Por Larissa Garcia, Jéssica Sant’Ana e Lu Aiko Otta — De Brasília
26/06/2023 05h01 Atualizado há uma hora
O Conselho Monetário Nacional (CMN) se reúne na próxima quinta-feira para definir a meta de inflação de 2026 e, segundo a regra, pode aproveitar para rever os objetivos dos anos anteriores. Os sinais mais recentes da equipe econômica, contudo, indicam que a tendência é que seja mantido o patamar de 3% – com tolerância de 1,5 ponto percentual – para todos os períodos. O que está em discussão agora é se será implementado um horizonte mais flexível de cumprimento do objetivo.
Cresceu o receio entre agentes do mercado financeiro de que o governo voltasse a debater o nível da meta depois do comunicado mais duro do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, mas, segundo apurou o Valor, a avaliação da equipe econômica é isso não deve influenciar na discussão, que tem um aspecto “técnico”, sem a pretensão de reduzir a taxa Selic no curto prazo. Para mudar as metas já estabelecidas, seria necessário um decreto presidencial autorizando o CMN a fazer a alteração.
O BC manteve a taxa básica a 13,75% ao ano na quarta-feira passada e não indicou corte em agosto. O texto trouxe elementos de flexibilização do discurso, como a retirada do trecho sobre não hesitar voltar ao ciclo de aperto caso fosse necessário, mas repetiu que é preciso ter “paciência e serenidade” e acrescentou que o cenário segue demandando “cautela e parcimônia”. Além disso, o colegiado afirmou que a estratégia de manter a Selic elevada por mais tempo “tem se mostrado adequada”.
No início do ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticou algumas vezes a meta atual de inflação, de 3,25% para este ano e 3% para os anos seguintes e chegou a defender um patamar mais elevado, próximo de 4,5%.
Com isso, o mercado passou a precificar alguma elevação e as expectativas de inflação captadas pelo relatório Focus, levantamento divulgado pela autoridade monetária com agentes econômicos, ficaram maiores em períodos mais longos.
As projeções de analistas de instituições financeiras e consultorias ficaram estacionadas em 4% por um tempo e começaram a cair há um mês com a tendência de manutenção das metas.
Segundo uma fonte do Ministério da Fazenda que acompanha o assunto, o governo espera que as projeções do boletim Focus, que são utilizadas pelo Copom para tomada de decisão, caiam “imediatamente” após a manutenção da meta em 3%.
Sobre a mudança no horizonte de cumprimento, a chamada meta contínua foi amplamente defendida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e é um ponto de convergência com o Banco Central.
O diretor de Política Econômica, Diogo Guillen, escreveu um artigo sobre o tema, antes de assumir o posto, defendendo que o modelo de definição do objetivo para a inflação em ano-calendário seja abandonado.
Além disso, o assunto já é discutido internamente há muitos anos, desde a gestão de Ilan Goldfajn, antecessor de Roberto Campos Neto na autoridade monetária. Com a mudança, o BC passaria a perseguir o nível determinado para a inflação acumulada em 12 meses em um período mais flexível, que ainda não está claro se será de 18 ou de 24 meses. Atualmente, a definição é feita por ano-calendário.
A ideia é que o CMN não defina mais o percentual ano a ano nas reuniões de junho, como é feito hoje. Os 3% funcionariam como uma espécie de “meta estrutural”. Além de ser discutida no conselho, a mudança do horizonte da meta precisaria ser oficializada por meio de decreto presidencial. A última mudança no sistema ocorreu em 2017, quando foi estabelecido que o conselho definisse o percentual sempre para três anos à frente.
O abandono do ano-calendário é bem visto pelo mercado e apenas oficializaria uma prática já adotada pelo Copom. Como a política monetária age com defasagem, o BC entende que um movimento feito hoje nos juros só tem efeito seis trimestres à frente, ou 18 meses.
Outro argumento do governo para a adoção da meta contínua é uma recomendação do Fundo Monetário Internacional (FMI), já que a maior parte dos países adota horizontes mais longos – apenas o Brasil e a Tailândia usam o ano-calendário.
Em exercício feito por Marcelo Kfoury, professor de economia da FGV e ex-servidor do BC, se a meta for mantida em 3%, as expectativas de longo prazo devem convergir para 3,5% e permitir que os juros cheguem em 8,5% em 2026. Por outro lado, se o percentual for elevado, os juros ficariam em 9,5% e a inflação em 4% na mesma base de comparação.
“Uma discussão que parecia ter morrido [de mudar a meta] pode voltar. Fico preocupado se a marcação de posição do BC [com comunicado mais duro] não vai atrapalhar essa trégua que o Haddad conseguiu com o presidente Lula [sobre o percentual adequado]”, ponderou Kfoury.
José Francisco Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator e professor da USP, avalia que o governo deve manter a meta em 3% para evitar ruídos. “Implicitamente estamos empurrando o horizonte relevante [para política monetária] com a barriga há anos. Sobre possíveis mudanças, acho que assuntos de políticas monetária e fiscal devem ser debatidos sempre, não existe data marcada. O problema de deixar para um período menos turbulento é que o assunto sai do foco. Não acho que deixa o tema morrer”, disse.
Uma estrategista do mercado financeiro que preferiu não se identificar disse que se preocupa em como será feita a transição para a meta contínua e se o desenho flexibilizará em excesso o regime. “Há uma expectativa de que a meta contínua passe a valer a partir de 2026, mas como será feito em 2024 e 2025? Ainda está nebuloso”, pontuou.
Fonte: Valor Econômico

