“O Brasil precisa de uma política econômica muito diferente”, frisa Carlos Woelz, sócio-diretor e gestor da Kapitalo Investimentos. Para ele, a atual estratégia do governo é “extremamente nociva”, ao ampliar gastos públicos e forçar uma alta de impostos em um ambiente global de juros reais mais elevados e déficits crescentes. A indefinição da corrida eleitoral, acrescenta, mantém a economia doméstica em um cenário binário de ajuste ou de continuidade do desarranjo fiscal.
Nesse contexto, em entrevista ao Valor, Woelz diz acreditar que os juros reais elevados podem abrir espaço para cortes mais pronunciados do que os hoje embutidos na curva. A situação não é muito diferente no cenário internacional, observa. Em metáfora de aviação, ele lembra que a economia global foi capaz de “pousar uma aeronave de pequeno porte” em meio à tempestade da inflação e dos juros no pós-pandemia.
O risco, agora, é de estol: a perda de sustentação de voo diante de uma velocidade excessivamente baixa. Assim, para o executivo, as oportunidades de investimento estão concentradas nos juros de curto prazo ao redor do mundo, em países que devem atravessar uma desaceleração da atividade.
Valor: O sr. vê uma tendência clara na direção da economia global?
Carlos Woelz: Tivemos muitos choques nos últimos tempos e, de certa forma, surpreende que a economia tenha ficado tão resiliente. Após a pandemia, era como pousar um avião de pequeníssimo porte no meio de uma tempestade. Havia grande chance de acontecer um acidente. Foi algo incrível. O avião pousou suavemente e, aparentemente, até com alguma folga.
Valor: É mais fácil pousar o avião hoje? O que mudou?
Woelz: Um dos motivos é a quantidade menor de manufatura no PIB global. A manufatura gera ciclos de estoque, que são pró-cíclicos. Quando, de repente, descobre-se que a demanda final não era a imaginada, o efeito é o acúmulo de estoques e pedidos sendo cortados. Esse efeito vai se potencializando na cadeia. Na crise financeira global, o PIB mensal japonês caiu 20% na parte industrial de um mês para o outro. A manufatura é um canal da economia global que se transmite muito entre os países. Por isso, ao olhar para o setor não manufatureiro, há muito menos poder explicativo sobre a economia global.
Valor: Como os mercados ajudam a explicar essa resiliência?
Woelz: Com o aprofundamento dos mercados, quando sai algum dado ruim, o mercado reage rápido e as condições financeiras acabam se relaxando automaticamente. E há uma falta de medo na bolsa. Nos últimos 15 anos, o investidor de pequeno porte aprendeu que toda queda das ações é uma oportunidade de compra. Os governos, também: toda vez que há um sinal de queda abrupta, eles tentam segurar a economia. Há uma quantidade de mecanismos que buscam conter uma desaceleração mais forte.
Valor: O que os dados globais agregados revelam atualmente?
Woelz: Faz um tempo que não vemos uma direção muito forte de indústria global para um lado ou outro. O comércio global está meio estável há algum tempo. Quando você olha país a país, as diferenças começam a ficar mais claras.
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Valor: É um cenário bom, em termos de investimento?
Woelz: É interessante. A abertura de vagas que se vê nos EUA está caindo também na Europa. O mercado de trabalho está relaxando. E há um choque de produtividade por inteligência artificial que deve acontecer em breve e pode ter consequências para dois lados: mais potencial de crescimento, mas também um impacto sobre a renda no curto prazo, à medida que pode ter corte de empregos. As economias centrais parecem particularmente fracas. Na Europa, o que tem surpreendido positivamente são as economias periféricas. A China está muito fraca e dependente de dívida. O endividamento americano e o chinês estão explodindo.
Valor: Qual a situação dos EUA?
Woelz: O déficit americano ajustado ao ciclo econômico é muito alto. Ele está sendo, em parte, endereçado pelas tarifas. As tarifas estão chegando a um nível tão grande que têm efeitos no fiscal. Mas Trump fez um pacote expansionista e tirou grande parte desse poder recessivo e de ajuste das tarifas. A somatória dos fatores é levemente recessiva. A situação do crescimento americano, sustentado pelo déficit, é um pouco frágil. Quando observo a renda no mundo, não salta aos olhos, está crescendo em linha com o PIB. A criação de vagas é baixa. E há um vetor deflacionário fora dos EUA com as tarifas. Provavelmente teremos inflação de bens mais alta nos EUA e mais baixa em outros lugares.
