16 Nov 2023 JORGE CARRASCO COM NYT e AFP
Um ano após última conversa e num momento de turbulência global, o presidente chinês, Xi Jinping, e o americano Joe Biden se encontraram ontem nos EUA. Eles fecharam acordos importantes, como a retomada da comunicação entre militares dos dois países, uma das negociações mais aguardadas.
Distanciamento Último encontro entre os líderes ocorreu durante cúpula do G-20 em Bali, em novembro de 2022
Os presidentes Joe Biden e Xi Jinping alcançaram ontem acordos em áreas importantes, como a retomada das comunicações entre militares, na reunião dos líderes para reduzir as tensões entre EUA e China. O aguardado encontro foi o primeiro em um ano e ocorreu à margem da cúpula anual do Fórum de Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (Apec), na Califórnia.
Em entrevista coletiva após o encontro, o líder americano disse que as conversações com Xi trouxeram “progressos importantes” na estabilização da relação e prometeu que os dois tentariam resolver divergências futuras “pegando no telefone” em vez de pressionarem suas nações à beira do conflito.
Os acordos de ontem incluem a redução da produção ilícita de fentanil, um diálogo intergovernamental sobre inteligência artificial e um pacto para enfrentar conjuntamente o aquecimento global.
Mas a retomada das comunicações entre os Exércitos era uma das negociações mais aguardadas. Pequim cortou a comunicação militar direta com os EUA em agosto de 2022, quando a então presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, fez uma visita oficial a Taiwan em uma demonstração de apoio a Taipei.
Segundo o New York Times, os EUA esperam que o secretário de Defesa americano, Lloyd Austin, estabeleça em breve um canal com seu equivalente chinês assim que ele for nomeado, até que o contato seja retomado nos níveis inferiores, incluindo entre os comandantes no Pacífico.
No início da reunião, Biden e Xi defenderam a redução das tensões entre seus países. No seu discurso de abertura, depois de apertar a mão de Xi, Biden lembrou que os dois se conhecem há muitos anos e nem sempre concordaram, mas acrescentou: “Receber você nos EUA é uma grande honra e um prazer”.
“O planeta Terra é grande o suficiente para ambas as superpotências”, disse Xi, por sua vez. Segundo o líder chinês, seus países são muito diferentes, mas deveriam ser “totalmente capazes de superar essas diferenças”. “Acredito firmemente no futuro promissor da relação bilateral”, disse ele.
Mais de quatro horas depois da conversa, considerada por Biden “a mais construtiva e produtiva” entre os dois, muitas questões ainda ficaram em aberto. Taiwan continua a ser o maior ponto de discórdia entre as duas nações. “Estamos numa relação competitiva, entre China e EUA. É disso que se trata, encontrar um lugar onde possamos nos reunir e tratar interesses mútuos”, disse.
O Ministério das Relações Exteriores chinês, por sua vez, afirmou que Xi concordou com o restabelecimento da comunicação direta entre seus Exércitos, mas alertou Biden que os EUA devem “parar de armar Taiwan”. “O lado americano deveria apoiar a reunificação pacífica da China”, disse Xi, segundo resumo da chancelaria chinesa sobre a reunião.
Após meses de negociações diplomáticas delicadas e em meio a um cenário internacional em ebulição, Xi viajou aos EUA para o encontro cuidadosamente coreografado que aconteceu em uma casa histórica próxima do câmpus de Stanford, na Califórnia.
DITADOR. Tanto para Xi quanto para o presidente americano a reunião ocorreu em um momento crucial. Faltando apenas um ano para as eleições presidenciais americanas, a popularidade de Biden está em declínio, enquanto seu mandato corre o risco de ficar marcado pelas guerras em Gaza e na Ucrânia. A China, por sua vez, passa por seu período mais frágil economicamente da última década, à medida que os atritos regionais aumentam e o potencial produtivo nacional fica para trás quando comparado com outras nações como a Índia. O último encontro entre os líderes ocorreu em novembro de 2022, durante a cúpula do G-20, em Bali. À época, promessas de maior cooperação bilateral proporcionaram um clima efêmero de reconciliação. O comprometimento de ambas nações, contudo, foi submetido a várias provas.
Os líderes trocaram acusações duras, com Xi acusando os EUA de aspirarem conter e reprimir a China, e Biden se referindo a Xi como um “ditador”. Ontem, depois de responder a perguntas dos jornalistas e quando já estava de saída, Biden reiterou a declaração. Quando uma jornalista perguntou se ele ainda considerava o líder chinês um ditador, o americano respondeu: “Bem, veja, ele é”. •
A concentração de gases de efeito estufa na atmosfera, responsável pelas mudanças climáticas, atingiu níveis recordes em 2022, uma tendência crescente que não parece se reverter, alertou ontem a Organização das Nações Unidas (ONU). No ano passado, as concentrações médias globais de dióxido de carbono (CO2), o principal gás de efeito estufa, ultrapassaram pela primeira vez em 50% os índices pré-industriais.
