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A formação da equipe de política externa de Donald Trump aponta para uma atenção maior à América Latina em seu novo mandato. A avaliação, compartilhada por fontes em Brasília, sugere que o país pode ser impactado de maneira indireta pelas prioridades da nova gestão. Contudo, a percepção no Palácio do Planalto e no Itamaraty é que o Brasil tem mais a ganhar se escapar do foco do republicano nos próximos anos.
O chanceler Mauro Vieira, o assessor especial Celso Amorim e a embaixadora Maria Luiza Viotti já fizeram contatos preliminares com os futuros responsáveis pela política externa dos EUA: Marco Rubio, que assumirá o Departamento de Estado, e Mike Waltz, que comandará o Conselho de Segurança Nacional – que são senador e deputado pela Flórida, respectivamente. Nesses contatos, descritos como “positivos”, os brasileiros reiteraram o interesse de manter uma relação de cooperação com o novo governo.
A abordagem brasileira para o novo governo Trump será pautada pela cautela. A postura de integrantes do governo até o momento é esperar e analisar quais das retóricas de campanha de Trump serão efetivamente implementadas como políticas concretas. A avaliação é que uma reação precipitada às declarações do republicano poderia prejudicar o Brasil ou colocar o governo em uma saia-justa.
As relações entre Brasil e EUA são descritas em Brasília como historicamente robustas e sustentadas por interesses econômicos e comerciais profundos.
No entanto, há preocupação em Brasília e entre empresários ouvidos pelo Valor com a ausência de um diálogo em alto nível entre os presidentes Lula e Trump. A tentativa inicial de agendar um telefonema entre os dois líderes não se concretizou devido a conflitos de agenda, mas a expectativa é que isso ocorra nas próximas semanas.
Entre os temas prioritários para Trump, estão imigração e combate ao tráfico de drogas, áreas que, embora centrais na política externa dos Estados Unidos, têm impacto limitado sobre o Brasil. A política migratória americana está mais voltada para o México e os países da América Central, regiões de origem da maioria dos imigrantes irregulares nos EUA. O Canadá também já foi alvo recente de críticas públicas de Trump, que acusou o vizinho de facilitar a entrada de imigrantes ilegais e drogas no país. O combate ao narcotráfico pode intensificar a pressão também sobre países andinos, como Colômbia, Bolívia e Venezuela.
Para o Brasil, a relação com esses temas ocorre de forma tangencial, principalmente no que diz respeito ao controle das fronteiras para evitar a entrada de drogas. Mas o Planalto pode ser obrigado a se posicionar caso Trump cumpra a promessa de fazer deportações em massa de imigrantes ilegais. Isso porque há cerca de 230 mil brasileiros vivendo nos EUA nessa situação, segundo dados do governo americano, o que coloca o Brasil na oitava posição no ranking americano da imigração ilegal.
Uma das maiores preocupações em Brasília está no protecionismo econômico que Trump sinalizou como prioridade. Os EUA são o principal mercado para produtos manufaturados brasileiros, respondendo por 17,4% das vendas externas da indústria em 2024, em negócios que somaram US$ 31,6 bilhões. O Planalto deve observar com atenção os movimentos de Trump, mas acredita que o republicano pode ter dificuldades para impor restrições muito amplas por conta do impacto inflacionário.
A postura de Trump em relação a Venezuela e Cuba também gera incertezas. Caso adote medidas mais duras contra esses países, o Brasil poderá ser arrastado para um embate com o ocupante da Casa Branca. Embora o governo Lula tenha buscado postura mais crítica ao regime de Nicolás Maduro, possíveis sanções ou ações coordenadas pelos EUA podem gerar reações do presidente petista.
Na semana passada, o Itamaraty saudou a decisão do governo Joe Biden pela retirada da ilha caribenha da lista de países que financiam o terrorismo. Uma boa pista sobre a postura de Trump para a América Latina será a manutenção ou não da medida.
Outro ponto sensível é a presença de Elon Musk, dono do X, que comandará o recém-criado Departamento de Eficiência Governamental em um escritório em um anexo da Casa Branca. A tentativa de regulação das redes sociais no Brasil é vista como uma possível fonte de atrito com Washington, a depender da influência de Musk no futuro governo. Da mesma forma, podem irritar os americanos medidas como a retirada temporária do X do ar, como ocorreu no ano passado quando a empresa de Musk descumpriu ordens do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Fontes diplomáticas em Brasília observam com certo alívio que o empresário parece ter redirecionado suas críticas a governos europeus, como o Reino Unido, a Alemanha e a França. Mas alertam que novas tensões podem surgir, caso políticas brasileiras sejam vistas pela Casa Branca como uma afronta à “liberdade de expressão”.
Outro desafio para o governo brasileiro pode vir da política de Trump para a China. Assim como no mandato anterior, o republicano mantém uma postura combativa em relação a Pequim, mas agora com um possível foco na presença chinesa na América Latina. Esse desconforto com o aumento da influência chinesa na região é comum entre republicanos e democratas. Mas Trump é tido como mais imprevisível e impulsivo.
Fontes do governo reiteram que a relação com a China é estratégica e não será moldada por pressões externas, mas pela defesa dos interesses brasileiros. O Planalto também pretende deixar claro que investimentos americanos são bem-vindos, assim como os chineses.
Fonte: Valor Econômico