Valor: Quais são as implicações do cenário para investimentos?
Woelz: Há pouquíssimo prêmio de queda embutido nas curvas de juros. Em particular na Europa, Suécia e outros países, vemos pouco prêmio. O mercado está colocando baixa probabilidade de queda abrupta. A pessoa que está comprada em bolsa, e o mundo todo está comprado em bolsa, deveria tentar comprar alguma proteção. Uma proteção hoje é aplicar o juro curto. Essa proteção está muito barata. Em parte porque os BCs estão “hawks” [com políticas monetárias restritivas] e o mercado acaba colocando poucos cortes no preço.
Valor: Vê riscos maiores de uma recessão global?
Woelz: Indo para a metáfora da aviação de novo, o problema é outro. O avião pousou e conseguiu decolar de novo, mas está andando em velocidade tão baixa que há riscos de estolar. Não é certeza, porque os efeitos estabilizadores continuam todos aí e não tem nenhum PIB no mundo com cara muito ruim. O que se vê são alguns processos em economias desenvolvidas de aumentos sustentados do desemprego e que vão gerar desconforto no consumidor. Os juros longos estão subindo, o que também é negativo para as condições financeiras de médio prazo e normalmente exige taxas curtas ainda mais baixas para contrabalançar.
Valor: A desaceleração global deve levar a juros mais baixos?
Woelz: Olhando para o cenário desinflacionário, pode ser que você acerte [a estratégia de apostar na queda dos juros curtos] mesmo que a economia global não entre em velocidade tão pequena que gere uma recessão. A velocidade de crescimento e geração de empregos está começando a ficar pequena demais. Há muito risco de termos um movimento para baixo na atividade global. E o preço que o mercado coloca para esse cenário embute uma probabilidade bem baixa. Temos evidência de que essa desaceleração mais forte vai acontecer? Não. Se houvesse, o preço provavelmente não seria esse. Acho que os formuladores de política vão sair de Jackson Hole mais preocupados com a desaceleração.
Valor: Essa desaceleração se observa nos EUA?
Woelz: A economia americana está em uma velocidade de contratação que convida à discussão se não há um risco de não linearidade para baixo. A economia global está fraca; as contratações estão em nível baixo, mas não em ponto tão simbólico quanto esse último ‘payroll’ [relatório de empregos] mostrou. Na média móvel dos últimos três meses, indica um risco enorme. Outros dados americanos, por outro lado, não estão tão fracos.
Valor: Qual sua avaliação sobre as ações americanas?
Woelz: É um bom momento para diversificar um pouco de EUA. Talvez ainda seja o caso de manter tecnologia no portfólio, se, de fato, você acreditar que estamos diante de uma revolução. É difícil dizer que a parte de tecnologia da bolsa americana é cara. Ninguém sabe o alcance do processo que estamos vivendo. Se você tem um portfólio mais de médio e longo prazo, vale diversificar de EUA com exceção de tecnologia. Outras bolsas do mundo são mais baratas. É um momento, de maneira geral, de sair um pouco da renda variável e ir para a renda fixa. Vale a pena colocar um pouco mais de dinheiro em caixa.
Valor: Qual sua visão para o dólar global? Estão pessimistas como boa parte do mercado?
Woelz: Estamos um pouco mais moderados nessa tese de “bear dollar”, mas temos no portfólio. Vemos os efeitos de fluxo que são persistentes. Há uma sobrealocação nos ativos americanos e isso deve ser diluído, o que gera uma pressão sobre a moeda e que pode ser potencializada por algum efeito relacionado fiscal, seja um ajuste que desacelera o PIB, seja um aumento da preocupação sobre a trajetória da dívida. A tese é bem razoável, mas já andou consideravelmente.
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Valor: E no Brasil? Também espera cortes de juros?
Woelz: Estamos trabalhando com um juro real marginal enorme, uma coisa que não acontece há bastante tempo. É de uma magnitude que, no passado, gerou efeitos muito significativos, ainda que existam dúvidas sobre se terá o mesmo efeito agora. Há sinais incipientes de desaceleração e esse juro real tem a possibilidade de afetar a economia de modo mais forte.
Valor: O viés é termos juros de mercado mais baixos?
Woelz: Se, por acaso, tivermos algum dado de desaceleração da economia, os agentes vão achar óbvio que a política monetária está funcionando. Existe um desequilíbrio de risco e retorno em relação aos dados no Brasil. Se houver uma continuidade da desaceleração nos dados, veremos efeitos sobre as expectativas e sobre toda a curva.
