Se já no fim do ano passado parecia difícil para o Banco Central (BC) reduzir a Selic para um nível abaixo de 9%, o cenário neste início de ano tem indicado que, cada vez mais, a chance de a taxa de juros visitar um patamar bem mais baixo “está ficando para trás”. “Com atividade econômica e mercado de trabalho muito fortes; talvez, no máximo, três cortes de juros nos Estados Unidos; e pressões na inflação de serviços, parece ser complicado para o BC entregar uma taxa tão baixa quanto se esperava”, afirma Denis Ferrari, gestor de renda fixa da Kinea Investimentos.
Em sua carta referente a março, antecipada ao Valor, a Kinea avalia o que esperar para a reta final do mandato de seis anos de Roberto Campos Neto à frente da autoridade monetária e, na visão da gestora, uma taxa de 9% no fim do atual ciclo de flexibilização “nos parece irrealista no momento”. “O cenário mais provável nos parece um corte adicional de 0,5 ponto [em maio], seguido de ajustes menores, com taxa ‘terminal’ esperada na casa de 9,5%.”
O cenário projetado pela gestora contrasta com o consenso dos economistas de mercado, que indica uma Selic de 9% neste ano, de acordo com o Boletim Focus. A curva de juros, contudo, sofreu ajuste relevante desde o início do ano e embute nos preços, no momento, uma Selic em torno de 9,75% no fim do ciclo de cortes.
Os motivos para o viés mais cauteloso vêm, sobretudo, do forte desempenho da atividade econômica e de temores quanto à possibilidade de um diferencial de juros muito baixo. Na carta, a Kinea aponta que seu “tracking” para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre já mostra um número em torno de 0,9%, o que indicaria um nível de atividade bem mais forte que o esperado. “E essa atividade mais forte também é representada por um forte crescimento da renda real e um surpreendente desempenho do mercado de trabalho.”
A Kinea nota, contudo, que a consequência de uma atividade mais resiliente e de um mercado de trabalho forte “tem sido uma reversão de tendência de queda dos núcleos inflacionários, particularmente no setor de serviços”. Se o conjunto com atividade, inflação e mercado de trabalho resilientes no Brasil já seria suficiente para uma prudência maior com a trajetória de queda dos juros, na visão da Kinea esse cenário se mostra ainda mais desafiador diante da revisão nas perspectivas de cortes nas taxas de juros nos EUA, o que reduz o diferencial de juros a níveis historicamente baixos.
“Não basta uma crença em uma variável muito incerta – como os juros neutros – para pré-determinar um ciclo de juros em piloto automático. Se a economia se mostra resiliente a uma taxa de juros ainda elevada, talvez esse próprio equilíbrio tenha mudado”, avalia a gestora na carta de março.
Na visão de Ferrari, os juros de curto prazo no mercado já parecem ter precificado esse cenário. A Kinea, no momento, não tem posições em juros locais no Brasil e tem preferido alocar mais na renda fixa internacional. “Temos convicção maior sobre cortes de juros nas economias maduras. Mas vale a pena ficar tomado [apostar na alta das taxas] no Brasil hoje? Acho que não. Não é o caso de ficar ‘tomado’, mas também não é o caso de ter grandes exposições. Não vejo uma assimetria muito positiva hoje.”
Fonte: Valor Econômico

