Por Sérgio Tauhata — De São Paulo
20/05/2022 05h03 Atualizado há 4 horas
O Credit Suisse tem planos de dobrar a participação no mercado de private banking brasileiro em até cinco anos, afirma o integrante do comitê executivo, CEO global de wealth management e CEO da divisão Europa, Oriente Médio e África, Francesco De Ferrari. O executivo assumiu a área de gestão de patrimônio do banco suíço em fevereiro de 2022 e, em entrevista ao Valor, conta que o Brasil é uma de suas primeiras viagens no cargo.
Ferrari diz que o braço de gestão de fortunas do grupo contabiliza mais de US$ 1,5 trilhão em ativos no mundo. Mesmo em uma perspectiva global, o Brasil ocupa lugar estratégico para o grupo, afirma. “O ambiente macro, e o que está acontecendo com as commodities, torna um cenário [global] muito interessante para a economia brasileira.” Para o executivo, “a riqueza está sendo produzida cada vez mais em emergentes e cada vez mais impulsionada por empreendedores”. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
Valor: Quais os planos do Credit Suisse para o Brasil?
Francesco de Ferrari: Uma das razões pelas quais o Brasil é uma das minhas primeiras viagens é porque temos ambições muito fortes para os negócios no país. O Brasil sempre foi um mercado muito interessante. O ambiente macro, e o que está acontecendo com as commodities, torna um cenário [global] muito interessante para a economia brasileira, mas principalmente para os empresários brasileiros. Por que estou tão empolgado com o Brasil? Bem, primeiro, é um grande mercado e está na categoria de emergentes onde o “pool” médio de riqueza cresce mais rápido. O mercado deve crescer nos próximos cinco anos um pouco mais de 10%. Nosso objetivo é dobrar os negócios no Brasil nos próximos três a cinco anos, o que significa que precisaremos crescer mais rápido que o mercado. Sei que não divulgamos números absolutos, mas, no ano passado, nossos negócios com clientes cresceram em torno de 15%. Aumentamos o número de funcionários, pessoas voltadas ao cliente e especialistas em investimentos em valor semelhante. Estamos investindo no país porque acreditamos absolutamente no potencial.
Valor: O que o motivou a voltar ao Credit Suisse, como chefe do wealth management?
Ferrari: Voltei ao Credit Suisse em janeiro. Já tinha tido uma passagem no banco entre 2002 e 2018. Saí para assumir como CEO de um dos maiores conglomerados de serviços financeiros australianos, o AMP, mas recebi uma ligação do Thomas [Gottstein, CEO do Credit] no fim do ano passado e acabei voltando. Vim, essencialmente, para construir uma franquia global de gestão de patrimônio. Uma das razões que me levaram de volta é porque passei 17 anos maravilhosos no Credit Suisse. É um banco fantástico que passou por um momento muito difícil. Tem sido uma jornada interessante, porque o Credit costumava administrar o negócio de gestão de patrimônio de uma forma regional, mais fragmentada, na configuração anterior. Mas trata-se de uma operação fenomenal. Fora dos EUA, é o segundo maior negócio de gestão de patrimônio do mundo e o banco hoje administra cerca de US$ 1,5 trilhão. Isso é mais do que todos os bancos domésticos no Brasil detêm juntos.
O ambiente macro torna o cenário global interessante para a economia brasileira, principalmente os empresários”
Valor: Qual sua visão sobre os emergentes dentro da estratégia do banco?
Ferrari: Temos uma mistura interessante de mercados desenvolvidos, mas especialmente emergentes [como áreas de atuação]. E, se você olhar para as tendências, a riqueza está sendo produzida cada vez mais em mercados emergentes, e cada vez mais impulsionada por empreendedores. São pessoas que mantêm suas empresas privadas por mais tempo. Uma coisa realmente interessante no Credit Suisse é sua cultura. Tem uma mistura única de uma empresa de gestão de patrimônio tradicional suíça com um gosto de banco de investimento, duas áreas misturadas como iguais na mesma empresa. Geralmente, em outras instituições, tem um lado que é muito mais forte. E, assim, esse mix de gestão de patrimônio e banco de investimento torna o Credit muito bom em agregar valor a um empreendedor. Isso remonta a alguns princípios do fundador do Credit Suisse, Alfred Escher. Em 1856, ele queria construir um túnel para conectar o norte ao sul da Europa, porque há grandes montanhas no meio, os Alpes. E ninguém estava lhe dando dinheiro para o projeto. Então ele disse: “vou criar meu próprio banco e financiar o projeto eu mesmo”. E assim, desde Escher, a cultura do Credit Suisse tem empreendedorismo em seu DNA.
Valor: Como tem sido a implementação da nova estrutura do wealth?
Ferrari: Estou há pouco mais de 100 dias no trabalho e o primeiro momento foi sobre decidir a estrutura, selecionar a equipe e começar a trabalhar na estratégia. Agora, finalmente, que o mundo está se abrindo [após melhora da pandemia], começo a percorrer os principais mercados para ter certeza de que compreendo muito bem o negócio. Mas também para me certificar que as equipes em campo entendam a estratégia e para onde precisamos ir. O ambiente macroeconômico é complexo. Como instituição financeira global, precisamos sempre ser ágeis e nos adaptar ao ambiente. No Brasil, temos uma configuração muito diferenciada. Porque, se eu olhar como muitos players globais estão atuando na região, a maioria saiu do negócio de gestão de patrimônio. Temos mais de 60 anos no país, portanto temos um forte negócio local de gestão de patrimônio, assim como de banco de investimento.
