Por Estevão Taiar, Valor — Brasília
24/08/2022 14h42 Atualizado há 18 horas
Apesar do intenso ciclo de alta de juros promovido pelo Banco Central (BC) desde o ano passado, dois outros fatores ainda foram os principais responsáveis pela deflação prévia agosto: as medidas adotadas recentemente pelo governo federal e pelo Congresso Nacional; os cortes no preço da gasolina promovidos pela Petrobras.
Algumas dessas medidas, no entanto, são consideradas pouco sustentáveis do ponto de vista fiscal por especialistas em contas públicas.
Conforme divulgado na manhã desta quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) de agosto foi negativo em 0,73%.
Assim, o indicador acumulado em 12 meses recuou de 11,39% em julho para 9,6% em agosto – o menor patamar desde agosto do ano passado, quando ficou em 9,30%.
Segundo o IBGE, somente o recuo no preço da gasolina foi responsável pela queda de 1,07 ponto percentual do IPCA-15 de agosto. Ou seja: sem o recuo no preço do combustível, o indicador teria ficado em patamar positivo.
No período de coleta das informações do IPCA-15, a Petrobras, em função da queda do preço do petróleo no mercado internacional, cortou duas vezes o preço da gasolina nas refinarias.
Um terceiro corte foi realizado dias após o fim do período de coleta, o que exercerá nova pressão baixista sobre o IPCA fechado de agosto.
Além disso, a poucos meses das eleições, governo federal e Congresso Nacional aprovaram uma série de medidas para baixar preços considerados essenciais.
Para ficar só no caso da gasolina, foram reduzidas as alíquotas do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e zeradas as alíquotas de PIS/Cofins e Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) sobre o combustível.
O problema é que o impacto dessas medidas sobre as contas públicas é, em muitos casos, considerado pouco sustentável. Conforme mostrou o Valor de hoje, os economistas Bráulio Borges e Manoel Pires, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), calculam que somente as medidas do lado da receita, nas quais estão as recentes desonerações, podem diminuir a arrecadação em até R$ 86 bilhões no ano que vem.
De qualquer maneira, os números do IPCA-15 de agosto mostram a dificuldade que o BC, o responsável por colocar a inflação na meta, vem encontrando. Desde março do ano passado, a autoridade monetária elevou a taxa básica de juros de 2% ao ano para 13,75% ao ano.
Também deixou aberta a possibilidade de “um ajuste residual”, de 0,25 ponto percentual, na próxima reunião. Formalmente, o BC mira 2023 (com meta de inflação de 3,25%) e, em menor grau, 2024 (3%) para conduzir a Selic neste momento.
Em ambos os casos, há intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Na prática, justamente por causa das desonerações, a autoridade monetária optou “por dar ênfase” à inflação acumulada em 12 meses que vai até o fim do primeiro trimestre de 2024.
Em relatório sobre o IPCA-15, o diretor do departamento de pesquisa econômica para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos, afirma que os números preliminares deste mês “não trazem conforto” à conjuntura inflacionária, “dadas as pressões inflacionárias altas e disseminadas entre os serviços e o resultado mais alto do que o esperado no grupo de preços determinados livremente”.
A inflação de serviços e os preços livres respondem mais à taxa de juros e à atividade econômica do que a média dos demais itens que compõem o IPCA.
No relatório, Ramos destaca negativamente o comportamento de: serviços subjacentes (ainda mais sensíveis à Selic e à atividade), que ficaram acima do esperado no mês passado; núcleos da inflação, que excluem itens com preços de comportamento mais volátil e que também ficaram acima do esperado, permanecendo estáveis em 10,54% no acumulado de 12 meses entre julho e agosto; índice de disseminação (que mede a quantidade de itens cujos preços subiram entre um mês e o outro) dos núcleos, alcançando 80%, contra 67,7% em julho e 75,4% em agosto do ano passado.
É possível observar alguns sinais, ainda tímidos, de que as elevações da Selic podem estar exercendo começando a exercer algum resultado sobre a inflação.
“A média dos núcleos desacelerou de 0,72% em julho para 0,56% em agosto, o terceiro mês seguido de redução e o resultado mais baixo desde maio de 2021. O mesmo pode ser dito do índice de difusão, que passou de 67,85% para 65,12%, quarto mês de queda, e dos serviços subjacentes, que passaram de 0,97% para 0,78%”, escreve Luis Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Banco Alfa.
Mas o melhor resumo da situação talvez tenha sido feito ontem pelo próprio presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto. Em evento promovido pelo Moneda Asset Management, ele disse que “a maior parte do trabalho do BC ainda não impactou os preços” e que “ainda há muito trabalho a fazer”.
Fonte: Valor Econômico

