Com menores incertezas domésticas em 2024 – ainda que presentes, sobretudo nos temas fiscais -, a sustentação de riscos globais deve pautar boa parte das projeções macroeconômicas para o Brasil e o mundo no ano, principalmente no que diz respeito ao câmbio e à atuação do Banco Central. Por aqui, a desinflação deve continuar, mas apenas até o fim do ano, tornando as perspectivas para o BC mais desafiadoras. É o que aponta o Santander Brasil no documento “Proposições Macro 2024?”, antecipado a Valor.
“Estaremos em um ano repleto de notícias e eventos mais associados à política do que à economia, mas que, obviamente, trazem rescaldos para o lado econômico”, afirma Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander Brasil.
A eleição presidencial nos Estados Unidos será polarizada e ainda é rodeada de incertezas, que podem implicar diferentes conduções para a política econômica, mas, principalmente, para a geopolítica, diz Vescovi. “A geopolítica vai predominar em 2024 em termos de fontes de incertezas e riscos”, afirma. Eleições polarizadas e incertas nos EUA, somadas a uma perspectiva geopolítica “mais confusa”, acrescenta, devem trazer volatilidade aos mercados.
A “tese geral” do Santander para o ano em relação à política monetária global é que as economias avançadas, incluindo os EUA, vão iniciar um processo de redução de juros, mas isso deve ocorrer mais para o fim do primeiro semestre, segundo Vescovi. “Então, vai haver uma tentativa de conter expectativas muito otimistas no sentido de uma redução”, afirma.
Esse será um tema importante também para o Banco Central do Brasil, devido aos reflexos do diferencial de juros entre o país e os EUA, aponta. “O nosso tema sobre política monetária em 2024 é quanto nós seremos restringidos ou impulsionados pela atuação do Fed”, diz, em referência ao Federal Reserve, banco central americano.
A dinâmica do dólar, também relevante para o BC, é um grande ponto de incerteza, segundo Vescovi. “Se, realmente, houver muita agitação em torno de temas geopolíticos, junto com a eleição nos EUA, podemos ter uma renovação de riscos e incertezas globais e um fortalecimento geral do dólar”, afirma. Para o BC brasileiro, diz, isso significaria limitações a uma maior desinflação de bens, por exemplo, e uma resistência maior dos patamares inflacionários.
“Isso é um fator importante. No geral, acho que o nosso BC está super bem posicionado. Mas vai ter de, realmente, esperar um pouco o processo iniciar nas economias avançadas, porque impacta e interfere. E isso nos leva a crer que o BC vai ter um olho bem apurado sobre a economia internacional em 2024”, afirma a economista.
Reajuste salarial deve estimular retorno da taxa de participação ”
A extensão e a intensidade do ciclo da política monetária brasileira em 2024 também serão ditadas, claro, pelo processo de desinflação local, diz Vescovi. “Ele vai continuar, a gente não tem dúvida, mas essa desinflação vai parar por aqui em 2024 e vai deixar um desafio extra para o BC, que é reancorar as expectativas em função de uma nova fase, que seria chegar ao centro da meta mais rápido”, afirma.
Um esperado afrouxamento, ainda que suave, do mercado de trabalho deve contribuir para desinflação adicional no setor de serviços ao longo do ano, segundo Vescovi. “E vemos, nos termos relativos, a desinflação de bens contribuindo mais. Então, preços relativos também continuam devolvendo aqueles choques e desequilíbrios da pandemia”, afirma.
“Mas acho que, depois de 2024, vai ficar mais difícil realmente. Acho que ali vamos enxergar um fim do processo de desinflação, dada a dinâmica atual”, afirma Vescovi.
A apreciação recente do real, diz, tende a ajudar a dinâmica de preços dos bens industriais, mas, até o fim do ano, o Santander espera, na verdade, uma depreciação do real ante o dólar, por causa da continuidade do arrefecimento de preços de commodities – ainda que não homogênea, com o petróleo, por exemplo, voltando a subir no segundo semestre – e dos riscos fiscais domésticos.
As principais mudanças na direção da política fiscal já foram implementadas em 2023; ainda assim, Vescovi afirma que 2024 deve ser um ano de mais cautela. “Agora, todo o mercado está observando o resultado das medidas aprovadas de receita e o que pode vir de novo na tentativa de fortalecer a arrecadação”, diz a ex-secretária do Tesouro Nacional.
Além disso, a discussão sobre a mudança da meta de resultado primário deve tomar conta daqui até o primeiro semestre do ano, prevê a economista. “Tem a questão da meta, muito perto do contingenciamento, já com envio da LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias] para 2025 e da nova meta para 2025. Essas expectativas fiscais vão estar sendo muito mexidas já no início do ano”, afirma.
A mudança da meta de primário está precificada pelo mercado, mas como isso será feito importa, segundo Vescovi. “Se vai resistir ao máximo para fazer a mudança e se será comedido; se será capaz de mostrar uma trilha de cumprimento; se o governo tiver condições de implementar também, do lado dos gastos, alguma contenção, ou, pelo contrário, se vai começar a reativar mecanismos parafiscais… Isso vai fazer diferença sobre as expectativas”, afirma.
Menos do que ser a frente de geração de incertezas e volatilidades ano mercado, os debates fiscais no Brasil vão provocar mais ou menos ruído a depender do cenário externo, diz Vescovi. “Se o cenário internacional estiver mais comportado, podemos ter menos ruído. Se estiver mais acirrado, provavelmente, vai ampliar ruídos.”
O Santander também espera que a oferta de trabalho, representada pela taxa de participação no mercado, que foi historicamente baixa em 2023, volte a se recuperar neste ano, já que o reajuste real de salários favoreceria a busca por emprego em comparação a transferências governamentais.
“Estamos vendo essas transferências passando por revisão. Dando que vamos ter salários evoluindo positivamente, mas as transferências nem tanto, começa a ter um incentivo maior ao mercado de trabalho”, diz Vescovi, ponderando que nem toda a ociosidade na participação será recuperada.
O mercado de trabalho deverá apresentar afrouxamento maior em 2024, o que já começou a aparecer no fim de 2023, mas os salários ainda devem contribuir com crescimento real, segundo Vescovi. “Esse vai ser um componente importante para explicar o consumo do ano”, afirma.
Esse consumo, diz, será fator importante para o PIB em 2024, que vai apresentar uma desaceleração cíclica em relação a 2023. Além da valorização real do salário mínimo, Vescovi cita algum impulso com os precatórios. Para o Santander, o estímulo via esses pagamentos pode até, eventualmente, tirar o PIB do negativo no primeiro trimestre de 2024. O cálculo, segundo Vescovi, é de um impacto aproximado de 0,3 ponto percentual positivo no PIB. “Nem todo o precatório vai para consumo, porque apenas uma parcela é de INSS e pagamentos de menor valor”, pondera.
Fonte: Valor Econômico