Valor: O Brasil é um mercado estratégico?
Ferrari: Acho que temos quase mil pessoas em campo no Brasil. E isso é realmente crítico se olharmos para a nossa capacidade de entregar valor aos clientes. Você precisa ser flexível e se adequar aos clientes, ao tipo de soluções e serviços que eles precisam. Se você está aqui, entende a economia, entende quem são os jogadores e realmente pode fazer a diferença. Temos uma configuração única em termos de oferta aos clientes, meio que recursos “multishore”, eles podem reservar conosco aqui no Brasil, nas Bahamas, na Suíça. Somos muito flexíveis na adaptação às suas necessidades em todos esses locais. E isso é realmente único. Temos uma família brasileira que é cliente do banco há 150 anos. São os pontos fortes intangíveis de ter um negócio global, mas com presença local e um banco de investimento forte.
Valor: Quais as principais demandas dos clientes brasileiros?
Ferrari: Em mercados emergentes, normalmente nossos clientes são empreendedores e seu principal problema é “como faço para ampliar meu negócio”. É menos sobre gestão de riqueza pura. O pedido implícito é: “ajude-me a crescer meu negócio”. Portanto, nossa capacidade de combinar gestão de patrimônio e banco de investimento, negócios de mercado de capitais, mas também oferecer empréstimos estruturados realmente os ajuda a fazer isso.
Valor: Quais as principais preocupações dos clientes no momento?
Ferrari: Para os clientes na Ásia, no médio e longo prazo, a principal preocupação é a China. Como a China lidará com os bloqueios agressivos [em razão da covid-19]? O que vai acontecer com a economia chinesa? Isso é fundamental para o crescimento daquela parte do mundo. Na Europa, acho que a maior preocupação é como lidar com uma crise humanitária que a guerra desencadeou. Apenas nos primeiros meses, tivemos algo como 2,7 milhões de refugiados indo da Ucrânia para a Polônia. Quais são as consequências da dependência energética para a Europa? No Oriente Médio, obviamente, como o Brasil, sendo países fortes em commodities, todos estão se beneficiando do aumento dos preços. Uma das preocupações dentro de uma perspectiva mais geral é o que está acontecendo com a inflação, quanta inflação virá em energia e alimentos? O que isso faz com as cadeias de suprimentos? E como eu preciso interpretar meu negócio nessa configuração e contexto? Quando os mercados vão bem, todos fazem um bom trabalho. Quando os mercados estão mais voláteis e mais complicados, é aí que acho que podemos fazer uma diferença muito maior, principalmente no Brasil.
Valor: Como a guerra está impactando a estratégia do Credit Suisse globalmente?
Ferrari: O Credit Suisse está reavaliando sua presença em território russo. Claramente, a guerra está impactando nossos negócios. Durante o primeiro trimestre, reduzimos significativamente nossas exposições de crédito líquidas na Rússia, diminuímos em 56%, de 848 milhões de francos para 373 milhões de francos. Isso tanto nos negócios de gestão de patrimônio quanto de banco de investimento. E temos alguma exposição ao financiamento do comércio de commodities. Não estamos também aceitando nenhum novo negócio de cliente na Rússia. Obviamente temos trabalhado para implementar as várias e complexas sanções que saíram dos EUA, do Reino Unido e da Europa. Estamos ajudando ainda nossos clientes a reduzir suas posições na Rússia. Mas a Rússia é menos de 4% do nosso total de ativos sob gestão.
Valor: No Brasil, quais recomendações o banco tem feito aos clientes em termos de investimentos?
Ferrari: Um ponto muito importante é diversificar o perfil de risco. Bons investimentos têm tudo a ver com diversificação e gerenciamento da correlação de diferentes classes de ativos. Recentemente, as taxas de juros no Brasil chegaram ao ponto mais baixo de sua história. Com isso, de repente, clientes que são muito domésticos e com foco em renda fixa passaram a olhar para o que mais existe no mundo em termos de investimentos. Mesmo agora, que as taxas voltaram a subir, esse interesse permanece. Uma vez que os clientes passaram a explorar o que tem no exterior, fica difícil voltar simplesmente ao que era antes. Quando o juro ficou baixo vimos demanda dos clientes por investimentos alternativos, como produtos de infraestrutura, private equity e venture capital. Mesmo com o cenário que estamos vivendo agora, isso permanece.
Valor: Qual sua opinião sobre o mercado de criptoativos?
Ferrari: É complicado para as grandes instituições financeiras se posicionar sobre uma classe de ativos que não tem uma avaliação fundamental. Alguns desses ativos foram criados como meio de troca, mas acabam não sendo um bom meio de troca por conta da volatilidade. O fundamental é começar a trabalhar oportunidades que a tecnologia oferece, como a possibilidade de democratização da riqueza. Como podemos trazer oportunidades únicas de investimento, como private equity, normalmente só acessíveis aos principais clientes? O blockchain pode ter um papel importante nisso.
Fonte: Valor Econômico

