06/08/2022 – Jornalista: Lucas Bombana
Na avaliação do economista e sócio da Tendências Consultoria Integrada, o pouco espaço de manobra que o governo terá a partir do próximo ano no Orçamento gera o risco de o país entrar em um ciclo de dominância fiscal, em que o BC (Banco Central) vê a eficácia da política monetária perder força para controlar a inflação e o câmbio.
?Se houver dominância fiscal, a inflação foge do controle e ninguém sabe o que aconteceria. No extremo, voltaria a hiperinflação, o que seria uma tragédia?, diz o ex-ministro no governo Sarney, em entrevistaà Folha.
Ele afirma também que a antecipação de dividendos pelas estatais para bancar gastos sociais pode ser interpretada como uma pedalada fiscal. ?Dificilmente se verá tanta irresponsabilidade junta quanto nesse governo.?
Qual a avaliação do sr. sobre a dinâmica fiscal recente do país, com as novas medidas adotadas pelo governo com a aprovação da PEC dos Benefícios?
Eu acho que a situação é muito grave, e tende a piorar a partir de 2023. Porque a margem para a gestão do Orçamento no próximo ano é muito estreita, algo como R$ 120 bilhões. E quase metade disso será consumida pela manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600.
Além disso, é muito pouco provável que qualquer dos candidatos que vença o pleito possa manter o salário dos servidores públicos congelado por mais um ano. Provavelmente haverá um aumento, o que reduz ainda mais a margem, podendo até eliminar totalmente.
E, finalmente, tem uma pendência que pode cair como uma bomba no Orçamento de 2023 ou de 2024 que é uma eventual decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) em torno das duas PECS (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios.
Existem ações de inconstitucionalidade contra essa medida pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e outras associações, e se prevalecer a jurisprudência do STF, que considerou inconstitucional as duas PECS da mesma natureza, é provável que o governo seja derrotado nesse item. Isso pode significar uma pancada da ordem de mais de R$ 100 bilhões.
Quais podem ser as consequência?
Tudo isso agrava a relação entre dívida e PIB (Produto Interno Bruto), que é o principal indicador de solvência do setor público. A secretaria do Tesouro divulgou recentemente um estudo mostrando que, dentro de três a quatro anos, a relação dívida PIB vai cair abaixo de 70%, mas eu acho que essa é uma visão excessivamente otimista. Porque tem o peso do custo da dívida aumentando com a elevação da Selic, que dificilmente vai parar na próxima reunião do Copom. Provavelmente a taxa de juros vai para 13,75% em agosto, e, em setembro, vai para 14%.
É uma situação muito complicada. O que, a meu ver, é o maior desafio para quem for o presidente a partir do próximo ano. Se não for possível substituir o teto de gastos por algo crível, vamos ter uma deterioração muito forte das expectativas, e, no extremo, caminhar para uma situação de dominância fiscal.
Essa situação é aquela em que o Banco Central se vê tolhido no exercício de sua função de manter a estabilidade da moeda utilizando a taxa Selic, porque a percepção será a de que o aumento dos juros piora a situação fiscal.
E, nesse caso, se houver dominância fiscal, a inflação foge do controle e ninguém sabe o que aconteceria. No extremo, voltaria a hiperinflação, o que seria uma tragédia.
A antecipação de dividendos pelas estatais solicitada pelo governo Bolsonaro pode ser classificada como uma pedalada fiscal?
É algo próximo disso. O governo está querendo essa antecipação de dividendos provavelmente para evitar que haja acusações de irresponsabilidade fiscal, porque aumento de despesa tem que ter correspondência em queda de outras despesas ou aumento de receita.
O sr. acredita em uma ruptura institucional do país, frente aos constantes ataques do presidente Bolsonaro às urnas eletrônicas e ao processo eleitoral, mais recentemente com a reunião com os embaixadores?
Eu acho que o risco existe, diante da postura do presidente Bolsonaro e dos seus ataques às instituições, da maneira como ele se comporta em relação aos demais Poderes. A forma inédita com que ele procura desqualificar os membros do STF. Essa convocação para o 7 de setembro, que tem uma intenção nitidamente golpista. O Bolsonaro é um presidente com tendências autoritárias e posturas golpistas. Isso é uma ameaça para a democracia.
A questão é se a democracia resiste a esses ataques. Eu acho que sim. Uma ruptura institucional, a meu ver, não está no horizonte.
Estamos vendo os manifestos em defesa da democracia, implicitamente contra o discurso golpista do Bolsonaro. É algo espetacular essa reação, essa carta aos brasileiros. E toda essa reação vai gerando outras reações em cadeia. Vai convencendo a sociedade que é preciso reagir às investidas golpistas de um presidente autoritário.
E acho também que as Forças Armadas não entrariam nessa aventura.
As Forças Armadas passaram por um processo riquíssimo de conversão a partir da redemocratização. Portanto, se o Bolsonaro tentar [um golpe], vai fracassar.
O sr. pretende assinar as cartas em defesa da democracia?
Tenho a pretensão de aderir.
Entre as duas principais candidaturas neste momento, qual é mais positiva sob a ótica dos impactos para a economia a partir de 2023?
Infelizmente, nenhuma das duas é alvissareira. Porque o Bolsonaro teve uma gestão fiscal com um elevado grau de irresponsabilidade, incluindo calotes nos precatórios. E agora com essa PEC Kamikaze, que avacalhou a Constituição, o processo foi atropelado.
A PEC driblou regras eleitorais, driblou o teto de gastos, e gerou uma despesa de R$ 41 bilhões em pleno período de eleições. Portanto, dificilmente se verá tanta irresponsabilidade junta quanto nesse governo. Acho que esse conjunto superou as pedaladas fiscais e as manobras do governo Dilma. A âncora fiscal foi destruída, a credibilidade do teto desapareceu, e isso explica, em grande parte, porque o real se desvalorizou tanto. Caiu a confiança na política fiscal, e piorou a situação para os anos à frente.
E no caso da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Considero um rosário de equívocos, que, se postos em prática, vai ser também um desastre. O Lula defende rever o teto de gastos, defende que as estatais tenham um papel saliente no país. Esse tempo já passou.
O melhor para o país é a privatização da Petrobras. E a mesma coisa com o BB (Banco do Brasil). Acontece que a sociedade brasileira ainda não comprou essa tese. A maioria da população é contra a privatização das estatais.
Temos que ter uma liderança que tenha a capacidade de educar a sociedade para a nova realidade. Só que o Lula está tentando o contrário, convencer a sociedade de que ela está certa.
O Lula anda dizendo também que o teto de gastos é irresponsável, que é para pagar dinheiro para os bancos. É uma demagogia misturada com ignorância, porque mais de 70% da dívida pública está em poder de pessoas físicas e pessoas jurídicas que não são bancos, como os fundos de pensão dos trabalhadores.
O sr. acredita que ainda há espaço para uma terceira via chegar ao segundo turno?
Em eleição tudo é possível. Mas diria que nunca na história das eleições brasileiras desde a redemocratização existiu um grau de cristalização dos votos nas pesquisas de intenções de votos como estamos vendo agora. Isso se deve pela polarização, e pelo grau de conhecimento do eleitorado tanto em relação ao Lula como ao Bolsonaro.
Acho difícil que a Simone Tebet consiga [deslanchar] em dois meses de campanha. Tudo pode acontecer, mas não é o cenário mais provável. Ela é a candidata que reúne as melhores qualificações para liderar o país em uma situação tão complexa. Mas não tem voto, esse é o problema.
Fonte: Folha de S.Paulo

