O Brasil tem uma série de pontos fortes que podem ajudá-lo a se sair bem no próximo ciclo de crescimento econômico global, diz Bernard Mensah presidente da área internacional do Bank of America (BofA). Com a visão de quem está à frente de toda a operação do banco americano fora dos Estados Unidos – um conjunto de 37 países com receita de US$ 12,4 bilhões nos nove primeiros meses deste ano -, o britânico de ascendência ganesa vê boas perspectivas para o mercado brasileiro em uma série de setores e diz que o investimento estrangeiro para ações deve aumentar à medida que os juros caírem. “O Brasil está em um lugar muito bom para obter um pouco mais desses fluxos. Cabe às empresas e ao governo criar as condições. O Brasil tem fundamentos bons, a inflação está indo bem”, diz o executivo, em entrevista ao Valor.
Bernie Mensah, como é conhecido, vem com alguma frequência ao país para se encontrar com clientes, com a equipe do banco e com autoridades. Leia os principais trechos da entrevista:
Valor: Como avalia a operação do BofA no Brasil? Há áreas em que gostaria de crescer mais?
Bernard Mensah: Estamos muito felizes com o que a equipe daqui construiu. É uma franquia completa, que atende as maiores empresas e as companhias de alto crescimento, bancos, gestores de ativos e fundos. Também ajudamos a trazer o resto da América Latina e o resto do mundo para o Brasil. Temos expandido muito esse negócio. Nos últimos cinco anos, nosso número de funcionários [no país] aumentou de 30% a 35%. Uma das coisas boas do Bank of America é que a estratégia é muito clara. Queremos fazer melhor, atender mais clientes. Somos número um em banco de investimento no mercado brasileiro, o que é incrível para um estrangeiro. Estamos felizes, mas podemos fazer mais. Quando penso nos negócios aqui, uma das coisas de que mais me orgulho é nosso capital intelectual.
Valor: Temos visto entrada de capital no Brasil, mas até agora tem se concentrado em renda fixa. O que falta para o estrangeiro vir com mais peso à bolsa?
Mensah: O Brasil está muito bem posicionado para o crescimento global. Tem muitos dos pontos fortes para explorar a próxima fase do ciclo de crescimento. O ciclo das commodities está em bom lugar. O Brasil investiu muito em suas pessoas nos últimos anos. Ainda é uma economia relativamente fechada, mas está se abrindo lentamente. O tamanho da economia em si é grande e interessante para consumo. Temos visto esses fluxos entrarem e acredito que devem crescer. E, quando começarem a crescer, vão passar para outras classes de ativos. Sobre as especificidades daqui, há muitas formas pelas quais a infraestrutura do mercado local pode ser usada para atrair mais liquidez. Além disso, quando taxas de juros começam a cair mais dinheiro vem para ações. As taxas devem começar a cair nos próximos quatro a oito meses, e haverá mais alocações.
Valor: Depende mais os juros que da questão fiscal?
Mensah: Um pouco dos dois. Uma etapa é o ciclo da taxa de juros. Outra é provavelmente a estrutura de mercado, acesso à liquidez, impostos etc. No Brasil, como uma economia [com rating] “BB”, há oportunidades reais se você é investidor de ações, dependendo de como acha que a economia está indo. Ter a relação dívida/PIB que tem não significa, necessariamente, que as ações e os mercados não interessem. Se as pessoas acham que é insustentável, então o mercado de ações é um jogo de prazo mais longo. Mas se acharem que está indo na direção certa, os investidores deveriam se interessar.
Valor: O senhor acha que a rotação de carteiras dos EUA para outros mercados acabou?
Mensah: Acho que não. Ao longo dos anos, vi alocações nos mercados globais se moverem. Às vezes, se movem em uma direção e às vezes, em outra. Pode haver um período em que há menos indo para o Brasil. Mesmo que isso aconteça, não será um problema permanente. A menos, claro, que as condições macroeconômicas não sejam tão boas à frente. O Brasil está em um lugar muito bom para obter um pouco mais desses fluxos. Cabe às empresas e ao governo criarem as condições. O Brasil tem fundamentos bons, a inflação está indo bem.
Valor: Como o rearranjo geopolítico promovido por Trump afeta os negócios internacionais do BofA?
