Após meses de negociações, o plenário da Câmara vota nesta quarta-feira (1º) uma das principais promessas de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O projeto que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) para R$ 5 mil mensais é praticamente unânime entre os deputados na forma, mas deve apresentar divergências importantes no conteúdo. O desafio do governo é garantir a aprovação do texto sem grandes mudanças nas compensações, ou seja, na taxação de contribuintes de alta renda em benefício da população mais pobre.
O projeto foi o tema principal de um almoço de Lula com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), na terça-feira (30). O governo conta com uma tramitação relativamente rápida no Senado para que as novas regras tributárias comecem a valer já em 2026.
Estrategicamente escolhido como relator da proposta na Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) disse que algumas divergências persistem, especialmente sobre o formato das compensações. Em um almoço com a Frente Parlamentar do Agronegócio, na terça, ele afirmou que ainda iria analisar emendas enviadas pelos colegas e fazer reuniões para decidir o que ainda pode entrar ou sair do parecer.
“A discussão que nós temos que fazer claramente é sobre o que cabe ainda no texto, o que é possível colocar responsavelmente, como é que a gente garante que Estados e municípios não percam uma arrecadação já na fonte; como a gente pode proteger setores importantes como a agricultura e construção civil; como não cobrar de fundos soberanos que fazem investimentos estruturantes no Brasil. Enfim, todo esse leque”, disse Lira.
Ele também questionou os colegas da bancada do agronegócio sobre eventuais excepcionalidades de alguns profissionais na taxação extra de quem ganha mais de R$ 600 mil anuais. “Nós vamos querer excepcionalizar advogado, engenheiro, arquiteto ou nós vamos encontrar outra solução? Essa é uma discussão de partidos, líderes e plenário, de maneira bem transparente”, completou o relator.
Lira chamou a atenção, no entanto, para o cuidado que a Câmara deve tomar para não aprovar um texto que venha a ser questionado mais adiante, como aconteceu recentemente com a “PEC da blindagem”, arquivada de forma unânime pelo Senado. “A única coisa que eu venho pedindo da Câmara é que tenha responsabilidade para a gente não levar um ‘croc’, sabe, aquele cascudinho? Então, vamos tomar a decisão e vamos enfrentar o discurso sem medo”, alertou.
A grande dúvida que paira sobre a votação do texto está nas emendas que serão apresentadas em plenário. Há, por exemplo, expectativa de que a oposição vá tentar ampliar a faixa de isenção para R$ 10 mil, o que praticamente inviabiliza o projeto. A tendência, contudo, é que tal iniciativa não tenha respaldo dos partidos do Centrão, que estão interessados na aprovação da matéria para “limpar” a imagem negativa que ficou após a aprovação da “PEC da blindagem”.
Entre as emendas já apresentadas, muitas buscam indexar a tabela do IR da pessoa física à variação do IPCA. Com isso, todo ano, a faixa de isenção total e parcial do IR seriam corrigidas pela inflação. A equipe econômica é contra, pelo seu impacto fiscal. Há, ainda, emendas para adiar para 2027 o início da retenção de 10% sobre os dividendos remetidos ao exterior. O texto do governo e o relatório de Lira preveem o início da cobrança a partir de janeiro de 2026.
Outra sugestão de mudança, encaminhada pelo deputado Claudio Cajado (PP-BA), busca criar um adicional de 5% na Contribuição sobre o Lucro Líquido (CSLL) cobrada das instituições financeiras com resultado superior a R$ 1 bilhão por ano, de forma a aumentar a faixa de isenção parcial do IR para R$ 7.590, ante os R$ 7.350 propostos por Lira.
A expectativa inicial era de que o projeto fosse aprovado na Câmara ainda no primeiro semestre, mas a pauta acabou contaminada – e até mesmo interditada – por discussões sobre a anistia aos condenados por tentativa de golpe de Estado.
Como forma de pressão, a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE) aprovou na semana passada um projeto alternativo, que poderia “atropelar” a Casa vizinha. Rival declarado de Lira, o presidente da CAE, senador Renan Calheiros (MDB-AL), disse que decidiu pautar a proposta em razão da “lentidão”.
Também na terça, presidentes e lideranças de partidos de esquerda reuniram-se para cobrar a aprovação da matéria e demonstrar o alinhamento desse campo político nesta e em outras pautas. A cobrança é justamente para que seja aprovado o relatório de Lira com a compensação acordada com o Ministério da Fazenda.
Todos afirmaram que a base governista terá votos suficientes para rejeitar emendas da oposição para constranger o governo com uma faixa de isenção maior do que R$ 5 mil. “A gente espera que a matéria seja aprovada da mesma forma como foi aprovada na comissão especial”, afirmou Taliria Petrone (Psol-RJ), líder da federação Psol-Rede.
Ela lembrou que a mudança vai favorecer cerca de 20 milhões de brasileiros, alcançando também quem ganha até R$ 7,3 mil – já haverá descontos progressivos nessa faixa. Acrescentou ainda que a compensação vai recair sobre “apenas 140 mil pessoas do andar de cima”. (Colaboraram Sofia Aguiar e Renan Truffi)
Fonte: Valor Econômico


