Por Victor Rezende e Gabriel Roca — De São Paulo
25/07/2022 05h02 Atualizado há 11 minutos
O Banco Central do Brasil está em uma situação pior que a do Federal Reserve (Fed) e de outros bancos centrais de países avançados, avalia Paulo Vieira da Cunha, ex-diretor do Banco Central e sócio da consultoria Verbank Advisors. “O mercado está começando a falar de 14%. Acho que chega nesse nível, mas mais importante que isso é a indicação de que o juro vai seguir nesses níveis por um bom tempo. Não vejo contexto para uma reviravolta na taxa de juros no ano que vem”, afirma.
Em entrevista ao Valor, ele aponta que a política fiscal tem atrapalhado o efeito da política monetária. “Há quem defenda dizendo que a arrecadação subiu e que isso abre espaço para mais gastos, mas existe uma série de elementos que são temporários, frutos da própria aceleração inflacionária. Essas medidas oportunísticas e populistas, mal dirigidas contra a pobreza, deixarão um legado muito problemático”, diz. O ex-diretor do BC, assim, nota que alguns investidores, mesmo os que miravam prazos mais longos, têm começado a ficar mais preocupados com o aumento da incerteza.
Valor: Temos visto, nos últimos meses, os bancos centrais atuarem de forma diferente de sua comunicação prévia. Isso prejudica a credibilidade dos bancos centrais?
Paulo Vieira da Cunha: O mundo está mudando muito rapidamente e isso prejudica a comunicação dos bancos centrais, porque, obviamente, quando eles se reúnem, vão reagir ao que está na mesa, aos dados e como eles veem a situação naquele momento. De certa forma, vão descontar muito o cenário anterior e buscar um novo. Por isso, as orientações, muitas vezes, têm sido mais amplas. O melhor é que os bancos centrais estejam certos, mas também é importante, para manter a credibilidade, que haja uma reação. Quando acontece algo novo, você não pode voltar ao que já tinha dito, mas sim revisar as projeções e tratar o que aconteceu como um fenômeno novo.
O BC tem feito belo trabalho, mas está correndo atrás da inflação. A política fiscal tem sido muito má”
Valor: Como o senhor tem visto a atuação do Banco Central do Brasil no contexto atual?
Vieira da Cunha: Acho que, para variar, o Banco Central do Brasil está em uma situação pior. Se você observar o Relatório de Inflação, ele trabalha com um cenário de IPCA de 4% no ano que vem. Isso não vai acontecer. Na próxima reunião, os modelos vão mostrar que a inflação deve ficar próxima a 5% ou até acima disso. Isso significa uma dosagem maior de juros. O mercado está começando a falar de Selic a 14%. Acho que chega nesse nível, mas mais importante que isso é a indicação de que o juro vai seguir nesses níveis por um bom tempo.
Valor: E quando pode haver um espaço para redução dos juros?
Vieira da Cunha: Não vejo contexto para uma reviravolta na Selic no ano que vem. Pode acontecer um começo de ciclo de cortes, mas vai depender muito da situação. O BC tem feito um belo trabalho, mas está correndo atrás da inflação. O BC está trabalhando na direção contrária do governo. A política fiscal tem sido muito má. Há quem defenda dizendo que a arrecadação subiu e que isso abre espaço para mais gastos, mas existe uma série de elementos que são temporários, frutos da própria aceleração inflacionária. Essas medidas oportunísticas e populistas, mal dirigidas contra a pobreza, deixarão um legado muito problemático, e o responsável é o governo.
Valor: As discussões fiscais recentes têm gerado algum estresse nos ativos brasileiros…
Vieira da Cunha: Está muito claro que o centro de gravidade que nós tínhamos por um tempo – de que, no fim, o Congresso seria fiscalmente responsável – está mudando. Tem muita gente preocupada de que há um novo padrão fiscal, que desrespeita certas normas, que parece que veio para ficar. Isso aumenta o risco Brasil. Eu sinto que o BC deveria estar rodando os modelos e mostrando como a inflação reage a uma piora fiscal. Estamos em um cenário de piora fiscal e, portanto, com uma transmissão para a incerteza e para a inflação mais alta. Isso exige uma taxa de juros maior. O Tesouro está com dificuldade de colocar papel de mais longo prazo. Já foram dois ou três leilões que não deram certo A situação não é boa.
