Por Martin Arnold e Guy Chazan, Valor — Financial Times, de Frankfurt e Berlim
01/03/2023 15h16 Atualizado há 18 horas
O Bundesbank, banco central da Alemanha, sofreu uma perda de 1 bilhão de euros em suas grandes posições em bônus e alertou que futuras perdas acabariam com suas reservas financeiras restantes, no momento em que lida com o impacto dos juros mais altos.
Joachim Nagel, presidente do Bundesbank, disse nesta quarta-feira em uma coletiva de imprensa, realizada para apresentar seu relatório anual em Frankfurt, que o dano foi, “em última análise, o resultado da política monetária extraordinariamente expansiva dos últimos anos”.
O Bundesbank comprou 1 trilhão de euros em títulos de dívida, principalmente do governo alemão, desde 2015 como parte dos programas de compra de títulos do Banco Central Europeu (BCE), que recebeu repetidas vezes o voto contrário do antecessor de Nagel, Jens Weidmann.
A escala das compras do banco central elevou os preços dos títulos, o que significa que muitos deles passaram a render taxas negativas. Essas taxas negativas – e a recente onda de aumentos nas taxas de juros do BCE – significam que o banco está sendo pressionado pela crescente diferença entre os juros que paga aos bancos comerciais sobre seus depósitos e o que ele ganha com os bônus. O Bundesbank absorveu o déficit de 1 bilhão de euros no ano passado, aproveitando as reservas acumuladas nos anos anteriores.
As perdas esperadas nos próximos anos “provavelmente” excederão suas provisões restantes de 19,2 bilhões de euros e seu capital de 2,5 bilhões de euros. Ele pretende retardar o impacto sobre seus lucros carregando as perdas para que elas sejam compensadas com lucros futuros.
Daniel Gros, um pesquisador do “think-tank” Center for European Policy Studies, estima que o banco central alemão sofrerá perdas de 193 bilhões de euros com seus investimentos em bônus soberanos na próxima década, mais do que qualquer outro banco central nacional da zona do euro.
Analistas alertaram que anos de sucessivas perdas poderão abalar a credibilidade conquistada a duras penas pelo Bundesbank. “As críticas públicas vão aumentar”, disse Ulrike Neyer, professor de economia monetária da Heinrich Heine University Düsseldorf. “Primeiro, porque não haverá pagamentos ao governo. Segundo, porque as pessoas poderão argumentar que a independência do banco central está ameaçada. No entanto, acho que essas críticas não são totalmente justificadas.”
Uma contestação legal das compras de títulos ainda está pendente no tribunal constitucional da Alemanha.
“A inflação e as futuras perdas por depreciação que resultarão da política monetária do BCE – adotada em violação de seu mandato – serão o último prego no caixão da prosperidade da Europa e o fim do euro”, disse Alice Weidel, presidente adjunta do partido de direita Alternativa Eurocética para a Alemanha, ou AfD. “E ninguém poderá dizer que não foi avisado.”
Nagel minimizou as perdas, afirmando que o Bundesbank poderá “lidar” com elas. “Essas dificuldades passarão e depois começaremos a ter lucros novamente.” Ele acrescentou que, embora o balanço do Bundesbank esteja “sólido” e não exija uma injeção de capital, a deterioração de seu desempenho financeiro terá um efeito indireto sobre as receitas do governo alemão.
Ao longo da última década, o banco central distribuiu mais de 22 bilhões de euros de seus lucros para o governo. A ausência de dividendos do Bundesbank ocorre no momento em que as finanças do governo alemão também estão sob pressão dos juros mais altos.
O ministro das Finanças alemão, Christian Lindner, alertou esta semana que os juros anuais que o país paga sobre suas dívidas aumentaram dez vezes em dois anos – de 4 bilhões de euros para 40 bilhões de euros. “Isso é dinheiro que não pode ser gasto em outro lugar”, disse ele ao jornal alemão “Bild Zeitung”.
“Por muito tempo os ministros das finanças da Alemanha lucraram com as taxas de juros baixas”, disse Frank Schäffler, parlamentar do partido FDP, pró-negócios, que Lindner lidera. “Agora o bumerangue está voltando – não só em termos de custos com juros muito maiores no orçamento, mas na ausência de lucros no Bundesbank. Não existe almoço grátis.”
Peter Boehringer, parlamentar do AfD e ex-presidente da comissão de orçamento do Bundestag, o Parlamento alemão, disse: “Há muito tempo o AfD critica o fato de que o Bundesbank não independente tornou-se um joguete nas mãos dos interesses de terceiros e é por isso que estamos exigindo que a Alemanha se retire do Eurosystem [a autoridade monetária da zona do euro]”.
A maioria dos analistas acha que os déficits não deveriam importar. “Lucros são sempre melhores do que perdas”, disse Jörg Krämer, economista-chefe do Commerzbank. “Mas vários bancos centrais deixaram claro no passado que poderiam operar até mesmo com o patrimônio líquido negativo, contanto que sua credibilidade junto à população se mantivesse intacta.”
Fonte: FT / Valor Econômico
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