O Brasil está em boa posição para negociar com minerais, mas deve manter o controle sobre seus recursos, diz Saleem Ali, professor na Universidade de Delaware (EUA), sobre a possibilidade de o país incluir a exploração desses minerais, como terras raras, das quais detém a maior reserva global depois da China, no pacote de negociação das tarifas impostas pelos Estados Unidos. A possibilidade foi admitida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no início da semana.
“A precaução que eu recomendaria é que o Brasil continue mantendo o controle e a propriedade dos seus recursos minerais, e disso não deve abrir mão. Algumas das formas como os EUA têm abordado esses acordos giram em torno da propriedade dos recursos e das empresas, entre outras coisas”, diz Ali, que é líder de minerais críticos e transição energética inclusiva no Instituto para Água, Meio Ambiente e Saúde da Universidade das Nações Unidas (UNU-INWEH, na sigla em inglês).
Principal autor da proposta de um Fundo Global de Minerais para coordenar o acesso global a minerais críticos e blindar a transição energética de conflitos geopolíticos e tensões comerciais, ele falou com o Valor na quarta-feira (6), quando o Brasil passou a liderar a lista dos países mais tarifados pela administração americana, com uma tarifa de 50% sobre cerca de metade dos produtos brasileiros vendidos aos EUA. Segundo ele, o fundo global “tem justamente como objetivo evitar” que minerais críticos sejam “instrumentalizados” como meio de barganha em negociações comerciais e geopolíticas.
A plataforma, que funcionaria como uma janela de comércio em que países fornecedores e consumidores estariam sujeitos à coordenação e governança coletiva, já despertou interesse de parlamentares da União Europeia e da Indonésia desde que foi apresentada na revista “Science” por Ali e mais sete cientistas. Segundo o pesquisador, a expectativa é que seja tema de discussão da próxima reunião do G20, que acontece nos EUA, em 2026.
“Se houvesse um fundo, o Brasil não venderia diretamente aos EUA, mas sim ao fundo, e o fundo seria o responsável por fornecer esses minerais a quem precisasse deles e estivesse comprando por meio desse processo. Se criaria com isso um mecanismo para amortecer esse tipo de instrumentalização política da oferta ou da demanda”, explica.
Membro do Painel Internacional de Recursos (IRP, na sigla em inglês) da ONU, plataforma que busca melhorar o uso sustentável dos recursos naturais, Ali diz que o Brasil tem vantagem na negociação com minerais críticos porque, entre outros fatores, tem grandes reservas, que estão mais próximas dos EUA que as de outros países.
“O problema maior é que os EUA, neste momento, como país, não estão tão comprometidos com tecnologias verdes. Esse é outro desafio. A energia eólica, por exemplo, foi completamente paralisada pelos EUA”, afirma. “O acesso do governo Trump a esses minerais é principalmente voltado para a defesa.”
A seguir, os principais pontos da entrevista:
Instrumentalização de tarifas
Na situação atual, a administração Trump acredita que as tarifas são uma boa ferramenta de barganha geopolítica. Então, outros países vão utilizar o que puderem como vantagem. No caso do Brasil, podem ser os minerais e no caso de países como a Austrália, podem ser as exportações agrícolas, e a carne bovina é um dos exemplos que eles tiveram lá, tentando negociar a entrada de mais carne bovina americana, já que havia políticas protecionistas para a carne australiana.
Cada país vai usar os pontos de alavancagem que tiver, a vantagem do Brasil é essa, mas vai ser o que funcionar, com cada país por si próprio.
Posição de negociação
O Brasil está em uma posição muito boa para negociar, porque possui reservas minerais muito grandes, que também estão fisicamente muito mais próximas dos EUA do que a de mercados asiáticos ou da Austrália, que é outra grande fonte de minerais. Por isso, acredito que os minerais do Brasil seriam economicamente muito mais atrativos para os EUA, o que dá ao país essa vantagem.
Quanto à ideia do fundo, ela tem justamente como objetivo evitar que esse tipo de tática se consolide, porque, sob esse fundo, os minerais necessários para a transição verde seriam vendidos diretamente ao fundo. Logo, não haveria tarifas aplicáveis ao próprio fundo. O fundo seria uma entidade multinacional e seria governado tanto pelos fiduciários consumidores quanto pelos produtores, em conjunto.
Portanto, se houvesse um fundo, o Brasil não venderia diretamente aos EUA, mas sim ao fundo, e o fundo seria o responsável por fornecer esses minerais a quem precisasse deles e estivesse comprando por meio desse processo. Se criaria com isso um mecanismo para amortecer esse tipo de instrumentalização política da oferta ou da demanda. Esse é um dos grandes pontos fortes de se ter o fundo.
