Por Marsílea Gombata e Álvaro Fagundes — De São Paulo
05/10/2022 05h01 Atualizado há 42 minutos
O bom desempenho da economia brasileira recentemente é fruto de reformas feitas nos últimos anos e de estímulos fiscais, afirmam economistas. O Brasil vem acompanhando o crescimento global, mas deve se descolar do mundo em 2023, quando teremos de lidar com um cenário mais real da economia, alertam.
Após o resultado do primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro disse que o Brasil é o país que melhor vem se saindo em termos econômicos. A economia brasileira, contudo, está dentre as que menos cresceram na pandemia. Em termos de inflação, o Brasil acumula uma das taxas mais altas.
Impulsionado pela reabertura pós-pandemia, o mercado de trabalho vem se recuperando mais rápido do que o esperado, mas a taxa de desemprego se destaca em meio a grandes economias. A indústria vem expandindo lentamente, e os serviços é que puxam a atividade nos últimos meses.
Mas esse é um retrato dos últimos meses, beneficiado por reformas de anos anteriores e por estímulos fiscais dos dois últimos trimestres, o que coloca em xeque a sustentabilidade desse ritmo.
Para Silvia Matos, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), há a metade cheia e a metade vazia do copo. De um lado, estamos colhendo frutos de reformas anteriores. De outro, há desafios para manter o bom desempenho da atividade.
“Trata-se também da continuidade da agenda de reformas que tem avançado, em áreas como infraestrutura, mercado de capitais, petróleo, a redução de subsídios públicos. Tudo isso contribui para um bom desempenho. Mas não vem apenas de um governo. É um processo do governo Temer em diante.” Ela acrescenta que, assim como outros países latino-americanos o Brasil foi beneficiado pela alta dos preços de commodities.
Silvia argumenta, contudo, que a economia brasileira tem adiante desafios importantes nos curto e médio prazos como o juro real alto, inadimplência das famílias, a alta taxa de informalidade e a baixa produtividade da economia.
Na comparação com a economia global, o Brasil vem acompanhando o crescimento, mas essa tendência deve se reverter no próximo ano, afirma Bráulio Borges, economista da LCA Consultores.
“Na média, de 2019 a 2021, o mundo cresceu 1,7% ao ano, e o Brasil, 0,7%. 2022 ainda não acabou, mas o PIB mundial deve crescer 3% neste ano, e o Brasil, 2,7%, segundo o relatório Focus ou o próprio Banco Central”, diz.
No ano que vem, essa aproximação se reverte. Borges argumenta que a projeção de consenso do mercado é que a economia brasileira expanda 0,5%, enquanto o PIB global cresça 2,3%, de acordo com o Banco Mundial.
“Sabemos que muitas medidas tomadas neste ano terão custos empurrados para nós pós-eleições, e o PIB do ano que vem reflete isso. Vamos pagar a fatura de ter impulsionado a economia de forma artificial, principalmente às vésperas da eleição.”
Mas o próprio Banco Central vê com cautela o PIB pela ótica da demanda como sustentável no curto e no médio prazo, e espera desaceleração para consumo das famílias e investimento em 2023.
No último Relatório de Inflacao, a autoridade monetária prevê alta de 3,9% para o consumo das famílias neste ano 2022 e de 0,7% no ano que vem. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, medida das contas nacionais do que se investe em máquinas e equipamentos, na construção civil e em pesquisa) passaria de -0,4% para -0,5%.
“A composição em termos de sustentabilidade de crescimento tem sido muito ‘curto prazistas’, com o consumo bombando com medidas eleitoreiras, mas o investimento encolhendo”, diz. Ele afirma que alguns estímulos devem ser mantidos, como o Auxílio Brasil de R$ 600, mas outros, como liberação do FGTS, não.
“O quadro melhorou no curto prazo. Mas tem muito mais cara de voo de galinha do que de início de uma retomada de crescimento sustentável”, diz.
Ainda que o Brasil vá crescer mais do que alguns emergentes, há elementos conjunturais e estruturais misturados, argumenta Alessandra Ribeiro, da Tendências Consultoria.
“Fica um pouco delicado separar o que é questão da pandemia e estímulos monetários e fiscais, que geraram benefícios em termos de atividade, e o que é estrutural. Ainda há efeitos retardados de estímulos fiscais da pandemia, que ainda estamos colhendo”, afirma. “Além disso, neste ano, tem o cenário de alto de preço das commodities, que vem gerando efeito na atividade econômica. Mas são elementos conjunturais, e esperamos que boa parte deles perca dinamismo de forma expressiva em 2023.”
A economista afirma que, a partir do ano que vem, teremos um cenário mais real, “com a economia respondendo mais a seus fundamentos e menos a elementos mais conjunturais pós-pandemia”.
“Tem muito elemento conjuntural misturado hoje, que parece que veio para ficar, e não é bem assim. Um deles, por exemplo, é a desoneração, que não será eterna”, diz. A Tendências estima o equivalente a 1 ponto percentual do PIB de desoneração para 2023 e mais 1,7 ponto percentual de despesas extras, como Auxílio Emergencial e reajuste de servidores públicos.
Do lado estrutural, Ribeiro diz, a economia colhe efeitos da reforma trabalhista e de uma agenda de infraestrutura, como concessões de aeroportos, rodovias, saneamento, que ainda deve ter consequências positivas sobre a economia.
A avaliação do presidente Bolsonaro sobre a economia brasileira, portanto, reflete mais o momento presente do que o mandato dele, afirma Marcos Casarin, da Oxford Economics. “Foi um comentário oportunista porque ele se fez valer de dados do PIB do terceiro trimestre”, diz. “Nos EUA e na Europa, as economias estão entrando em recessão. O Brasil está acelerando seu crescimento antes do que estamos esperando que seja uma recessão.”
Casarin argumenta que a recuperação rápida do mercado de trabalho e a retomada dos serviços acelerada chamaram atenção no desempenho da atividade econômica nos últimos meses.
Seja quem for próximo presidente, afirma, governará em um ambiente de inflação e juros em queda. “E dependerá muito da confiança do investidor”, afirma, ao acrescentar que o presidente pelos próximos quatro anos deve ter confiança externa.
“[Neste sentido], pode ser mais difícil com Bolsonaro. Com Lula e um Congresso conservador pode ser mais fácil navegar no ano que vem. Para o mercado, esse é um cenário positivo porque Lula teria de colocar alguém de fora da coalizão, ampliar sua frente ainda mais do que fez no primeiro turno.”
Fonte: Valor Econômico

