Por Anaïs Fernandes — De São Paulo
06/10/2022 05h01 Atualizado há 4 horas
Apesar de o cenário global ser desafiador, o Brasil tem condições de navegar relativamente bem por esse mundo pós-pandemia, caracterizado por preços mais elevados e rearranjos das cadeias de produção, porque o país está mais acostumado do que outros a lidar com inflação alta, juros apertados e restrições de oferta. Esta é a avaliação de Karen Harris, sócia da Bain & Company e diretora do Macro Trends Group da consultoria.
“A conversa [das empresas] é assim: ‘O mundo mudou, falta infraestrutura, temos problemas de suprimentos, é um quadro inflacionário’. E os executivos brasileiros dizem para o resto do mundo: ‘Bem-vindos àquilo que enfrentamos todos os dias’”, brinca Harris, que veio ao Brasil para participar de um evento de 25 anos da Bain na América do Sul. “O Brasil é, provavelmente, um país único na curta lista de países mais bem preparados para navegar por isso.”
Harris diz haver uma curva de experiência e aprendizado que é importante não só para empresas do país, mas também para instituições financeiras e governos. O próprio Banco Central do Brasil tem atravessado “muito bem” o cenário atual, segundo ela. “Sabemos que nos tornamos melhores quando precisamos lidar com situações que são familiares. Nada mudou para o Brasil em termos de restrições de oferta, tendências para a inflação, não é uma grande crise, mas isso mudou para quase todos os outros países”, afirma.
Para o Brasil, tirar proveito dessa posição vai depender, segundo Harris, da capacidade do país de atrair investimentos de fora mais rápido e também de garantir a estabilidade, independentemente de quem seja o próximo governante. Nos últimos 30 anos, diz ela, o Brasil passou por regimes variados e houve aspectos positivos de crescimento, como a saída de pessoas da pobreza e reformas no ambiente de negócios. “Não é problema de mais ninguém o que acontece na política brasileira se a trajetória for estável. De todas as discussões que ouvi, não parece haver movimentos para os extremos.”
Quando fala da atração de investimentos, Harris refere-se a um contexto em que ganham força os processos de “reshoring” e/ou “nearshoring”, em que empresas buscam trazer os processos produtivos para mais perto de suas sedes. “Essa é uma oportunidade para agora. Uma vez que uma empresa faz ‘reshoring’, não vai fazer de novo. Ela escolhe um destino e vai, então, quanto mais o Brasil puder atrair essas empresas agora, maior será a capacidade de isso se expandir”, afirma.
Para Harris, as leis trabalhistas brasileiras estão melhores e reformas promovidas nos últimos seis anos também foram boas, mas em ambos os casos ainda há desafios. “Acho que é uma vantagem e uma desvantagem como é difícil fazer negócio no Brasil. A empresa ganha o direito de construir algo, mas depois é uma negociação separada pelo direito à propriedade, uma negociação separada para as licenças. Isso impede que os investidores estrangeiros dominem a indústria brasileira, mas é muito lento. É sempre uma escolha entre a velocidade, o custo”, afirma.
Pela proximidade com os Estados Unidos, o México, por exemplo, é um destino natural para certas empresas, mas Harris lembra que o custo de investimento no par latino-americano é alto, e a situação energética, mais instável. “Se a proximidade for fator importante, o México tem vantagens. Mas se for mais uma questão de custo de produção, escala, são pontos em que o Brasil tem potencial”, diz.
A Bain tem um entendimento do mundo pré e pós-pandemia que difere da visão de alguns outros analistas. Para a consultoria, apesar de a crise sanitária ter sido um choque que desancorou muitos fatores, ela não teria significado uma ruptura com um mundo (principalmente de países desenvolvidos) marcado pelo baixo crescimento e suas consequências. Pelo contrário, a covid-19 teria acelerado tendências que a Bain já vislumbrava em um contexto pós-globalização.
“Nós conseguíamos ver a direção para onde o mundo estava indo antes da pandemia. Ela apenas acelerou o caminho para um mundo de menos globalização, taxas de juros mais altas, inflação mais elevada, força do trabalho em queda”, afirma Harris. “Nada foi mais deflacionário do que a globalização. Vamos ‘pousar’ em um nível de inflação mais alto agora.”
O mundo pós-pandemia está “espremido” entre três “crises” que lembram acontecimentos de outras eras, aponta Harris: um desarranjo das cadeias de suprimentos como nos anos 1940, após a 2ª Guerra; preços de commodities pressionados a exemplo da crise energética dos anos 1970; e um sistema financeiro agigantado, como na entrada do século XXI.
Os bancos centrais precisam atravessar essas turbulências, mas problemas nas cadeias, por exemplo, precisam de tempo e/ou investimentos para serem resolvidos, restando às autoridades monetárias tentar segurar a demanda, observa Harris. “Se os Estados Unidos e a Europa já não estão em uma recessão, estarão muito em breve.”
Especificamente para os EUA, caso a situação atual siga o padrão mediano de ciclos anteriores, a Bain estima que o país já iniciou um processo recessivo em setembro de 2022, com a inflação atingindo um pico em outubro e depois caindo até a tendência por volta de setembro de 2023.
Harris diz que as companhias deveriam se preocupar mais com questões envolvendo crescimento do que com a inflação em si. “Para muitas empresas, a inflação é um fenômeno temporário, ela não pode se sustentar porque as pessoas ficam sem dinheiro. Claro que a inflação tem sido desafiadora e não pode ser ignorada, mas é prudente assumir que vamos ver uma desaceleração [da economia global]. De uma perspectiva de planejamento, o crescimento precisa estar mais na mente”, sugere.
Fonte: Valor Econômico