Vantagens do Brasil
O Brasil será o anfitrião da COP30 e tem um compromisso muito forte com o meio ambiente. É o país que abriga a Floresta Amazônica, que possui o maior potencial de sequestro de carbono do planeta. Portanto, o Brasil tem dimensões importantes em termos de recursos globais que pode usar a seu favor. Também é membro do G20 e membro fundador do Brics. Tudo isso pode fazer parte do diálogo com os EUA.
Uma das outras questões que têm incomodado bastante os EUA são as conversas sobre uma moeda comum do Brics. Então há outras formas de o Brasil tentar apaziguar os EUA nesse sentido.
Mas a vantagem que o Brasil tem com os minerais é muito importante, porque empresas americanas têm uma longa história de atuação no país e elas têm confiança em fazer negócios ali. Há multinacionais americanas no Brasil há décadas. É muito diferente de um país africano, por exemplo, onde talvez não tenha havido tanta experiência com investimentos de multinacionais americanas. No Brasil, existe um histórico consolidado. Acredito que o Brasil é um país que pode contribuir com a transição verde, globalmente, e está muito bem posicionado para participar dessa negociação se souber jogar bem suas cartas, de modo que consiga também convencer os EUA sobre o valor da cooperação, em vez do conflito, nessas decisões de maior escala.
Dupla finalidade dos minerais
De modo geral, o desafio é que existe esse problema do uso dual. Alguns desses minerais também são usados para fins de defesa. Por isso é importante delimitar quais e o quanto desses minerais são necessários para a transição verde, contra aqueles que serão usados para fins de defesa.
Na estrutura do fundo, incluímos um mecanismo pelo qual haveria uma entidade da ONU ou algum outro mecanismo técnico para determinar qual é a quantidade de minerais necessária para atender às demandas específicas de tecnologias verdes. O fundo é muito focado nesses minerais para não misturar o problema do uso dual com a questão da defesa. Se isso entra em pauta, é claro que os países vão querer controlar essa parte relacionada à defesa.
É muito parecido com o caso do urânio. Quando o urânio poderia ser usado tanto para energia nuclear quanto para armamentos de defesa, a Agência Internacional de Energia Atômica foi encarregada de regular e gerenciar qual quantidade de urânio seria usada para fins de geração de energia nuclear.
O uso para defesa
Agora o problema maior é que os EUA neste momento, como país, não estão tão comprometidos com tecnologias verdes. Esse é outro desafio. A energia eólica, por exemplo, foi completamente paralisada pelos EUA. O Brasil não pode fazer nada em relação a isso, pois trata-se de uma decisão do governo americano.
O acesso do governo Trump a esses minerais é principalmente voltado para a defesa. Eles estão defendendo o uso para defesa, e não para a transição verde.
Mas quanto a capacidade de obter esses minerais para baterias, por exemplo, acho que os EUA estão mais dispostos a se engajar em temas como redes elétricas inteligentes e carros elétricos. Nisso há um pouco mais de disposição, embora Trump também tenha reduzido os subsídios para carros elétricos. E, em nível estadual nos EUA, há disposição para investir nessas tecnologias.
China e EUA
O verdadeiro conflito na área de defesa militar é entre os EUA e a China. Em termos de corrida armamentista, os russos costumavam ser os principais concorrentes dos EUA. Mas o papel da Rússia se limita mais à tecnologia nuclear, com sua doutrina de dissuasão. A verdadeira corrida armamentista atualmente é entre os EUA, especialmente no que diz respeito às tecnologias mais avançadas.
Então, parte da questão é até que ponto os EUA vão enxergar o Brasil como um aliado estratégico para obter esses minerais que sustentam sua estrutura de defesa, em comparação com a China? E será que a China vai tentar influenciar o Brasil a não fazer acordos com os EUA? Isso será algo que valerá a pena observar. A relação Brasil-China é importante e vale a pena acompanhar para ver para onde ela vai.
Soberania sobre recursos
A precaução que eu recomendaria é que o Brasil continue mantendo o controle e a propriedade dos seus recursos minerais, e disso não deve abrir mão. Algumas das formas como os EUA têm abordado esses acordos giram em torno da propriedade dos recursos e das empresas, entre outras coisas. Agora, quanto à forma de venda para os EUA, quais compromissos serão feitos, qual a quantidade de minerais que será vendida e a que preço, isso fica para negociação.
Fonte: Valor Econômico

