Quase dois anos depois que o Reino Unido deixou a União Europeia (UE), os economistas chegaram a um consenso: o Brexit piorou consideravelmente o desempenho econômico do país.
Há um consenso entre os economistas de que a decisão de deixar o bloco único tornou as famílias mais pobres, que as empresas reduziram os investimentos diante das incertezas para os negócios e que as novas barreiras comerciais prejudicaram os laços econômicos entre o Reino Unido e a UE.
Embora economistas e autoridades não concordem com a magnitude exata do efeito Brexit, eles o consideram grande. Também concordam que os novos acordos comerciais, com países como Austrália, e as liberdades regulatórias obtidas com a saída do bloco não chegam nem perto de compensar os danos.
Andrew Bailey, presidente do Banco da Inglaterra (o banco central britânico), disse aos parlamentares na semana passada que o BC prevê que o Brexit causará “uma redução no longo prazo no nível de produtividade de pouco mais de 3%” – sendo que a maior parte disso já aconteceu. “Não mudamos nossa opinião sobre isso até agora”, disse ele.
A Agência de Responsabilidade Orçamentária (OBR), um órgão fiscalizador, estima que a economia do Reino Unido acabará 4% menor do que de seria sem o Brexit – um golpe anual de 100 bilhões de libras por ano sobre a prosperidade -, deixando as finanças públicas menos sustentáveis em parte devido a um “impacto adverso significativo sobre o comércio do Reino Unido”.
Algumas ex-autoridades foram ainda mais longe. “Coloque da seguinte maneira: em 2016 a economia britânica tinha 90% do tamanho da economia da Alemanha. Agora, esse número é inferior a 70%”, disse o ex-presidente canadense do Banco da Inglaterra Mark Carney.
Carney foi muito criticado por usar essa estatística, com Jonathan Portes, professor de economia e políticas públicas do King’s College London, afirmando que a contração aparentemente dramática deriva de oscilações cambiais e não do Brexit. Mas Portes também admitiu que não há dúvida de que os efeitos negativos do Brexit podem ser vistos nos dados econômicos do Reino Unido e em trabalhos acadêmicos aprofundados.
Antes do plebiscito de 2016, brexiters como Lord Daniel Hannan, assessor da Comissão do Comércio, um órgão do governo britânico, temiam que ter laços estreitos com a UE deixaria a economia do Reino Unido para trás. O Reino Unido estava “algemado a um cadáver”, disse ele.
Mas desde as vésperas da pandemia de covid-19, a economia do Reino Unido já vinha tendo um desempenho inferior ao de outros países do G7 (grupo das principais economias ricas) e foi a única que ainda não recuperou o tamanho que tinha no fim de 2019.
A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) prevê que o desempenho do Reino Unido nos próximos dois anos será pior que o de qualquer outra economia avançada, com exceção da Rússia.
Embora essas comparações forneçam muitas manchetes, economistas acadêmicos temem que esses resumos estatísticos possam acabar contaminados pela fraqueza do Reino Unido relacionada com a covid-19 e os efeitos do choque energético.
Para identificar impactos econômicos específicos do Brexit, eles usam vários métodos para construir o chamado contrafactual – uma história simulada do Reino Unido se o país tivesse permanecido na UE – e então os comparam com a realidade da economia britânica após o plebiscito do Brexit.
Em duas áreas há hoje um consenso claro que permite aos economistas afirmar com certeza que o golpe do Brexit sobre a prosperidade do Reino Unido foi, conforme disse recentemente Swati Dhingra, membro externo do Comitê de Política Monetária do Banco da Inglaterra, “inegável”.
Primeiro, a libra se desvalorizou mais de 10% depois do plebiscito do Brexit em 2016 e permanece nesse patamar desde então. Essa queda aumentou os preços das importações, os custos para as empresas e a inflação, mas não conseguiu aumentar os salários, as exportações ou a competitividade da economia do Reino Unido. A Resolution Foundation estima que a desvalorização aumentou os preços das importações e a inflação geral. Calcula que, como resultado da fraqueza da moeda, os salários reais caíram 2,9%, custando às famílias britânicas uma média de 870 libras a cada ano.
O segundo efeito claro do Brexit foi nos investimentos das empresas, que estagnaram em termos reais desde 2016, antes de cair durante a pandemia.
Simon French, economista-chefe da Panmure Gordon, diz que o Brexit resultou em um aumento no custo do capital para as companhias britânicas, uma vez que os investidores estão preocupados com a deterioração das perspectivas de se fazer negócios no Reino Unido. Embora ele tenha dito que outros países também viram uma queda nos investimentos das empresas durante a pandemia, o efeito foi muito pior no Reino Unido e uma observação das tendências na UE e nos Estados Unidos “sugere uma redução material [dos investimentos] de cerca de 60 bilhões de libras por ano”.