Mensah: A coisa boa é que nossa estratégia não mudou. É a mesma que estamos perseguindo há muitas décadas. Ao longo da história do banco, as condições financeiras globais mudaram muito. Estamos em 37 países. Às vezes, há empresas aqui que querem crescer na Europa ou na Ásia. Tem empresas da Europa, do Japão ou dos EUA que querem vir para o Brasil. Estamos preparados para ajudar a gerenciar esses fluxos globais. Poucos bancos têm essa capacidade. Quando essas mudanças acontecem, há mais demanda por nossos serviços, porque se alguém faz muitos negócios com o Canadá e agora está fazendo mais com o México ou com o Brasil, temos operações para ajudá-los. Há ainda mais demanda neste momento.
Talvez o número de IPOs [em 2026] não seja tão grande, mas não significa que não haverá muita coisa acontecendo”
Valor: Em quais países a operação do BofA mais cresce?
Mensah: Nosso negócio internacional tem crescido muito. Em todas as principais regiões, estamos indo muito bem. Este é um dos nossos melhores anos na América Latina, na Ásia e no Brasil. Em toda a Ásia, no Sudeste Asiático, estamos vendo muitas oportunidades e crescimento. A Índia tem sido uma das economias de grande porte que mais crescem. A economia saudita está se abrindo de forma diferente do modelo que tinha há 10 anos. Mas uma das maiores oportunidades é que nossos clientes no Brasil são ambiciosos e querem fazer mais e, após um período de relativa tranquilidade, estamos vendo um aumento de clientes não brasileiros perguntando sobre o Brasil.
Valor: No Brasil, quais setores estão mais atrativos?
Mensah: O Brasil pode se beneficiar de algumas dessas novas indústrias que exigem muita energia barata e, idealmente, renovável. O tamanho da economia de consumo é importante. Infraestrutura continua sendo interessante. E o Brasil tem um pool de poupança doméstica grande que, na verdade, pode impulsionar muito esse investimento. Isso fora a economia tradicional, commodities etc. Em serviços financeiros tem havido muita inovação. Há inovação surgindo na área de gestão de ativos. Estamos muito empenhados em impulsionar a inovação nos mercados de capitais brasileiros para que essas indústrias possam crescer rapidamente.
Valor: Teremos eleições presidenciais em 2026 e já vemos alguma volatilidade nos mercados…
Mensah: Não tem estado no meu radar de forma significativa. Lembra que em 2024 todos diziam “é o ano das eleições”. Todos os investidores globais ficaram tipo “oh meu Deus, como vamos fazer?”. Temos uma noção do que esperar e os fundamentos do Brasil são o que são. Passamos por ciclos eleitorais muito diferentes no Brasil e continuamos muito comprometidos com o país no longo prazo.
Valor: Os investidores têm alguma preocupação com isso?
Mensah: Não tive a sensação de que os investidores estejam preocupados e se antecipando. Talvez localmente possa haver uma visão diferente, mas os globais estão focados nos fundamentos da economia brasileira. Sempre há mudanças táticas de curto prazo. Isso acontece se tiver um novo presidente do Banco Central, um novo ministro da Fazenda, um novo governo. Governos diferentes e às vezes um mesmo governo podem priorizar coisas diferentes. E, às vezes, os governos têm que lidar com o que os mercados estão dizendo em termos de consolidação fiscal, nível da dívida ou déficit orçamentário. A volatilidade pode acontecer antes de uma decisão de juros, ou se os dados mostrarem inflação mais alta do que pensávamos. Não há visão de que haverá uma mudança radical de uma forma ou outra.
Valor: O que o próximo governo deveria fazer para atrair investimentos?
Mensah: Os governos devem ser mais proativos em conversar com o setor privado sobre oportunidades e os impedimentos para que os fluxos de capital aconteçam. Não significa que o governo deva fazer o que o setor privado diz, mas incentivar o diálogo, para que haja uma melhor avaliação do que o setor privado ou uma indústria específica precisa. A segunda coisa é ter uma economia que, de forma controlada, seja um pouco mais aberta aos fluxos globais, a ideias globais e a pessoas globais. Em terceiro lugar, o Brasil gerenciar sua produção de energia e ter um baixo custo unitário de energia vai ajudar na industrialização. E, claro, a estabilidade macroeconômica é algo em que todos os governos focam e trabalham e é sempre importante para a confiança dos investidores. O que você quer como governo é que os investidores tenham um horizonte de investimento o mais longo possível.
