Por Stella Yifan Xie — Dow Jones Newswires, de Hong Kong
28/09/2023 05h04 Atualizado há 4 horas
A gigantesca bolha imobiliária da China estourou, mas apesar da prolongada crise do mercado, os preços ainda não caíram muito. Isso se deve em parte aos controles de preços que muitas cidades chinesas impuseram às moradias nos últimos dois anos para manter os valores estáveis. Agora, a China começa a flexibilizar essas regras – com consequências imprevisíveis.
Em dezenas de cidades, os governos locais proibiam as incorporadoras de oferecer descontos de 10% a 15% ou mais sobre moradias não vendidas. Em algumas cidades, as autoridades impuseram também um piso aos preços de venda de casas já existentes.
Nas últimas semanas, reportagens publicadas nos meios de comunicação estatais argumentaram que talvez possa ser a hora abandonar essas políticas e algumas cidades começaram as afrouxá-las. Na terça-feira, a cidade de Chengdu, no sudoeste chinês, removeu as restrições de preços para projetos em terrenos recém-vendidos em áreas centrais e abandonou os preços orientados pelo governo para moradias já existentes.
Um recuo maior dos preços mínimos poderia ajudar as incorporadoras a limpar seus estoques de propriedades não vendidas e obter receitas para pagar suas dívidas consideráveis, preparando o terreno para uma possível recuperação.
Mas isso também poderia expor os proprietários chineses a quedas maiores nos preços das moradias, afetando a confiança do consumidor em um momento de fraco crescimento – podendo desestabilizar o sistema financeiro.
Cerca de 96% das famílias urbanas da China possuíam um apartamento em 2019, segundo o banco central do país. E para muitos, suas casas são seu maior ativo financeiro. “A coisa lógica a se fazer é permitir uma queda maior nos preços e deixar que o mercado alcance um novo equilíbrio”, diz Yao Wei, economista-chefe do Société Générale para a China. “Mas essa é uma escolha arriscada e há um grande grau de incerteza sobre como as coisas vão se desenrolar.”
Os preços médios das novas moradias nas 100 maiores cidades chinesas caíram 0,2% em termos anuais em agosto e quase não mudaram em relação ao mesmo período comparável de dois anos atrás, enquanto os preços das moradias já existentes caíram 2,4% ao ano, segundo dados da China Index Academy, consultoria especializada no mercado imobiliário.
Em comparação, os preços das moradias nos EUA caíram quase 20% entre 2006 e 2008. Mercados como Phoenix, Las Vegas e São Francisco registraram quedas de mais de 30% num determinado momento da crise financeira.
Economistas afirmam que os mecanismos de preço mínimo da China evitam quedas maiores porque muitos compradores e vendedores não querem fazer negócios quando não conseguem avaliar as propriedades pelo seu real valor de mercado. Com isso, muitas propriedades estão encalhadas.
Dados privados mostram que as vendas de moradias das 100 maiores incorporadoras da China caíram 34% ao ano em agosto, estendendo uma queda que vem desde abril. Os efeitos da desaceleração afetam a economia, deprimindo os gastos com consumo e a atividade no setor da construção.
A regra dos preços mínimos é um legado dos esforços de Xi Jinping para controlar um mercado imobiliário que se transformou numa enorme bolha nos anos que levaram à pandemia de covid-19. Inicialmente, o governo exigiu que as incorporadoras buscassem aprovação sobre os preços de venda, antes que elas pudessem vender novas unidades – uma medida destinada a evitar que elas aumentassem demais os preços.
Quando o mercado imobiliário chinês mergulhou em uma grande recessão no fim de 2021, Pequim ordenou às cidades que garantissem a continuidade do desenvolvimento do mercado imobiliário a um ritmo “estável e saudável”. As autoridades locais de muitas cidades – principalmente as menores – responderam em parte impedindo as incorporadoras de reduzirem os preços muito abaixo dos valores originais registrados por elas junto ao governo.
Enquanto algumas cidades estabeleceram os pisos em 10% a 15% abaixo dos preços originais, outras deixaram os detalhes vagos, proibindo as incorporadoras de realizarem “cortes mal-intencionados de preço”, sem especificar o que isso significava.
Recentemente, Pequim emitiu sinais indicando que não há problema em as cidades flexibilizarem ou abandonarem os pisos dos preços, em conjunto com outras medidas que o governo central adotou para apoiar o mercado, como a redução das taxas de juros.
O “China Real Estate Business Weekly”, jornal do Ministério da Habitação e Desenvolvimento Urbano e Rural da China, publicou um editorial em 20 de agosto, conclamando as autoridades locais a eliminar os pisos de preços.
“As incorporadoras deveriam ter permissão para realizar o autorresgate via promoções de redução de preços, para levantar recursos o mais rápido possível”, dizia o artigo. Outros artigos publicados na imprensa estatal emitiram posicionamentos parecidos.
Alguns analistas do setor recuaram, afirmando em outros meios de comunicação que seria perigoso demais remover os pisos.
Pelo menos uma dúzia de outras cidades afrouxaram recentemente as restrições aos preços, sob certas circunstâncias.
As incorporadoras estão ansiosas para que os preços mínimos caiam. Elas têm dívidas de centenas de bilhões de dólares que vencem neste ano – e precisam de receitas. As incorporadoras chinesas tinham mais de 313 milhões de m2 de empreendimentos residenciais não vendidos em agosto, um aumento de 20% ao ano, segundo dados oficiais. Isso representa cerca de 3,5 milhões de moradias, com base no tamanho médio de uma casa de cerca de 90 m2.
Economistas dizem que é difícil saber quanto os preços cairiam se os pisos fossem removidos de uma forma mais ampla, uma vez que a China nunca passou por uma recessão imobiliária antes. Mas qualquer queda envolveria riscos.
“O pior cenário é as pessoas continuarem em cima do muro por acreditarem que os preços cairão mais”, diz Jens Presthus, diretor-associado da consultoria Global Counsel. “Isso tende a ser uma tendência que se autorreforça.”
O banco ANZ, em relatório deste mês, alertou para o risco de os preços caírem muito mais, desencadeando liquidações e jogando o mercado numa espiral de queda.
Se os valores dos imóveis caírem 30% na China – tanto quanto caíram em Tóquio e Hong Kong durante recessões passadas -, cerca de 12% da carteira de empréstimos imobiliários do país de US$ 5,3 trilhões, que representam cerca de US$ 640 bilhões em hipotecas, teria um patrimônio líquido negativo, o que significa que as propriedades valeriam menos do que suas hipotecas. Se os preços caírem pela metade, cerca de 51% das hipotecas ficariam negativas.
Nos EUA, quase um terço de todos os proprietários de casas com financiamentos imobiliários ficaram com patrimônio negativo logo depois da crise financeira segundo a Zillow.
“O patrimônio negativo poderá pegar as famílias e as autoridades desprevenidas” na China, alerta a ANZ. “Qualquer efeito bola de neve resultante disso poderia ter consequências imprevisíveis.”
Fonte: Valor Econômico