A maioria dos estudos acadêmicos mais recentes tentou quantificar o impacto comercial do acordo do Brexit firmado por Boris Johnson, o Acordo Comercial e de Cooperação, que entrou em vigor no começo de 2021.
Esse trabalho foi frustrado pelas agências de estatísticas do Reino Unido e da UE, que mudaram a coleta de dados sobre as importações e exportações e por divergências sobre como melhor identificar o efeito Brexit. Mas os resultados dos estudos que estão aparecendo agora sugerem quedas muito grandes no comércio entre o Reino Unido e a UE, um declínio na variedade de produtos comercializados, uma perda de relações comerciais entre as companhias e padrões similares no setor de serviços.
“Há fortes evidências de que o Acordo Comercial e de Cooperação reduziu o comércio do Reino Unido com a UE em cerca de 15% até agora”, diz Thomas Sampson, professor associado da London School of Economics. Mas ele observa que o comércio do Reino Unido com o resto do mundo também diminuiu em quantidade parecida, levando-o “a não estar 100% convencido de que vimos um efeito Brexit sobre as exportações até agora”.
Outros acadêmicos estão menos preocupados com a divisão entre o comércio com a UE e o resto do mundo, afirmando que houve definitivamente uma queda específica do Reino Unido no desempenho comercial que coincidiu com o Brexit.
Martina Lawless, professora pesquisadora do Economic and Social Research Institute da Irlanda, diz que o Brexit vem sendo “consideravelmente negativo” para o Reino Unido, com suas estimativas mostrando quedas nas importações e exportações com a UE “próximas de 20%”.
Quase todos os países, exceto o Reino Unido, viram um boom comercial em 2021, observa Lawless. “Se algo não tivesse acontecido, o comércio do Reino Unido também deveria ter crescido em janeiro de 2021.”
A modelagem estatística mais sofisticada é a desenvolvida pela Aston Business School, onde a professora de economia Jun Du constatou que as importações do Reino Unido com a UE em grande parte se recuperaram. No entanto, ela estima que as exportações para o bloco estão agora 26% menores do que estariam sem as novas barreiras comerciais.
O efeito disso pode ser visto mais claramente no comércio de bens, como exportações de alimentos, onde há barreiras técnicas e checagens de fronteira mais rígidas. Houve também uma grande queda no número de produtos comercializados, com as variedades caindo de 70 mil antes da entrada em vigor das novas regras, para 42 mil.
Segundo Du, Aston Business Schoo, empresas menores têm sido mais duramente afetadas porque as barreiras representam um custo mais significativo em relação ao valor do comércio, o que é um mau presságio para o futuro. “As pequenas empresas não apenas não produtivas, mas também empresas novas – é por isso que estamos preocupados com o crescimento futuro. Quando você perde isso, seu fluxo de distribuição quebra”, diz ela.
“Há poucas dúvidas de que o comércio foi muito prejudicado pelo Brexit”, acrescenta Du.
Evidências parecidas estão surgindo no comércio de serviços, segundo economistas. Swati Dhingra disse a parlamentares em novembro estar ainda mais certa de que houve “estagnação” das exportações porque os dados comerciais para o setor não foram distorcidos por mudanças na metodologia de coleta da maneira como aconteceu no comércio de bens.
Até agora, ministros rejeitaram as evidências econômicas. O ministro das Finanças, Jeremy Hunt, disse há duas semanas que não aceita a estimativa do OBR de que o Brexit causou um golpe de 4% na economia do Reino Unido.
“Existem grandes oportunidades para nos tornarmos muito mais ricos do que seríamos de outra forma”, acrescentou ele, citando liberdades regulatórias e acordos comerciais que poderiam ser firmados com outros países.
O governo não quantificou esses potenciais ganhos, e onde o fez – como no acordo comercial com a Austrália -, eles foram estimados como minúsculos, elevando o PIB em apenas 0,08%.
Economistas afirmam que isso é uma compensação muito pequena para as perdas que o país sofreu até agora. “Sabemos agora que o Brexit piorou a situação das famílias britânicas ao elevar o custo de vida e tornou a vida mais difícil para as empresas do Reino Unido ao aumentar as barreiras comerciais, e isso tornou o Reino Unido mais pobre”, diz Sampson. (Tradução de Mario Zamarian)
Fonte: Valor Econômico