Valor: As posições em Brasil são relevantes no momento?
Woelz: Isso é um pouco ponderado pelo fato de que ainda não estou tão convicto na desaceleração. Mas, se ela aparecer, o mercado terá uma reação forte. O equilíbrio é favorável a quem está aplicado.
Valor: Qual sua visão sobre o Brasil, de maneira geral?
Woelz: Não é muito positiva. O Brasil precisa de uma desaceleração. E toda a lógica eleitoral aponta para o fato de que ela vai ser evitada a qualquer custo. O melhor mecanismo para estabilizar a economia são a política monetária e os cortes de juros. Mas sabe-se lá qual o mix de políticas que o governo fará.
Valor: Vê risco de uma nova expansão fiscal?
Woelz: O padrão brasileiro é esse. É uma das coisas que confundem o cenário. Se fosse um ciclo normal, o mercado estaria com uma taxa de longo prazo muito mais baixa. Se olhar a curva, ela tem cortes de juros e depois os juros são rapidamente elevados de novo. Tem um formato “V” muito anormal. O que a curva diz é que, no longo prazo, ou teremos inflação muito mais alta ou que precisamos do juro real absurdo que temos agora. Isso, naturalmente, não é verdade.
Valor: O que indica esse juro longo nos níveis atuais?
Woelz: É uma mistura de dois cenários. Um com uma mudança de política econômica e outro sem. Qual vai se materializar? Não sei e está muito longe para dizer. Minha visão não é muito diferente da do mercado, de 55% a 45% para uma mudança de política econômica por uma vitória da oposição.
Valor: A mudança poderia ocorrer mesmo com uma reeleição?
Woelz: Pode ser, embora não acredite muito. E, se ocorrer, não será visível. A campanha de 2022 foi ao centro e a do ano que vem tende a ser à esquerda. Grande parte da esquerda ainda acredita que o [Joaquim] Levy [ex-ministro da Fazenda de Dilma Rousseff] foi o responsável pela recessão. Pode até ser que tenha um “Levy 2”. Mas não acredito e não acho que essa decisão será tomada pelo governo até o último segundo. Então, o mercado não vai sonhar, como sonhou na última eleição, com uma condução de política econômica de centro-esquerda mais pragmática.
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Valor: Por que os mercados se mantêm bem ancorados, mesmo com a incerteza eleitoral?
Woelz: Há essa expectativa de mudança na direção da política econômica. O Brasil está entre os grandes países do mundo com desajuste fiscal sério. Vai ser preciso endereçar isso. A eleição está distante. O mercado viu a popularidade do presidente muito baixa em um momento de desemprego baixo, e pensou: a população está cansada, tem questões culturais, e os incumbentes têm tido dificuldade ao redor do mundo. O mercado acha que a probabilidade maior é a de ter uma mudança de política econômica. Isso, paradoxalmente, dá uma ‘anestesiada’ nos preços. Mas o cenário é binário e dificulta muito operar.
Valor: Como vê a disputa pela presidência no lado da oposição?
Woelz: Pensando no lado da oposição, há uma direita e uma centro-direita. A direita é mais populista e pior do ponto de vista fiscal. A centro-direita, mais representada pelos governadores, representaria mais fortemente uma mudança na política econômica.
Valor: Como avalia a política econômica vigente no país?
Woelz: O Brasil precisa de uma política econômica muito diferente. Na PEC da Transição houve um retrocesso fiscal e uma situação muito pior para o equilíbrio das contas. O quanto se gasta e o quanto se taxa é uma escolha da sociedade. Mas ter uma trajetória da dívida fora de controle é ruim para todos os brasileiros. No Brasil, aumentam os gastos públicos para forçar um aumento de impostos. É a política econômica deste governo e ela é extremamente nociva. Em um ambiente global onde o equilíbrio do juro real é mais alto e há outras economias com déficit alto, isso é extremamente perigoso.
Valor: E o custo da dívida tem aumentado…
Woelz: O governo não para de fazer uma política que aumenta o equilíbrio do juro real necessário para deixar a economia neutra no seu crescimento potencial. Quando acelera o gasto público, diminui a eficiência da política monetária. Todo mundo quer juro real baixo. A pergunta é se quer para poucos ou para todo mundo. Estamos em uma trajetória ruim para a sociedade, de aumento de juro real de equilíbrio. Isso precisa ser combatido e o combate é desagradável.
Fonte: Valor Econômico

