Será que os EUA estão condenados a ter uma repetição da eleição passada? Se qualquer um dos dois partidos retirasse seu candidato principal da corrida provavelmente teria a vitória garantida nas eleições do próximo ano. Embora Joe Biden e Donald Trump sejam ambos impopulares, os EUA parecem estar resignados a uma repetição monótona, mas aterrorizante, de 2020. A esta altura, o fator mais provável — ou o menos implausível — que poderia impedir isso é a atípica republicana Nikki Haley.
A ex-governadora da Carolina do Sul não é moderada, como às vezes é rotulada de forma equivocada. Haley imporia um mandato de cinco anos aos servidores públicos, enviaria forças especiais dos EUA ao México e faria um corte drástico na previdência social. Ela acredita que Biden é fraco em relação à Rússia, China e Hamas. No entanto, o conteúdo de sua plataforma eleitoral é irrelevante. Qualquer um parece moderado em comparação a Trump. Pelo simples fato de não ser Trump, Haley teria perspectivas imensamente melhores de derrotar Biden do que o próprio Trump.
O problema para ela é que Trump ainda é o favorito incontestável à indicação. Ainda assim, as probabilidades de que Haley surpreenda não são tão remotas quanto parecem. Dinheiro não é um problema. Nesta semana, o grupo financiado pelo bilionário Charles Koch deu seu endosso a Haley. Nos últimos dias, ela tem somado apoios para as primeiras, e cruciais, disputas pela indicação presidencial, em Iowa e New Hampshire. Em contraste com seus dois principais concorrentes além de Trump, Haley dividiu seus recursos entre os dois Estados. Ron DeSantis, governador da Flórida, apostou tudo no “caucus” de Iowa. Chris Christie, ex-governador de Nova Jersey, colocou suas fichas em New Hampshire.
Haley está empatada com DeSantis em Iowa e à frente de Christie em New Hampshire. Se ela terminasse atrás apenas de Trump em ambos os Estados, poderia ganhar impulso em seu Estado natal, a Carolina do Sul, onde ocorre a terceira primária, em fevereiro. Nesse ponto, a pressão de doadores e da mídia para que DeSantis e Christie desistam se tornaria séria. O outro concorrente, Vivek Ramaswamy, que se tornou bilionário por méritos próprios, está almejando de maneira tão caricata ser o companheiro de chapa de Trump que sua base de seguidores — rapidamente encolhendo — provavelmente não importaria.
Em contraste, quase todos os votos de Christie e alguns de DeSantis iriam para Haley. Na verdade, esse resultado é provável. DeSantis, apelidado pelo “New York Post”, de Rupert Murdoch, como DeFuture (“O Futuro”, em jogo de palavras em inglês), parece cada vez mais DePast (O Passado). Já a oposição de Christie a Trump é demasiado fundamentada em seu potencial como coringa. A estratégia dele era baseada em provocar Trump e atraí-lo ao palco do debate, o que não conseguiu.
Haley, por sua vez, navegou com habilidade tanto entre os eleitores “Trump Nunca” quanto entre os da base “Maga” (sigla em inglês de um dos lemas de Trump, “Tornar os EUA Grandes de Novo”). No primeiro debate republicano, ela ergueu a mão quando os candidatos foram questionados se apoiariam Trump caso ele fosse o indicado. Também disse que estaria inclinada a perdoar Trump se fosse eleita presidente. Isso dá uma aparência de plausibilidade à sua reivindicação de que ela representaria o trumpismo, mas sem o caos.
O momento crítico chegaria nas eleições primárias da chamada “Super-Terça”, marcadas para o início de março. O número de delegados em disputa nas primárias iniciais é trivial. A Super-Terça é quando Trump esperaria garantir o grande prêmio. Se saísse dessa grande disputa sem consegui-lo, ficaria gravemente ferido. Nesse ponto, Haley recordaria aos republicanos que ela seria capaz de derrotar Biden por uma tranquila margem de diferença. Trump, por outro lado, ainda estaria representando o papel de grande vítima.
Haley também teria o calendário jurídico a seu favor. Os roteiristas de “EUA – Sexta Temporada” poderiam ser acusados de estar forçando a credibilidade a esta altura, mas é concebível que Trump seja condenado penalmente antes da eleição geral.
O dia anterior à Super-Terça, 4 de março, é o primeiro dia do julgamento de Trump em Washington pela invasão do Congresso em 6 de janeiro de 2021. A ele se seguirá de imediato o julgamento de Trump em Nova York por ter pago dinheiro a uma atriz pornô em troca de seu silêncio. Os outros dois — na Flórida sobre documentos confidenciais do país e na Geórgia sobre sua tentativa de reverter o resultado da eleição presidencial no Estado — poderiam começar em algum momento no meio da campanha.
A agenda legal de Trump estará tão lotada que ele terá pouco tempo para realizar seus grandes comícios. As pressões financeiras sobre ele também estarão aumentando. Haley, que é totalmente maleável, teria espaço para oferecer a Trump um acordo no qual ele se retiraria da corrida em troca de um perdão. Esse, de forma resumida, seria o caminho dela para o grande prêmio.
Seria irreal atribuir números às chances dela. Elas não são altas. Vale ressaltar, contudo, que os EUA não morrem de amores por ver outro confronto entre Trump e Biden. O fato de Haley ter assumido mais de uma posição em diversos temas poderia ser um problema. Mas ela é uma política; sabe-se que isso acontece. É precisamente a maleabilidade de Haley que a tornaria perigosa para Biden na eleição geral. Isso deixa os democratas na incômoda posição de temer Trump e ao mesmo tempo ter que torcer por ele.
Fonte: Valor Econômico

