Por Dow Jones — Nova York
09/05/2023 12h58 Atualizado há 22 horas
Companhias ocidentais estão procurando desesperadamente um substituto para a China como o novo “chão de fábrica do mundo”, uma estratégia amplamente denominada como “China plus one” (“China mais um”).
A Índia está fazendo um esforço concentrado para se tornar esse “mais um”. Apenas ela tem a força de trabalho e um mercado interno comparável em tamanho ao da China e já ultrapassou o vizinho como país mais populoso do mundo, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).
Os governos ocidentais veem a Índia democrática como um parceiro natural e o governo de Nova Déli vem se esforçando para tornar o ambiente de negócios mais amigável do que no passado. O país obteve uma vitória com a decisão da Apple de ampliar significativamente a produção do iPhone no país.
Os sinais de que a Índia está mudando são visíveis nos extensos parques industriais de Sriperumbudur, uma cidade no Estado de Tamil Nadu, no sul. Empresas estrangeiras no local há muito produzem automóveis e eletrodomésticos para o mercado indiano. Elas agora estão ganhando a companhia de corporações multinacionais que fabricam produtos que vão de painéis solares e turbinas eólicas a brinquedos e calçados, todas em busca de uma alternativa à China.
Em 2021, a Vestas da Dinamarca, uma dos maiores fabricantes de turbinas eólicas do mundo, construiu duas novas fábricas em Sriperumbudur. Suas seis linhas de montagem agora produzem adaptadores, sistemas de propulsão e outros componentes que ficam empilhados em um pátio de armazenamento para serem enviados para o mundo todo.
As previsões de que a Índia em breve se tornará o segundo maior mercado mundial de turbinas levaram à expansão da Vestas. Mas este também foi um esforço consciente de diversificação para se afastar da China (que abrigava a maior parte da produção na região), especialmente depois dos repetidos lockdowns resultantes da política de tolerância zero da China com a covid-19. A afirmação é de Charles McCall, que supervisionou a expansão como diretor sênior da Vestas Assembly India. “Não queremos todos os nossos ovos em um único cesto na China.”
Alguns dos fornecedores da Vestas aderiram ao movimento. A fabricante americana TPI Composites, que molda lâminas de turbinas de 80 metros, costuma chamar atenção na Índia à medida que os produtos são transportados pelas rodovias do país. Ela cresceu significativamente na Índia mesmo reduzindo as operações na China. Em algum momento, 85% dos fornecedores da Vestas estarão na Índia, segundo McCall, que recentemente deixou a companhia.
A China ainda supera todos os outros países em questão de manufatura, uma posição que ela consolidou quando multinacionais fizeram uma mudança em massa para o país depois que ingressou na Organização Mundial do Comércio (OMC) em 2001. Mas uma lista crescente de fatores levaram as empresas a buscar uma alternativa. O primeiro deles foi o aumento dos custos com a mão-de-obra na China e a pressão do governo chinês pela transferência de tecnologia para os concorrentes chineses. Depois, houve os impostos criados pelo ex-presidente americano Donald Trump sobre as importações chinesas em 2018, os lockdowns da covid-19 entre 2020 e 2022, e agora um esforço dos governos ocidentais de dissociar economias locais da China.
Muitos países estão competindo para ser o “mais um”, com Vietnã, México, Tailândia e Malásia em uma disputa intensa.
A Índia ainda precisa superar problemas antigos que a mantiveram como um pequeno participante nas cadeias de suprimentos globais. A força de trabalho continua em grande parte pobre e não qualificada, a infraestrutura é pouco desenvolvida e o ambiente de negócios, incluindo as regulamentações, pode ser oneroso. O setor manufatureiro continua pequeno em relação ao tamanho da economia da Índia.
Mesmo assim, após décadas de resultados ruins, a Índia vem obtendo progressos. As exportações de manufaturados representaram apenas um décimo das da China em 2021, mas superaram as de todos os outros mercados emergentes, com exceção do México e do Vietnã, segundo dados do Banco Mundial.