Valor: Alguns investidores estrangeiros já têm demonstrado cautela adicional com o Brasil?
Vieira da Cunha: As pessoas com quem eu falo, principalmente investidores de renda fixa, estão muito preocupadas. Existiu um período em que o investidor que tinha uma perspectiva de longo prazo e carteiras gigantescas continuava favorecendo o Brasil, mas toda essa fala negativa do governo prejudicou muito. Até aquele investidor que estava com uma perspectiva de médio, longo prazo está mais reticente. E a Faria Lima, pelo que eu ouço, voltou a seus períodos de negativismo. Com razão.
Valor: O ambiente brasileiro também está inserido em um mundo bastante desafiador, com discussões sobre aperto monetário e recessão nas principais economias…
Vieira da Cunha: Este ciclo é totalmente atípico. Em média, um ciclo econômico nos EUA dura cerca de cinco anos, mas este não tem nada a ver com isso. Por trás da inflação, há um aspecto relevante, que foi uma tremenda injeção fiscal, com auxílio às famílias que foi direto para a conta bancária e aumentou até a poupança, que é, em parte, uma das razões pelas quais a fortaleza do consumo continua. Claro que o principal elemento da inflação está nos choques de oferta, mas a combinação dos fatores é algo importante. A economia americana ainda vai bem do ponto de vista de atividade e emprego, mas, por outro lado, o PIB está sofrendo pelo lado comercial, já que a demanda doméstica nos EUA é suprida, em grande parte, pelas importações, e isso explica, cada vez mais, o pessimismo que as pessoas têm com o PIB do segundo trimestre. Em última instância, o PIB determina tudo. Você está com descompasso no qual o Fed pode atuar com muita força sobre a demanda agregada, quando o PIB já está desacelerando de forma relevante, e aí os EUA já estão em recessão. É algo complicado, mas inevitável no atual contexto.
Valor: A qual nível o Fed precisará elevar os juros nos EUA?
Vieira da Cunha: Eu trabalho com três cenários. O primeiro é ruim e tem pouca probabilidade, que abarcaria choques contínuos que desestabilizariam as expectativas de inflação e o Fed hesitaria em seguir o aperto, e aí os EUA entrariam em um estado de estagflação. O segundo cenário é benigno e é mais otimista, já que nele a desaceleração da Europa e da China já faria parte do trabalho do Fed e assim os juros precisariam chegar a 3,5% no início do ano que vem. Grandes bancos têm trabalhado com esse cenário, mas acho que ele também tem baixa probabilidade de acontecer. Na minha opinião, existe um terceiro cenário, de maior probabilidade, em que a inflação já deve ter gerado alguma indexação embutida e as expectativas não devem se ajustar tão facilmente. Sinto que o Fed tem trabalhado bem, especialmente na sua comunicação, mas vai precisar continuar, apesar desse efeito meio preocupante do PIB. Ele deve levar esses juros para 4%, 4,5% e estacionar nesse nível por um bom tempo antes de começar a cortar.
Valor: O mercado chegou a discutir um aumento de 1 ponto nos juros americanos nesta semana. Seria positivo dado o contexto atual?
Vieira da Cunha: Seria um erro se ele acelerasse agora o ritmo para 1 ponto por pressão do mercado. Acho que ele vai entregar uma alta de 0,75 ponto, porque se ele não der vai desestabilizar o mercado de Treasuries, mas acredito que, na próxima reunião, devem diminuir o ritmo de volta para 0,5 ponto.
Valor: Esse contexto recessivo pode fazer o Fed pausar o ciclo antes de os juros alcançarem os 4%?
Vieira da Cunha: As principais casas daqui acham que o Fed para de subir os juros em torno de 3,5% e que fará isso porque acredita que já deu a dose necessária e tem de começar a esperar o juro fazer efeito. É uma pressão muito grande e o [presidente do Fed, Jerome] Powell tem resistido. Ele tem sido muito claro de que, na atual conjuntura, a inflação é o problema número 1, mas isso não deve ser uma opinião unânime dentro do Fed.
Fonte: Valor Econômico

