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Dólar fraco, preços de commodities comportadas e de bens industriais em queda estão entre os fatores que compuseram um cenário externo favorável à inflação brasileira e beneficiaram a condução da política monetária do Copom em 2025. Para o próximo ano, essa ajuda parece bem menos provável.
A edição de novembro do Boletim Macro Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) traz o alerta sobre uma mudança de direção dos ventos e que o exterior poderá dificultar o trabalho do Banco Central – ainda que não seja determinante da definição sobre o juros domésticos.
O cenário de juros nos Estados Unidos é um exemplo. “O Federal Reserve esta numa encruzilhada. Há um descasamento entre a economia, que vai bem, e o mercado de trabalho, que está desacelerando. Normalmente eles andam de mão dada, mas não é o que ocorre desta vez. Então é uma inflação que não explode, mas também está longe de voltar à meta”, diz o pesquisador José Julio Senna, que assina o editorial do boletim com Silvia Mattos e Samuel Pessôa.
Esse descasamento tem alimentado a divisão dentro do Fed, ameaçado a perspectiva sobre o corte de juros em dezembro – antes dada como praticamente certa – e provocado grandes flutuações nas apostas de investidores sobre o resultado do próximo encontro do BC americano. Na sexta-feira, 21, os participantes de mercado viam 73,5% de probabilidade de uma nova redução dos juros na próxima reunião, segundo dados compilados do CME Group a partir dos futuros dos fed funds. No dia anterior, a probabilidade era de 39,1%.
Outro ponto de interrogação sobre o exterior em 2026 é o fato de que o bom momento economia americana tem sido puxado principalmente pelos investimentos no setor de tecnologia e pelo consumo das famílias. Este último, no entanto, sustentado justamente pelo efeito riqueza gerado pelo boom dos mercados acionários americanos, especialmente pelas ações de tecnologia.
“Então você tem esse movimento circular em que algumas empresas são ao mesmo tempo supridoras, investidoras, estão no centro de tudo. Antes, as maiores ações estavam espalhadas por diferentes setores – petroleiras, os bancos, as empresas de telecomunicações… Agora, tudo é tecnologia”, nota Senna. “Além disso, os investimentos das chamadas ‘Sete magníficas’, que costumava ser bancado sobretudo com caixa próprio, agora estão sendo feitos com alavancagem, dado o volume necessário de recursos para construir novos data centers. E a alavancagem é o problema fundamental das bolhas.”
O ex-diretor do BC cita um artigo escrito recentemente pela ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI) Gita Gopinath, em que ela estima que, caso as bolsas americanas sofram um baque semelhante ao da bolha “dot.com” do início dos anos 2000, as perdas mundiais podem atingir a casa de US$ 35 trilhões.
O grande desafio para o início dos cortes de juros é o trabalho”
Por fim, vem o enfraquecimento da moeda americana. Ainda que um dos pilares desse ajuste se mantenha no radar – a percepção, por parte do governo do presidente Donald Trump de que um dólar forte é o motivo pelo desequilíbrio da balança comercial dos EUA -, fato é que a depreciação do dólar praticamente cessou a partir de abril, o que coloca dúvidas sobre novas rodadas de desvalorização adiante, diz. Nesse cenário, diz, dúvidas renovadas sobre o afrouxamento da política do Fed também passam a jogar contra essa percepção entre investidores.
Embora o humor lá fora esteja mudando, a percepção do Ibre, no entanto, é que os fatores locais continuarão a pesar mais sobre o futuro da política monetária doméstica.
“Não deve ajudar, nem atrapalhar”, resume o sócio da BRGC e pesquisador do Ibre, Lívio Ribeiro, que se diz preocupado com três fatores domésticos. Primeiro, que os analistas de mercado têm projetado uma alta mais forte do desemprego em 2026 – para perto de 7%, na média anual. “Achamos que ele fica mais estável, perto de 6% e, por isso, também não vemos grande desaceleração da economia – trabalhamos com PIB de 1,8%.”
