminhar a 10,5% até o fim do ano que vem.
Fonte: Valor Econômico