Os maiores ganhos da manufatura indiana vêm sendo obtidos no setor de produtos eletrônicos, onde as exportações triplicaram desde 2018 para US$ 23 bilhões nos 12 meses até março. A Índia passou de uma participação de 9% no mercado mundial de smartphones em 2016 para projetados 19% este ano, segundo a consultoria Counterpoint Technology Market Research.
Os investimentos externos diretos na Índia ficaram em média em US$ 42 bilhões ao ano entre 2020 e 2022, dobrando em menos de uma década, segundo números do banco central.
Desde que a China declarou uma amizade “sem limites” com a Rússia na véspera da invasão da Ucrânia no ano passado, os EUA e aliados intensificaram os esforços para reduzir a dependência da China. Por meio do “friendshoring”, os EUA estão “fortalecendo a integração com nossos muitos parceiros comerciais confiáveis – incluindo a Índia”, disse a secretária do Tesouro Janet Yellen em uma visita ao país em fevereiro.
Nenhuma empresa personifica melhor a aposta na Índia como a próxima China, do que a Apple. Nos últimos 15 anos a companhia construiu uma cadeia de suprimentos de última geração quase que totalmente na China para a produção de seus laptops, iPhones e acessórios. A presença da empresa ajudou todo o setor industrial chinês.
A companhia sediada na Califórnia vem montando os modelos mais baratos do iPhone na Índia desde 2017 e começou a produzir lá seu mais novo iPhone 14 semanas após o lançamento no ano passado. O JP Morgan estima que um quarto de todos os iPhones serão produzidos na Índia até 2025.
As autoridades indianas torcem para que a presença da Apple estimule outras empresas a irem para o país. “Muitas vezes você tem empresas-âncora que estabelecem a tendência”, disse em uma entrevista o ministro do Comércio e Indústria, Piyush Goyal. “Acreditamos que isso enviará um forte sinal para outras companhias na Europa, América e Japão”.
A Apple vem pressionando os fornecedores para se diversificarem além da China, depois que muitos sofreram com a paralisação da produção durante os lockdowns da covid. Enquanto isso, aumentam as tensões geopolíticas entre os EUA e a China, além de entre Pequim e Taiwan, onde a Foxconn Technology Group, principal fornecedora da Apple, tem sua sede.
A Foxconn deverá aumentar a produção de iPhones na unidade que possui perto da cidade indiana de Chennai. Ela almeja aumentar a produção do iPhone para cerca de 20 milhões de unidades anuais até 2024, e triplicar o número de trabalhadores para até 100.000, segundo publicou o “The Wall Street Journal”. Um porta-voz da Apple não quis comentar.
A índia obteve progressos na superação de algumas barreiras aos negócios. Em 2014, o primeiro-ministro Narendra Modi anunciou o “Make in India”, um esforço para aumentar a produção industrial. A Índia digitalizou muitos serviços do governo e acelerou a construção de ferrovias, aeroportos, portos de embarque de contêineres e geração de eletricidade.
Apesar de todo esse progresso, não está claro se isso é suficiente para diferenciar a Índia. Jules Shih, diretor em Chennai da TAITRA, a agência de promoção comercial de Taiwan, disse que a Índia tornou-se um lugar mais fácil para fazer negócios, mas em muitos aspectos ela ainda fica atrás de outros países.
Pode levar mais tempo para se conseguir terrenos e aprovações para a construção de uma fábrica na Índia, e obter vistos para técnicos, gerentes e engenheiros estrangeiros é um processo demorado, segundo Shih. “Sentimos que eles não têm um objetivo uniforme integrado via agências, para fazer o Make in India acontecer mais rapidamente”, afirma ele.
Algumas empresas consideram oneroso o processo de reivindicação de incentivos ligados à produção. A gigante tecnológica sul-coreana Samsung está discutindo com as autoridades o valor desse desconto. Um porta-voz da Samsung da Índia disse que a companhia está comprometida em ser uma parceira da Índia e trabalhar para fazer do plano um sucesso.
A escassez de mão-de-obra começa a aparecer em centros industriais indianos, segundo autoridades locais e empresas. Isso porque, ao contrário da China, muitos trabalhadores relutam em mudar para longe de onde nasceram para procurar emprego. Os sindicatos são mais fortes na Índia do que na China.
Fonte: Valor Econômico