A preocupação ambiental também levou Estados e China a ratificar ontem um acordo climático, às vésperas da cúpula da ONU. No caso do CO , a concentração só pode ser comparada ao registrado há 3 a 5 milhões de anos, quando a temperatura era de 2 a 3 graus mais alta e o nível do mar estava entre 10 e 20 metros mais elevado. Tudo indica que essa tendência continuou este ano e deve persistir no futuro próximo, de acordo com novos dados divulgados pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), braço científico das Nações Unidas.
O boletim anual de gases de efeito estufa tem tom de preocupação. As concentrações de metano e os níveis de óxido de nitrogênio também atingiram níveis recordes em 2022 e registraram o maior aumento anual já observado. “Apesar de décadas de advertências da comunidade científica (…), continuamos na direção errada”, afirmou o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas.
PARIS. O objetivo do Acordo de Paris, de 2015, o mais ambicioso até hoje, é limitar o aquecimento global a menos de 2 graus Celsius desde a era préindustrial, e a 1,5ºC, se possível. Segundo um relatório anterior da ONU, a temperatura média do planeta em 2022 já estava 1,15ºC acima da era préindustrial. “O nível atual de concentrações de gases de efeito estufa nos leva a um aumento das temperaturas muito acima das metas do Acordo de Paris”, alertou Taalas.
Em paralelo a esse aumento de temperaturas, haverá mais fenômenos climáticos extremos, como ondas de calor, inundações, derretimento de glaciares e elevação e acidificação dos oceanos, explicou o meteorologista finlandês que liderou a OMM nos últimos oito anos e que passará o cargo para sua sucessora nas próximas semanas, a argentina Celeste Saulo. “As condições meteorológicas se tornarão mais extremas e testemunharemos um forte aumento nos custos socioeconômicos e ambientais”, acrescentou o responsável da OMM.
O dióxido de carbono, responsável por cerca de 64% do efeito de aquecimento do clima, provém principalmente da queima de materiais fósseis e da produção de cimento, segundo a OMM. Levando em consideração a vida útil do CO2, o aquecimento já observado persistirá por várias décadas, mesmo que as emissões líquidas sejam reduzidas rapidamente a zero. “Não há uma varinha mágica para remover o excesso de dióxido de carbono”, disse Taalas.
EUA E CHINA. Os Estados Unidos e a China, que respondem por 38% do efeito estufa no mundo, concordaram em enfrentar conjuntamente o aquecimento global, aumentando a energia eólica, solar e outras energias renováveis, com o objetivo de substituir os combustíveis fósseis, conforme um informe oficial do Departamento de Estado americano antes do encontro entre os presidentes Joe Biden e Xi Jinping.
As declarações de cooperação divulgadas separadamente pelos Estados Unidos e pela China não incluem uma promessa da China de eliminar gradualmente seu pesado uso de carvão, o combustível fóssil mais sujo, nem de parar de liberar e construir novas usinas a carvão. Este tem sido um ponto de discórdia para os Estados Unidos em meses de discussões com Pequim sobre as mudanças climáticas.
Mas ambos os países concordaram em “dedicar esforços para triplicar a capacidade de energia renovável no mundo todo até 2030”. Esse crescimento deverá atingir níveis elevados o suficiente “para acelerar a substituição da produção de carvão, petróleo e gás”, afirma o acordo. Ambos os países preveem “uma redução absoluta significativa das emissões do setor energético” nesta década, afirma o acordo. Esta parece ser a primeira vez que a China concorda em reduzir as emissões em qualquer setor de sua economia.
O acordo chega duas semanas antes de representantes de quase 200 países se reunirem em Dubai como parte das negociações climáticas das Nações Unidas conhecidas como COP 28. Os Estados Unidos e a China têm um papel descomunal a desempenhar enquanto as nações debatem se vão eliminar gradualmente os combustíveis fósseis.
No início deste mês, John Kerry, enviado climático de Biden, reuniu-se com seu homólogo chinês, Xie Zhenhua, em Sunnylands, na Califórnia, para lançar as bases para o acordo. “Os Estados Unidos e a China
reconhecem que a crise climática tem afetado cada vez mais países no mundo todo”, afirma a Declaração de Sunnylands. “Ambos os países sublinham a importância da COP 28 na resposta à crise climática durante esta década crucial e mais além” e se comprometem “a enfrentar um dos maiores desafios do nosso tempo para as gerações presentes e futuras da humanidade”.
Como parte do acordo, a China anuiu em estabelecer metas de redução para todas as emissões de gases do efeito de estufa. Isso é significativo porque o atual objetivo climático chinês considera só o dióxido de carbono, deixando de fora o metano, o óxido nitroso e outros gases que atuam como um cobertor em torno do planeta. •
Concentração só pode ser comparada ao registrado há 3 a 5 milhões de anos, em um mundo mais quente
Fonte: O Estado de S. Paulo

