O pessimismo em relação aos ativos financeiros chineses é grande, mas diante de um posicionamento técnico baixo, o mercado está sujeito a ralis. Embora boa parte das notícias negativas em torno da condução da política econômica já tenha sido embutida nos preços, o pior momento ainda não se materializou, já que os problemas de dívida de empresas de construção na China ainda estão sobre a mesa, avalia o economista-chefe da JGP, Fernando Rocha, em entrevista ao Valor.
A piora na percepção do profissional deriva de duas semanas de viagens feitas a Pequim, Hong Kong e Cingapura. “Eu esperava coisas mais positivas do que eu ouvi, principalmente na China, mas a sensação é de que a crise no mercado imobiliário deve levar vários anos para ser digerida e que a quantidade de empresas em dificuldade e que ainda estão operacionais é muito grande”, diz.
Na visão de Rocha, o excesso de dívida em algumas empresas deve pesar na economia à frente. Além disso, o economista cita outro problema, no aspecto geopolítico, ao notar que a competição com os Estados Unidos “atingiu um nível muito alto” e que parece mobilizar recursos internos para o desenvolvimento de tecnologia em solo chinês. “É uma verdadeira corrida tecnológica para superar os EUA.”
“O governo não parece disposto a salvar empresas privadas com dificuldade e a ideia é de que muitas companhias não vão sobreviver e de que o mercado vai ser dominado pelas estatais e por algumas privadas maiores que, talvez, continuem em pé. Não parece que vamos ter uma política ‘bazuca’, que volte a inflar a bolha. A estratégia parece ser a de digerir a dívida e os excessos e tolerar um crescimento mais baixo por causa disso”, avalia Rocha.
Nesse sentido, o economista acredita que as medidas que têm sido anunciadas pelas autoridades chinesas recentemente devem apenas atenuar os efeitos recessivos, sem estimular a economia de forma vigorosa.
Ao falar especificamente sobre os grandes problemas de endividamento na China, Rocha lista dois setores: o de construção e o segmento que abarca sociedades de propósito específico (SPEs) criadas por governos regionais para investimentos em infraestrutura. “A maior parte dos projetos não é lucrativa e essas empresas hoje não são financeiramente estáveis e têm uma dívida grande, que começa a maturar. O problema é que a dívida dessas empresas é considerada quase como soberana. Se acontecer o default de uma dessas empresas, é possível que se espalhe um certo pânico pela economia.”
Uma das estratégias que têm circulado nas especulações de participantes do mercado na Ásia, de acordo com Rocha, é a de pedir a rolagem dessa dívida pelos bancos estatais chineses, para que eles estendam o prazo da dívida. “Isso pesaria na economia, geraria um crescimento mais baixo e poderia gerar questionamentos sobre uma possível ‘japanificação’ da economia chinesa”, aponta o economista, ao se referir a um sistema financeiro potencialmente mais frágil, no qual os bancos, por rolarem a dívida das empresas de construção e de SPEs, não conseguiriam prover estímulos à economia.
Assim, na percepção do profissional da JGP, a economia chinesa deve enfrentar um crescimento menor à frente e pode lidar com um “overhang” (excesso) de dívida e que precisará ser digerido ao longo do tempo. “Isso indica uma economia mais fraca. Temos visto esforços para entregar casas, mas depois, provavelmente, a tendência é de que a demanda pelo minério arrefeça. Esse aspecto, para o Brasil, é mais negativo”, diz Rocha. “Parece que a demanda [por minério] está se sustentando um pouco no curto prazo, mas vejo vetores negativos no futuro.”
Embora ressalte diversas preocupações com os rumos da economia chinesa, o profissional observa, porém, que é baixa a chance de que a China sofra uma grave crise financeira. “Um cenário generalizado de default não vai ocorrer. A China deve conseguir estancar o problema de alguma forma. Já estão trabalhando no sentido de que não haja uma grande crise. Eu temia um cenário de bola de neve, porque o setor de construção chega a 25% do PIB chinês, mas as medidas adotadas servem para evitar um colapso. O problema é que dificilmente daqui um ano vai estar tudo bem. Isso não vai acontecer.”
Fonte: Valor Econômico