Em segundo, continua, estão as estratégias de expansão da demanda agregada por fora do Orçamento – como crédito subsidiado, garantias do Tesouro Nacional, linhas específicas e outros instrumentos -, medidas sobre as quais não se consegue estimar precisamente o impacto sobre a atividade. Por último, o cenário eleitoral e o risco de o atual governo ampliar as “criatividades” caso cresçam as perspectivas de derrota em outubro. “Neste caso, cria-se um ambiente em que o espaço para o corte responsável de juros fica muito pequeno”, alerta.
Coordenadora do Boletim Macro, Matos também chama atenção para a questão do emprego. “O grande desafio para o início dos cortes de juros é o trabalho. O mais importante hoje, do ponto de vista desinflacionário, é gerar redução do crescimento dos salários nominais, que estão crescendo até 8% no setor de serviços. E uma alta muito acima da produtividade. Só que a desaceleração econômica necessária para se gerar esse resultado é muito forte, uma recessão mesmo. E não é o que temos visto, pelo contrário.”
O Ibre revisou seus números e agora espera uma expansão ligeiramente menor no terceiro trimestre de 0,1%. Mas também vê o PIB desacelerar pouco de 2025 para 2026 – de 2,0% para 1,8%.
Pessôa, que é pesquisador do Ibre e chefe de pesquisa econômica do BTG Pactual, tem visão diferente. Em sua avaliação, o grau de contração monetária está tão elevado que há espaço para a Selic cair de 15% a 12% mesmo se o câmbio ficar de lado ou até subir ligeiramente.
Ele concorda que o vai definir os limites da queda da Selic não será a dinâmica externa, mas a forma como o processo político e eleitoral vai tratar do fiscal e a dinâmica eleitoral. Nas contas do BTG, no entanto, o impulso fiscal do próximo ano não será na mesma magnitude de episódios passados. O gasto primário já descontado da inflação deve ter crescimento real de 3% entre 2025 e 2026, nas contas do BTG, número bem abaixo da expansão de quase 9% registrada entre 2022 e 2023.
Ao mesmo tempo, é preciso saber se medidas parafiscais, como os R$ 20 bilhões para a faixa 4 do Minha Casa, Minha Vida ou o crédito consignado privado, vão, de fato, deslanchar. “A gente vive um ciclo monetário muito longo, que comprometeu muito a renda das famílias. E por isto apostamos em um crescimento mais baixo ano que vem, de 1,5%. Um pouso suave”, diz. “Agora, vai haver, de qualquer forma, deterioração nas métricas de contas públicas no primeiro semestre. É é preciso entender como o mercado e as pesquisas eleitorais vão reagir a essa mudança.”
Para Senna, o cenário externo pode dificultar, mas o que definirá a atuação do BC serão os fatores domésticos e seus impactos sobre as projeções de inflação.
“Diante de tantos fatores, o arcabouço do regime de metas de inflação prescreve olhar para a meta intermediária, a projeção oficial de inflação, que é quem combina melhor todas essas informações”, diz Senna.
Atualmente, a projeção da autoridade monetária para o horizonte relevante – segundo trimestre de 2027 – mostra um IPCA em 3,3%, ou seja, ainda acima do centro da meta. Mas tal projeção é feita com base na trajetória de juros da pesquisa Focus, que estima um ciclo de cortes de 2,75 pontos percentuais da Selic, continua o pesquisador do Ibre. Simulando o modelo do BC com os juros básicos parados em 15%, o IPCA volta à meta.
“O que sugere este resultado? Que cortando os juros da maneira como pensa o mercado, a inflação não cai como deveria. Por outro lado, se manter a Selic no atual patamar, o BC consegue atingir seu objetivo apesar de todos os ventos contrários – política fiscal, exterior ou eleições.”
Fonte: Valor Econômico