Valor: Como o tarifaço dos EUA afeta a estratégia internacional do Bank of America?
Mensah: Nossa estratégia permanece a mesma. [O tarifaço] significa que, talvez, passemos mais tempo com os clientes. Estamos animados com as oportunidades de crescimento global. Alguns CEOs estão tendo de se ajustar, alguns estão vendo oportunidades e, nos dois casos, estamos lá para ajudar. No Brasil, há uma resiliência na economia. Esperamos que a inflação caia um pouco no próximo ano, que o crescimento desacelere, mas também que as taxas de juros caiam um pouco.
Valor: O Brasil deve começar a cortar a Selic no próximo ano. A queda no diferencial de juros pode afetar o fluxo para o país?
Mensah: Acho que não. Teria algum impacto se o Brasil fosse uma economia mais aberta. No câmbio, o Brasil se beneficiou do dólar mais fraco. Na teoria, se o Fed [banco central americano] cortar, o dólar pode continuar a ser um pouco mais fraco. Se o Brasil estivesse cortando as taxas enquanto os EUA estivessem aumentando, poderia haver mais volatilidade. Mas provavelmente será uma coisa boa. O Brasil começará a cortar em um momento em que o Fed também está cortando.
Valor: O BofA A tem sido forte em dívida e M&A no Brasil. Vê essas áreas crescendo no próximo ano?
Mensah: Estamos muito positivos sobre nossa franquia nessas áreas. Estamos adicionando pessoas e recursos à medida que o balanço cresce, nossa atividade de empréstimos cresce, as captações crescem. O número de clientes aumentou. E, particularmente, banco de investimento, renda fixa, moeda local. Uma das atividades com a qual estamos mais empolgados é o GPS, o negócio global de serviços de pagamento. Temos investido muita tecnologia nisso. Investimos cerca de US$ 13 bilhões por ano em TI, dos quais US$ 4 bilhões são novas iniciativas e o resto é para administrar o banco. Uma das áreas em que mais investimos é na arquitetura de pagamentos brasileira, para que possamos fornecer serviços de pagamento rápido cada vez mais sofisticados a empresas.
Valor: Em relação a ações, veremos um 2026 mais ativo?
Mensah: Sim, quando olhamos para nosso negócio de ações, estamos fazendo um orçamento para expandi-lo no próximo ano. Neste ano, o Brasil teve muitos “block trades” [negociações em bloco]. Não vimos muitos IPOs, mas isso vai recomeçar em algum momento. Somos o banco estrangeiro com uma das maiores coberturas de ações. Acredito que as condições podem permanecer como estão e até melhorar um pouco. Esperamos ver algum fluxo estrangeiro. Em dólar, o Ibovespa foi muito bem. Em outras áreas, haverá reestruturações, investimentos estrangeiros, negociações em bloco e outras coisas. À medida que os fundos começarem a reunir ativos novamente, quando as taxas de juros caírem, estaremos lá para atendê-los com o negócio de corretagem. Portanto, a atividade no ecossistema de ações deve continuar a crescer. Talvez o número de IPOs não seja tão grande, mas não significa que não haverá muita coisa acontecendo.
Valor: O sr. é membro da Carnegie Endowment e da Kifi Annan Foundation. Como é sua atuação nessas instituições?
Mensah: Sim, e também faço parte do Conselho Consultivo de Stanford. Acho importante tentar contribuir e retribuir. Kofi Annan é originário de Gana, assim como minha família, o conheci um pouco. Quando ele morreu, houve uma decisão sobre continuar seu trabalho. Depois de alguns anos me pediram para me juntar ao conselho. É um conselho que está tentando encontrar uma maneira de continuar seu trabalho em prol do diálogo. No Carnegie, entrei há quatro ou cinco meses. Eles têm um grupo de pessoas incrivelmente talentosas que são especialistas mundiais em diversas áreas. Quero ver se posso contribuir com as partes do mundo que conheço ou trazer uma perspectiva de negócios. Também estou interessado em aprender sobre como enxergam o mundo. Nessas organizações, você pode, além das questões de negócios que tentamos resolver todos os dias, contribuir para coisas que tornam o mundo um lugar um pouco melhor. É o que estou tentando fazer. (*Participante do Curso Valor de Jornalismo Econômico, sob supervisão de Talita Moreira)
Fonte: Valor Econômico
